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Vida de cão? Quem me dera…
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Imagem que circula pela internet brinca com as mordomias de que desfrutam alguns bichos.

A primeira vez em que chorei assistindo a um filme foi com Caninos Brancos, quando o jovem Jack Conroy (interpretado pelo então adolescente Ethan Hawke) sofre ao devolver à natureza seu “lobo” de estimação. Chorei também com a morte do Marley e de todos os meus cães – lembro-me com saudade de cada um, especialmente do último, que tive durante a adolescência, o encardido poodle Charlie Brown.

Confesso que paro nas vitrines das petshops e babo com os bichos, e sou capaz de ficar horas brincando com os animais de estimação… dos outros. Depois de uma adolescência embalada por latidos, hoje não gosto de imaginar meu lar, doce lar, repleto de excrementos de bicho, cheiros de bicho e pelos de bicho — já bastam os meus próprios pelos. Mas a questão da higiene não é a que mais me incomoda em relação aos animais de estimação, até porque sei que tem muito bicho por aí que toma mais banho do que este cronista – mesmo que, depois do casamento, eu tenha deixado de tomar banho apenas aos sábados e passado a me lavar todos os dias.

O que tem me incomodado muito é a superestimação dos bichos de estimação e, sobretudo, uma triste humanização de animais – contrastando com uma ainda mais triste animalização de seres humanos. Para pegar um exemplo recente e trágico: entidades de todo o mundo têm reunido doações e arregimentado voluntários para ajudar os animais vítimas do terremoto e tsunami no Japão, em março. Com todo o respeito, ainda com aproximadamente 15 mil SERES HUMANOS desaparecidos e 140 mil SERES HUMANOS desabrigados no Japão por conta da tragédia natural, juntar recursos humanos e financeiros para ajudar animais irracionais não é razoável.

E o que falar dos gastos absurdos com os bichos, com tratamentos estéticos, roupinhas de grife, joias e outros mimos? Tem criança que nunca teve uma festa de aniversário, enquanto há cachorrinhos que têm suas primaveras comemoradas com toda a pompa e circunstância. Ok, cada um que gaste seu dinheiro como bem entender. Mas eu não consigo entender. Uma reportagem da Gazeta do Povo do ano passado revelou que, segundo pesquisa da Associação Nacional dos Fabricantes de Alimentos para Animais (Anfalpet), a despesa média mensal do brasileiro com seus pets é de R$ 350. Já a Síntese de Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), também no ano passado, revelou que 22,9% dos brasileiros vivem com até meio salário mínimo (hoje, o equivalente a R$ 270). Ou seja, cerca de 43 milhões de brasileiros teriam uma condição de vida melhor se passassem a latir e miar e trocassem de lugar com os aproximadamente 32 milhões de cães e gatos de estimação das classes A,B e C (estimados por outra pesquisa, a Radar Pet). É de ficar de quatro ou não é?

Poverty.Nely.In
Na cama, o cão; o ser humano, no chão.

Autor do livro One Nation Under Dog (Uma nação sob o domínio do cão), em entrevista publicada na revista Época há dois anos, o jornalista Michael Schaffer afirmou: “Elas (as pessoas) estão mais sozinhas e estão usando os bichos de estimação para suprir uma carência que o contato com outros seres humanos não está conseguindo suprir. Por causa disso, em vez de tratar seus bichos de estimação apenas como animais, as pessoas estão tratando como seus filhos.” Ok, mas não é o contato com outros seres humanos que não consegue suprir a carência dessas pessoas, é a falta de contato. Ficar babando e “falando” com um bichinho durante todo o tempo livre, mimando-o como a uma criança, não é bonitinho. É um sinal triste.

Para deixar claro: não concordo com os exageros e a humanização dos bichos (sobretudo quando há tanta gente precisando de atenção), mas gosto de animais, respeito-os, respeito quem os têm e sou contra os maus-tratos – lembrando que animal bem tratado não é animal tratado como rei, ou como um filho, mas tratado com dignidade. Sei que, em muitos casos, os animais têm um efeito terapêutico, muito benéfico às pessoas. Entretanto, pergunto: será que uma atividade voluntária, por exemplo, em prol de seres humanos, como contar histórias para crianças hospitalizadas ou ouvir histórias de idosos asilados, não é tão terapêutica quanto o contato com bichos? Tenho a impressão de que receber um olhar carinhoso e agradecido de uma criança carente é muito mais recompensador e satisfatório do que de um bichinho. Não é preciso ter medo. Em geral, os seres humanos não mordem.

Agudas

– Para reconstruir o Haiti após o terremoto ocorrido no início de 2010, estima-se que serão necessários cerca de US$ 11 bilhões. Isso é menos do que os japoneses gastam com animais de estimação anualmente, conforme levantamento divulgado pela consultoria japonesa JPR Corporation, no ano passado. Segundo a empresa, os japoneses gastam um trilhão de ienes por ano (cerca de US$ 12 bilhões) com seus bichos de estimação;

– No Irã, um projeto de lei pode tornar crime ter um cãozinho de estimação. Isso porque os pets seriam um símbolo da ocidentalização do país. Absurdo. Nem tanto ao cão, nem tanto ao não;

– Em março, o cão Hong Dong (ou Big Splash, seu apelido ocidental), um mastiff tibetano, foi comprado por um milhão de euros, tornando-se o cão mais caro do mundo. O comprador, um investidor chinês (comprando cachorro tibetano?), pretende alugar o cachorro para procriação, a fim de recuperar o investimento. É mole? O investidor espera que não;

– Em Nova York, o spa e clube canino Fetch inaugurou uma casa noturna exclusiva para cães, com DJ, pista de dança, bebidas e petiscos. A música mais tocada na pista deve ser “Who let the dogs out?” – na boa, who let these people out (of their minds)?;

– Indico a leitura do artigo Humanização ou Desumanização?, de autoria do MÉDICO VETERINÁRIO Romão Miranda Vidal;

– Para ser (mais) chato: há quem afirme que dirigir um carro é mais ecológico do que ter um cachorro. A conclusão é dos pesquisadores Robert e Brenda Vale, da Universidade de Victoria, na Nova Zelândia. Eles são autores do livro Time to Eat the Dog: The real guide to sustainable living, em que demonstram que o impacto ambiental causado por um animal de estimação, sobretudo por conta da produção de rações, é maior do que o gerado por um automóvel. Difícil de acreditar. Na dúvida, é melhor ir a pé, cuidando para desviar de outros e mais fedidos “impactos ambientais” de animais.

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