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livre mercado
Sindicatos de trabalhadores protestam contra o então presidente Michel Temer, em 2017, cujo governo aprovou reforma trabalhista e o fim do imposto sindical.| Foto: Roberto Parizotti/CUT

O governo Lula quer recriar o imposto sindical obrigatório ou alguma outra forma de financiar os sindicatos — por exemplo, por meio de uma taxa negocial, uma comissão que os trabalhadores teriam que pagar ao sindicato quando este obtém vantagens ou reajustes salariais nas negociações com os patrões. A contribuição compulsória aos sindicatos, que equivalia ao salário de um dia de trabalho por ano do trabalhador, foi extinta na reforma trabalhista aprovada durante o governo de Michel Temer, em 2017. A nova taxa aventada pelo ministro do Trabalho, Luiz Marinho, daria uma mordida ainda maior na renda dos trabalhadores: 1% do seu rendimento anual, o que equivaleria a uma contribuição três vezes maior do que a do antigo imposto sindical. Em vez disso, para fortalecer os (bons) sindicatos de trabalhadores, o governo deveria aplicar a lógica do livre mercado.

Atualmente, no Brasil, os sindicatos têm monopólio de representação dos trabalhadores. Só pode existir um para cada categoria profissional em cada localidade (municípios, estados e em nível nacional). Ou seja, não existe concorrência entre sindicatos — como existe concorrência entre empresas em um contexto de livre mercado. Com isso, muitos sindicatos se acomodaram em sua condição de representantes únicos de uma categoria em determinado local. Em vez de mostrar serviço para atrair gente disposta a se sindicalizar e a contribuir voluntariamente em troca de conquistas coletivas (e individuais, como veremos mais à frente), seus dirigentes ficam sentados esperando o dinheiro da contribuição obrigatória pingar nos cofres de suas entidades.

A queda brutal na receita dos sindicatos desde a reforma trabalhista é uma prova de que o serviço que a maioria deles prestava aos trabalhadores era pífio. Em 2017, ano da reforma, sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais arrecadaram 3,6 bilhões de reais. Cinco anos depois, a receita não passa de 70 milhões de reais. Ou seja, os trabalhadores não veem vantagem em contribuir para os sindicatos.

O retorno da contribuição obrigatória apenas aumentará o ranço dos trabalhadores com sindicatos que muitas vezes não os representam adequadamente

Os defensores da volta do imposto sindical dizem que, sem ele, os sindicatos perdem receita porque os trabalhadores sabem que, mesmo não contribuindo voluntariamente, serão beneficiados por qualquer negociação coletiva bem sucedida da mesma forma que os sindicalizados que pagam regularmente. Esse é um dilema conhecido na ciência política.

No livro A Lógica da Ação Coletiva (Edusp, 2015), de 1965, o economista americano Mansur Olson desenvolveu uma teoria da ação coletiva, ou seja, de como grupos de pessoas, de empresas ou de entidades se organizam para defender seus interesses comuns. São os chamados grupos de pressão ou de interesse. Um dos paradoxos na formação desses grupos, segundo Olson, diz respeito justamente ao incentivo que seus membros têm para contribuir para o esforço coletivo, já que isso tem um custo individual (de tempo ou dinheiro, por exemplo). No caso de uma associação empresarial, uma conquista setorial (a aprovação de uma lei que reduz imposto para a compra de carros, por exemplo) favorece também os competidores. No caso de um sindicato, o esforço de outros trabalhadores para obter uma conquista favorece também quem não mexeu uma palha para ajudar.

Se o fato de um membro deixar de dar a sua contribuição, enquanto os outros o fazem, não o impede de se beneficiar do resultado da ação coletiva, o que poderia incentivá-lo a participar ou a contribuir? Voluntarismo? Ideologia? Patriotismo? Laços sociais (amizade)? Olson afirma que é por meio de estratégias de coerção (ainda que sutis, como a impossibilidade de exercer uma profissão se não for associado ao grupo) ou ao oferecer outros serviços não-coletivos (ou seja, vantagens individuais), que as organizações garantem o engajamento ou contribuição de seus membros.

Outro dilema que acomete os sindicatos é a distinção entre grupos pequenos e grandes. Se os indivíduos estão preocupados com o próprio bem-estar, em grupos grandes eles não têm incentivos para assumir os custos para agir em prol do benefício coletivo. Por outro lado, ainda que os sindicatos geralmente sejam grupos grandes (com muitos membros), eles têm uma característica inclusiva. Ou seja, a entrada de novos membros não reduz os benefícios coletivos (em outros contextos, existe uma fração do ganho total que cada membro poderá obter) e, além disso, pode reduzir os custos para obtê-los.

O desafio de convencer os trabalhadores a se sindicalizar e contribuir voluntariamente, porém, permanece mesmo diante do fato de que a entrada de novos membros não reduz os benefícios coletivos e ainda por cima dilui os custos individuais. Afinal, esses são argumentos para que os sindicatos busquem atrair novos integrantes. Mas qual seria o argumento para influenciar na decisão individual do trabalhador em se sindicalizar? Questões sociais (laços de amizade, status, etc.) podem ser um fator de incentivo à participação ou contribuição, mas Olson demonstra ele funciona melhor em grupos pequenos.

Em um contexto de concorrência entre sindicatos, em uma lógica de livre mercado, sem monopólio de representação (o que dificulta o convencimento por coerção), os dirigentes precisam se esforçar para oferecer vantagens individuais, além das coletivas, aos trabalhadores que aceitarem se sindicalizar.

Muitos sindicatos brasileiros já fazem isso, por exemplo estabelecendo parcerias com planos de saúde, clubes e instituições de ensino para oferecer descontos aos associados, disponibilizando assessoria jurídica não apenas para ações coletivas, mas também para resolver questões trabalhistas individuais, ou realizando eventos sociais e de lazer. Mas ainda há muito a melhorar nesses serviços — seja em qualidade, seja em variedade.

O fim da unicidade sindical e a lógica do livre mercado é o melhor caminho (árduo, é verdade) para fortalecer os sindicatos. O retorno da contribuição obrigatória apenas aumentará o ranço dos trabalhadores com sindicatos que muitas vezes não os representam adequadamente.

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