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Lula com os presidentes da Câmara e do Senado: cada vez mais, o Poder Legislativo assume funções do Executivo| Foto: Ricardo Stuckert/PR

Depois de eleito, no ano passado, Lula aumentou o número de ministérios dos 23 que existiam no governo de Jair Bolsonaro para 37, com um duplo objetivo: primeiro, prestigiar áreas consideradas importantes para sua base política, como a Cultura e os Povos Indígenas; segundo, ampliar espaços de poder para distribuir aos partidos que, na esperança dele, apoiariam o seu governo nas votações no Congresso Nacional. Ironicamente, por muito pouco integrantes desses partidos não derrubaram essa mesma configuração ministerial que lhes permite ter participação no governo.

Para deixar o recado de que a coalizão do governo no parlamento não está nada firme, a aprovação da medida provisória da estrutura ministerial veio com um custo, que foi o esvaziamento das atribuições de algumas pastas, como a dos Povos Indígenas e a do Meio Ambiente.

Não é à toa que os cargos mais disputados pelos partidos na Esplanada dos Ministérios são aqueles que lidam com a ordenação de despesa e com contratos governamentais.

E por que a base no Congresso não está firme? Porque para os partidos fisiológicos, aqueles que aderem ao governo não por afinidade ideológica ou por compartilhar de um projeto comum de país, mas por almejar nacos do Poder Executivo, apenas ter alguns de seus correligionários no comando de ministérios não basta. É preciso preencher a máquina pública com apadrinhados também no segundo, no terceiro escalão e daí para baixo na hierarquia. E também é vital ter mais influência na destinação dos recursos dos ministérios.

Claro que esse esquema não é de hoje. Há décadas o presidencialismo de coalizão, fruto do nosso sistema partidário fragmentado, cobra seu preço para a governabilidade e para a ética na política. Isso porque a aliança partidária mais organicamente ligada ao presidente nunca alcança a maioria necessária para aprovar as leis e torna-se necessário lotear o governo com outros partidos, o "centrão", que funcionam como o fiel da balança nas votações.

Há décadas o presidencialismo de coalizão, fruto do nosso sistema partidário fragmentado, cobra seu preço para a governabilidade e para a ética na política.

A situação se agravou ao longo da presidência de Jair Bolsonaro, que prometeu romper com a "velha política", mas acabou se rendendo a ela, entregando não apenas os anéis e os dedos, mas o braço inteiro. O Legislativo alcançou no governo Bolsonaro um inédito grau de poder, principalmente por aumentar a sua ingerência na destinação de recursos dos ministérios por meio das emendas de relator — o chamado "orçamento secreto".

Julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) acabou com o caráter impositivo que as emendas de relator, que são distribuídas por critério político e sem transparência, vinham adquirindo e devolveu o poder de decisão sobre esses recursos aos ministérios. Mas os comandos da Câmara e do Senado não desistiram de exercer influência sobre a destinação do dinheiro.

Os partidos do centrão fisiológico também não desistiram de pleitear o controle de dois dos ministérios mais cobiçados, o da Saúde e o da Educação. Cobiçados por serem áreas tão importantes para os brasileiros? Que nada. Cobiçados por terem os maiores orçamentos e pela relevância que eles têm nas relações com as prefeituras, que fazem a ponte com as bases que vão reeleger os deputados e senadores. Ou seja, são ministérios que proporcionam oportunidades financeiras e eleitorais.

Outra reclamação dos parlamentares da base instável do governo no Congresso é que têm enfrentado resistência para fazer indicações a cargos de confiança nos escalões mais baixos dos ministérios e, ainda mais importante, nas empresas estatais. É dessa lama formada por emendas e cargos comissionados que sairão os primeiros grandes escândalos de corrupção do terceiro mandato de Lula.

Na realidade, "articulação política" é muito mais um eufemismo para "loteamento de cargos e verbas".

Já tivemos uma amostra do potencial desse sistema no governo anterior, de Bolsonaro, quando foi gestado o esquema, agora investigado pela Polícia Federal, envolvendo aliados políticos de Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados. Refiro-me, claro, aos fortes indícios de desvio de dinheiro público com a compra de kits de robótica para redutos eleitorais de Lira e seus aliados em Alagoas, pagos com emendas de relator direcionadas por Lira. O prejuízo aos cofres públicos seria de 4,2 milhões de reais.

Lira e outros membros do centrão vêm criticando o governo por "falhas na articulação política". A expressão dá a ideia de que o problema seria de ordem programática, ou seja, de uma ausência de discussões sobre o mérito, sobre a efetividade ou não de determinadas políticas públicas, e de uma busca de consenso. Enfim, o jogo político normal na relação do Congresso. Mas, na realidade, "articulação política" é muito mais um eufemismo para "loteamento de cargos e verbas".

Não é à toa que os cargos mais disputados pelos partidos na Esplanada dos Ministérios são aqueles que lidam com a ordenação de despesa e com contratos governamentais. É ali que estão as maiores oportunidades de desvios de recursos, de superfaturamento e de favorecimento de empresas que depois darão sua contrapartida na forma de caixa 2 e outros crimes. Mais cobiçadas ainda são as indicações políticas em empresas estatais, menos suscetíveis ao escrutínio público e à vigilância da imprensa.

E que fique claro: há uma grande probabilidade de que os escândalos, quando surgirem, envolvam não apenas indicados de políticos de partidos que apoiam ou que negociam apoiar o governo, como União Brasil, MDB, Podemos, PP, Republicanos, mas também nomes de confiança do PT — que igualmente pressionam por mais cargos, com motivações nada republicanas semelhantes.

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