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Quem se “comuniqueite” pode se “trumbiqueite”
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Arquivo pessoal
Na Argentina, “cochera” é estacionamento de carros (“coches”): não espere ver cavalos por lá.

Rio muito quando vejo na televisão aquele comercial de escola de idiomas em que o avião está caindo e o Bruce Willis (sempre duro de matar) grita, em inglês, para dois jovens brasileiros pegarem o parachute (paraquedas), mas eles entendem que é “para chutar” o equipamento para fora da aeronave. A situação é forçada, obviamente, mas quase todo mundo já pagou um mico por conta de barreiras linguísticas/idiomáticas. Não adianta: parodiando Chacrinha, quem se comunica (principalmente em outra língua) sempre pode se “trumbicar”.

Quando estive nos Estados Unidos pela primeira vez, aos onze anos, eu era o membro da família que mais entendia e falava inglês — e estava ainda no início do curso. Ou seja, a viagem foi repleta de situações engraçadas e/ou embaraçosas. A mais marcante foi protagonizada por minha madrinha, no avião, durante a viagem de volta. Quando o comissário de bordo perguntou o que ela queria beber, ela ensaiou a pronúncia para pedir água e mandou: “waiter”. O comissário arregalou os olhos, o passageiro ao lado caiu na gargalhada e ela ficou sem entender nada: acabara de pedir para tomar um garçom (waiter), não água (water).

Por falar em garçom… Como a língua inglesa é onipresente, é mais comum tropeçarmos nela. Mas ela (ou a falta dela) não é a única causadora de momentos constrangedores, claro. Um jornalista me contou que, ao viajar para a França pela primeira vez, diplomado na língua de Victor Hugo, pensava que não teria problemas. Até ir a um restaurante e conhecer um típico garçon francês. Ao perguntar, de maneira coloquial, “como está a codorna?”, ouviu a resposta seca: “Está morta”. Passada a vontade de matar o garçon com uma baguette, ele acabou preferindo apontar no menu o que queria comer.

E se engana quem pensa que as grandes barreiras linguísticas só existem longe do Brasil. Entre nós e nossos hermanos sul-americanos, a coisa também pega. Aliás, muita gente parece achar que espanhol é um português falado muito alto (como faz um amigo meu, que quase ensurdece os pobres interlocutores castelhanos) ou com “ue” no lugar de “o” (o refrigerante mais bebido nos países vizinhos não é “cueca-cuela”). Um conhecido me contou que, na Argentina, desesperado para ir ao banheiro, ouviu do argentino a quem pediu informações na rua a sugestão de que devia ir a uma cochera que havia na esquina. Pensando ter sido chamado de cavalo, saiu xingando o hermano. Quando chegou à esquina, percebeu que a cochera estava cheia de carros (coches, em castelhano), e lá havia um salvador banheiro (baño) — ficou se sentindo um caballo.

Por falar em banheiro… Até em português a gente se complica — no Brasil mesmo, com tantos regionalismos, é fácil haver problemas de compreensão, que o digam os nossos “piás” que querem comer cachorro-quente com duas “vinas” em outras paragens. Em Portugal, então, as confusões são corriqueiras. As diferenças entre o nosso português e o original, da Terrinha, não são poucas. Muitas delas foram reunidas pelo escritor Mário Prata no livro Dicionário de português Schifaizfavoire (Editora Globo), como “banheiro” – que, em Portugal, é aquele profissional que fica nas praias e piscinas evitando que os banhistas se afoguem, o “salva-vidas” daqui (o nosso “banheiro” é, para eles, “casa de banho”). Isso sem falar nas diferenças mais conhecidas e curiosas: para ficar na mais famosa, em Portugal, “bicha” significa “fila” (aliás, lá elas são tão comuns quanto aqui).

Mas não somos apenas nós que nos damos mal com outros idiomas e culturas. Os estrangeiros, quando vêm para cá, também sofrem. Certa vez, hospedei um rapaz dos Estados Unidos. Ele estava no Brasil para visitar a namorada, uma estadunidense que estudava aqui. Ela já se sentia uma verdadeira brasileira e falava bem o português, apesar do sotaque fortíssimo e de se incomodar com muitos de nossos costumes. Tudo para ela era “estranho”, e sempre me lembro de seu bordão, em português arrastado, com sotaque: “que estrrraaa-nhooouuu”. Pois estranho foi o presente que ela deu ao namorado, e que ele veio me mostrar, todo feliz: uma cachaça, comprada no Nordeste, chamada Amansa Corno. O pobre rapaz me exibia orgulhosamente a garrafa, dizendo que era uma bebida dos vikings: ele achava que o homem com chapéu de chifres, desenhado no rótulo, era viking. Pensei em não falar nada, mas resolvi contar para o rapaz. Cumplicidade masculina. Afinal, depois de meses no Brasil, é difícil que alguém não saiba que não temos vikings e que cara chifrudo, aqui, ou é anjo caído ou é homem traído. Estrrraaa-nhooouuu, muito estrrraaa-nhoooouuu.

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Agudas

– Desconhecer outras línguas não é o problema. O problema é fingir conhecer ou achar que conhece. É por isso que os maiores mal-entendidos ocorrem. Por exemplo, circula pela internet um vídeo de um programa infantil brasileiro, exibido há 15 anos, em que crianças dançavam ao som de uma música que falava, em inglês, sobre a medida da genitália masculina — tema impróprio para os baixinhos, convenhamos;

– Nós, brasileiros, se muitas vezes não falamos bem o português, somos fluentes em outra língua: o “embromation”. É impressionante a nossa capacidade de enrolar em qualquer idioma, sobretudo no inglês. No ano passado, aliás, ficou célebre uma entrevista em inglês do treinador Joel Santana, que comandava a equipe de futebol da África do Sul. Muita gente riu do caso (há até quem o imite, como o impagável Marcelo Adnet), mas o treinador só estava tentando se virar, o que, convenhamos, todos nós fazemos quando precisamos nos comunicar em línguas diferentes — quem nunca recorreu até à mímica para se comunicar com um estrangeiro?

– Uma empresa já trabalha em um tradutor de voz em tempo real, portátil. Será o fim dos micos linguísticos? Com a enorme quantidade de neologismos e regionalismos, acho difícil. O teste final do aparelho pode ser no Rio Grande do Sul, com um estrangeiro pedindo para comer pãozinho francês ou brigadeiro, ou aqui em Curitiba, pedindo um sanduíche com duas “vinas” ao “piá” da lanchonete.

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