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As eleições de Davi Alcolumbre para a presidência do Senado e de Hugo Motta para o comando da Câmara não surpreenderam ninguém e foram resultado da conjunção de três interesses distintos. Alcolumbre e Motta são integrantes do chamado Centrão, o conjunto de parlamentares que aderem ao governo de ocasião e que oscilam para o lado da oposição quando querem extrair concessões do Executivo.
O primeiro interesse é o do governo em garantir que o Centrão atue mais como situação do que como oposição, apoiando principalmente sua pauta econômica, considerada cada vez mais essencial para recuperar a popularidade do presidente Lula e para reforçar as chances de sua reeleição. São temas, por exemplo, como a ampliação da faixa de isenção no Imposto de Renda para 5.000 reais, cujo projeto deve ser apresentado em breve pelo governo ao Congresso Nacional. Um governo fraco tem sempre mais dificuldade em obter apoio no parlamento. Em um cenário assim, os deputados e senadores tendem a querer se distanciar do governo e de sua agenda. Não querem ser contaminados. Ainda mais em um Congresso em que o fisiologismo fala mais alto do que convicções políticas ou ideológicas.
O segundo interesse é o do próprio Centrão, ao qual Davi Alcolumbre, do União Brasil, e Hugo Motta, do Republicanos, pertencem. O que o Centrão quer é basicamente mais capacidade de irrigar seus redutos eleitorais com dinheiro público, que serve tanto para que eles possam reforçar seu poderio eleitoral e político quanto, em alguns casos, para encher os bolsos de aliados, de familiares ou de laranjas.
As eleições folgadas de Alcolumbre e Motta dão mais força para o Centrão exigir a retomada do controle sobre as emendas parlamentares, o principal mecanismo que permite aos deputados irrigar seus redutos eleitorais com recursos. Para isso, Alcolumbre e Motta vão pressionar o governo e enfrentar o Supremo Tribunal Federal (STF), que tem tomado decisões contrárias à farra das emendas. Também haverá o interesse do Centrão em ocupar cargos no gabinete de Lula em uma eventual reforma ministerial, mas isso é menos prioritário. O mais importante mesmo é o controle das emendas.
O terceiro interesse que contribuiu para a eleição folgada de Alcolumbre e Motta é o do ex-presidente Jair Bolsonaro e seu grupo político. Bolsonaro quer a todo custo recuperar o direito de disputar um cargo eletivo e se ver livre de eventuais punições ligadas aos indiciamentos por crimes diversos, entre os quais o de supostamente tramar um golpe de Estado. O caminho para isso, na visão de Bolsonaro, é aprovar no Congresso uma anistia aos condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023, em que ele também possa ser beneficiado.
Essa é a principal razão pela qual Bolsonaro orientou a oposição do seu espectro político a votar em Alcolumbre e Motta. É o que a vertente majoritária do campo bolsonarista vem classificando como "pragmatismo". Alcolumbre, novo presidente do Senado, diz não apoiar a anistia, mas se mostrou disposto a pelo menos discutir o assunto. Motta também. O novo presidente da Câmara disse que vai colocar o tema da anistia para discussão com os líderes da Câmara nos próximos dias. E isso, para Bolsonaro, já é meio caminho andado.
Bolsonaro usa muito a palavra “pacificação” para defender um projeto de anistia. É a ideia de que, sem isso, o país estará sempre irremediavelmente cindido em dois polos opostos que se odeiam. Pois Alcolumbre usou exatamente essa palavra em seu discurso de vitória no sábado. Ele disse que o Brasil “clama por pacificação”. E, em entrevista no próprio sábado, depois da sua eleição, afirmou que não pode se furtar de debater a anistia no Senado, pois uma parte dos parlamentares nas duas casas, segundo ele, demonstraram o interesse de discutir o assunto. Mas Alcolumbre também afirmou não acreditar que esse seja o caminho para a pacificação do país e fez declarações favoráveis a um entendimento com o governo, a uma relação de colaboração com Lula. Esse é o jogo dele. Acenar para os interesses dos dois lados que ajudaram o Centrão a consolidar o poder nas duas casas legislativas.





