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Haddad na economia
Fernando Haddad, cotado para assumir o Ministério da Fazenda, uma das pastas a ser desmembrada da Economia| Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Está tudo ainda no campo da especulação, um balão de ensaio para avaliar a repercussão no mercado, na imprensa, na elite política e em setores da militância, mas o nome de Fernando Haddad tem sido o mais citado nos últimos dias como o preferido de Lula para ocupar o Ministério da Fazenda no novo governo. O plano do presidente eleito é dividir o atual Ministério da Economia em dois, o da Fazenda e o do Planejamento. Mas o que significaria, exatamente, Haddad na Fazenda?

A escolha dele refletiria uma preferência de Lula por um ministro com perfil político na Fazenda e outro, com perfil mais técnico, no Planejamento, como ocorreu em seus primeiros governos. Mas será que Haddad na Fazenda faria o mesmo que Antonio Palocci no primeiro governo Lula, quando deu continuidade à política econômica ortodoxa herdada de Fernando Henrique Cardoso? Há motivos para pessimismo nesse sentido.

O sinal mais recente foi o discurso que Haddad fez em encontro da Febraban (Ferderação Brasileira de Bancos) na última sexta-feira, dia 25. O encontro era compreendido como um teste da aceitação do mercado em torno do nome do petista ou uma tentativa de desfazer resistências prévias ao seu nome.

Aparentemente, não deu certo para nenhum dos dois objetivos. Haddad não deu nenhuma pista de como o próximo governo vai se comportar na questão fiscal, considerando que o esforço atual é o de furar o teto de gastos para cumprir promessas de campanha. Ele limitou-se a criticar a regra do teto de gastos, a afirmar que o orçamento da União precisa ser reformulado e que a repetir que a reforma tributária é prioridade. Em resumo, fez um discurso genérico e nada disse que pudesse acalmar a preocupação de que o próximo governo venha a chutar a responsabilidade fiscal para a casa do chapéu.

Há um outra forma de tentar compreender como seria Haddad na Fazenda: analisar o que ele pensa sobre economia com base nos artigos que ele escreveu ao longo de quase dois anos no jornal Folha de S.Paulo. Economia está longe de ser o tema mais abordado pelo ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação nesses artigos. De um total de 88 textos, apenas 17 versam sobre temas econômicos.

Um deles, publicado em outubro de 2020, fala justamente sobre a Febraban — e de maneira nada lisonjeira. No artigo, Haddad ironiza uma fala do atual ministro da Economia, Paulo Guedes, que chamou a federação de "honrada casa de lobby", e critica o spread bancário, "que expolia empreendedores e consumidores". Haddad critica, também, o teto de gastos e diz que a regra favorece os interesses dos bancos. E ataca também a independência do Banco Central, dizendo que os bancos não queriam que o Estado tivesse controle sobre a política de juros e que agora, de certa forma, o BC é independente do governo mas não do mercado. Em outro texto, chega a citar Karl Marx para defender uma reforma bancária. São com certeza ideias e acusações que não agradam em nada aos banqueiros que receberam a visita exploratória de Haddad.

Falta nos artigos sobre economia de Haddad um entendimento minimamente sofisticado das questões pertinentes às políticas monetária, fiscal e cambial. As críticas à política econômica do governo Bolsonaro e a Guedes invariavelmente descambam para platitudes como a de embalar tudo como "política neoliberal".

Como demonstrou o historiador mexicano Mauricio Tenorio-Trillo, da Universidade de Chicago, "neoliberalismo" é um termo que "engloba tudo e nada ao mesmo tempo", um "conceito explanatório todo-poderoso, carregado com uma carga ética pesada e negativa por meio de uma bombástica falta de especificidade". Ou seja, é um conceito que foi tão abusado e banalizado que acabou perdendo sentido do ponto de vista acadêmico, quando usado para se referir a políticas econômicas e questões culturais. E é a esse tipo de retórica vazia que Haddad se apega quando critica qualquer política econômica que não seja a de governos petistas.

A crítica que Haddad faz à política econômica do governo Bolsonaro e a Paulo Guedes é quase sempre ancorada na questão do teto de gastos. Para Haddad, havia uma tentação de Bolsonaro em furar a regra fiscal, para ficar do lado do povo, ou de respeitar o teto, ficando do lado do mercado e do que defende seu ministro.

Romper o teto de gastos é quase uma obsessão de Haddad em seus artigos. Para ele, é incompatível respeitar a regra e garantir recursos para educação, saúde, etc, como se o problema fosse o controle de gastos em si, e não as prioridades que são estabelecidas.

Em relação à questão tributária, um dos poucos temas em que entra em pormenores, Haddad relaciona o aumento da carga de impostos ao crescimento da desigualdade e critica a recorrente defesa de Guedes pela criação de impostos indiretos e sobre operações financeiras, que oneram os pobres. Defende a criação de um imposto único dual (IVA nacional e estadual), mas também a taxação dos ricos, outra obsessão da esquerda que pouco acrescenta à arrecadação, mas tem, sob o seu ponto de vista, um valor "moral".

Como era de se esperar, também há artigos criticando as privatizações de estatais e a reforma trabalhista. A política nos governos do PT dos "campeões nacionais", que usou dinheiro dos brasileiros para financiar a internacionalização de empresas, em especial do setor de construção, por meio do BNDES, é defendida por Haddad. Ele acredita que essas estratégia será retomada. Nenhuma palavra sobre os escândalos de corrupção, nem quando afirma que a Operação Lava Jato "destruiu" empresas.

O texto dedicado à indústria nacional conclui, com desprezo, que não dispomos de uma "burguesia com projeto de nação". E quando, no começo do governo, os juros estavam baixos, Haddad criticava os juros baixos. Quando subiram, passou a criticar o juros altos. Tem também, é claro, um texto inteirinho para criticar a Reforma da Previdência, que segundo ele aumentará a desigualdade social.

Haddad na Fazenda, a julgar pelas ideias expressas nos artigos publicados por ele nos últimos anos, representaria a cristalização de velhas propostas heterodoxas do PT para a economia. Dificilmente adiantaria ter um liberal no Planejamento para fazer o contraponto.

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