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liderar a oposição
Jair Bolsonaro| Foto: Evaristo Sa/AFP

O ex-presidente Jair Bolsonaro garantiu em meados de fevereiro que este mês volta ao Brasil para liderar a oposição ao governo Lula. Bolsonaro, convém lembrar, foi para o exílio voluntário nos Estados Unidos um pouco antes do seu mandato terminar. E ainda não voltou, apesar de não ter, ainda, visto válido para permanecer naquele país. Não se sabe se cumprirá a promessa de retorno breve, mas isso pouco importa. Bolsonaro não tem condições de liderar a oposição a Lula.

"Liderar" pressupõe que Bolsonaro seja a principal figura de oposição, o político capaz de dar credibilidade e rumo às críticas a Lula, pautando os temas com maior potencial de explorar as vulnerabilidades do novo governo e preparando o terreno para a volta da direita ao poder. Há, porém, indícios de que Bolsonaro teria grande dificuldade para exercer esse papel.

O que Bolsonaro tem a oferecer em sua missão de liderar a oposição é, no máximo, a fidelidade de uma parcela numerosa, mas ainda assim minoritária do eleitorado.

Primeiro, porque ele tem se mantido na maior parte do tempo alheio aos principais temas de debate público desde que Lula assumiu a Presidência. A distância não o impede de estar presente nessas discussões, seja por meio das redes sociais, seja em declarações à imprensa. Mas ele pouco se manifestou e, quando o fez, foi de maneira tíbia e muitas vezes contraditória.

Na semana passada, por exemplo, ele criticou Lula por ter determinado a retomada gradual de impostos federais sobre a gasolina e o etanol. Chamou Lula de "gastador", o que não deixa de ser verdade. Mas a crítica é vazia pois a própria decisão de Bolsonaro, no ano passado, de zerar esses impostos foi temporária, motivada apenas por cálculo eleitoreiro, e não indicou cortes permanentes nos gastos do Estado para compensar a perda de arrecadação.

Todos sabem que o Centrão move-se ao sabor dos cargos que o governo de ocasião tem a oferecer no Executivo.

Bolsonaro também não é a melhor pessoa para apontar o dedo para a postura de rechaço do governo do PT em relação aos lucros da Petrobras e às tentações de interferência política na empresa. Afinal, em maio do ano passado, Bolsonaro também criticou os lucros da estatal ("não podemos ter uma empresa que tem um lucro acima de 30%, enquanto nas maiores petrolíferas do mundo o lucro é no máximo de 15%", disse ele) e evocou a necessidade de ela cumprir seu "fim social" ("espero que nós consigamos mexer com a Petrobras", afirmou), um argumento tipicamente de esquerda.

O segundo motivo pelo qual Bolsonaro não tem condições de liderar a oposição é a sombra dos atos de vandalismo de 8 de janeiro, em Brasília. O ex-presidente deu apoio tácito ao movimento de cunho golpista que culminou na invasão das sedes dos Três Poderes — principalmente depois da sua derrota eleitoral, quando silenciou sobre os apoiadores que passaram a acampar em frente a quartéis pedindo "socorro" às Forças Armadas, apenas se manifestando para dizer que estava tentando algo "dentro das quatro linhas da Constituição" para evitar a posse de Lula. Isso alimentou as esperanças dos bolsonaristas mais radicais de que a tal "intervenção federal" (leia-se "intervenção militar") estava a caminho.

Os atos de 8 de janeiro estão intrinsicamente ligados à imagem de Bolsonaro, às ocasiões em que ele afirmou que só terminaria o mandato "preso, morto ou com vitória" ou que só Deus o tiraria do cargo e à campanha de incitação ao ódio que promoveu contra o Supremo Tribunal Federal. É impossível desatrelar tudo isso e mais um pouco do clima de animosidade, de intolerância às instituições democráticas, que resultaram no vandalismo em Brasília — ainda que não se encontre uma participação direta do ex-presidente nos preparativos para aqueles atos.

E não adianta ele agora alegar que foi a esquerda que organizou os atos de 8 de janeiro. Já se tentou usar essa narrativa em relação às cenas de vandalismo do dia 12 de dezembro em Brasília, dia da diplomação de Lula. As evidências provaram o contrário. Essa mentira contada mil vezes poderá até parecer verdade para os mais incautos. Mas para efeitos históricos, jurídicos e políticos, não vai funcionar. Não dessa vez.

Os atos de 8 de janeiro estão intrinsicamente ligados à imagem de Bolsonaro, às ocasiões em que ele afirmou que só terminaria o mandato "preso, morto ou com vitória".

O terceiro motivo, derivado do segundo, é que Bolsonaro está encrencado na Justiça. Está sendo investigado no inquérito do STF sobre as invasões das sedes dos Três Poderes em Brasília (mas é pouco provável que seja preso por isso) e sofre processos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que podem levá-lo à inelegibilidade. Se isso ocorrer, ou seja, se ficar proibido de concorrer a um novo cargo eletivo nos próximos anos, Bolsonaro terá ainda menos força para liderar a oposição.

O quarto motivo para suas baixas condições de liderar a oposição a Lula é o crescimento de outros políticos de direita com potencial para disputar a Presidência em 2026 e que almejam herdar o espólio eleitoral do bolsonarismo. Esse é o caso dos governadores Romeu Zema (Novo-MG), Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e até de Eduardo Leite (PSDB-RS). Os dois primeiros apoiaram Bolsonaro na campanha passada, mas a história para 2026 é outra, a depender de como estiverem posicionados nas pesquisas mais para frente. Leite manteve-se neutro, mas não abandonou seu plano presidencial e tende a se colocar como contraponto ao petismo e a buscar votos mais à direita.

O quinto motivo é a fragilidade partidária do PL, a legenda que deu abrigo a Bolsonaro e vai até pagar salário para ele "liderar a oposição" a Lula. O partido tem a maior bancada no Congresso, mas está longe de ser uma agremiação coesa do ponto de vista ideológico e com afã de ser oposição. Muitos de seus integrantes podem ser mais adequadamente classificados como políticos do Centrão. E todos sabem que o Centrão move-se ao sabor dos cargos que o governo de ocasião tem a oferecer no Executivo. Vai ser difícil manter a unidade do PL nos próximos quatro anos.

O sexto motivo é que não param de emergir novos fatos envolvendo Bolsonaro em suspeitas de corrupção ou conduta antiética no exercício da presidência. A mais recente é a história da tentativa de por as mãos, de forma irregular, em joias milionárias dadas pela monarquia saudita à ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, mas que, por regra, pertencem ao Estado brasileiro.

O que Bolsonaro tem a oferecer em sua missão de liderar a oposição é, no máximo, a fidelidade de uma parcela numerosa, mas ainda assim minoritária do eleitorado de direita. Nada que outra liderança política com viés antipetista que venha a despontar não possa absorver.

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