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10% do PIB não é só alegria
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Crença no poder do dinheiro aplicado à educação esmorece diante das evidências de que a qualidade não se compra

Aiaiaiai – educadores desse Brasil grande de meu Deus passaram a vida pedindo mais dinheiro para a educação, em meio a um rosário de lágrimas e placas de protesto em praça pública. Sim, era o que se devia exigir ao olhar a infame folha de pagamento no final do mês, a sala de aula em petição de miséria, os odiosos esquemas de corrupção, sangrando o país, vitimizando as escolas, que sempre soam como as maiores injustiçadas em todo e qualquer surrupio de verba.

E eis que de repente o Senado pode aprovar a proposta de repassar 10% do PIB nacional para a educação e a notícia nos deixa acabrunhados, em dúvida sobre aceitar ou não parte no bolão da loteria. Hamlet sofreria menos, pois nós, personagens da vida real, já estamos assolados pela culpa: o Japão gasta 3,3%; a Alemanha, 4%; o Canadá, 4,6%. E a dívida pelos anos de penúria? Dúvida cruel.

A convicção de que o problema era o dinheiro está abalada, porque nos demos conta que o problema é maior – reside na nossa capacidade de ensinar a ler, calcular, pesquisar. Se antes se repetia à exaustão faltar verba, agora se martela dia e noite que não temos um ensino que chegue nos finalmente, como dizia o filósofo Odorico Paraguassu. Nas entrelinhas, uma mensagem: e competência não se compra, conquista-se.

Para quem se pergunta “o que se há de fazer?” a resposta só pode ser uma – reaprender a ensinar. Não será a primeira vez que o Brasil passa por um arrastão semelhante. Na década de 1980, por exemplo, o arrastão em torno da chamada “histórico crítica” mexeu com a rotina das salas de aula. Mudou até a conversa nos cafezinhos das escolas. Reafirmou-se a fé na escrita, na palavra, na possibilidade de trabalhar junto. Saímos melhores, bem melhores, de toda a angústia sobre a melhor maneira de trabalhar conteúdos.
Esse momento de malhação do Judas em torno da nossa qualidade de ensino pode ser tão rico quanto. Embora tenda a ser mais doloroso. Explico. O discurso inflamado da meritocracia e a mentalidade empresarial aplicada à educação, à revelia de todos os ganhos dessa mentalidade, esfriaram um bocado o discurso pedagógico, por se apresentarem como solução, panaceia. Resultado: ao bater demais na tecla da eficiência, inibiu-se o debate. Curiosamente, são discursos não só autoritários, mas também centrados no capital.

É preciso dinheiro para tanta parafernália educacional. E topete para rebater, batendo o pé, lembrando que a resposta não está na sala de computadores, na sala de vídeo, no equipamento de som, embora tudo isso seja muito bem-vindo. O que precisamos é de um clima favorável para educar, equipe, avaliações mais bem-feitas – até onde se sabe, esses e outros valores não dá para mandar buscar. São galgados com tempo, a mais cara das matérias-primas…
O novo fundamentalismo – esse que faz sua profissão de fé nos resultados – contudo chamará isso tudo de balela. Rotulará de tergiversação pedagógica. De vício acadêmico e o escambau, desacreditando a capacidade de dialogar como princípio de qualquer mudança.

São mundos em conflito – se a dinheiro que vier a mais servir para comprar mais apetrechos, para gerar mais resultados, estaremos mal. Se permitir mais intercâmbio, troca de experiência, pesquisa, levando mais e melhores professores a darem seu tempo à educação, podemos estar no bom caminho. Em miúdos, que os 7% ou 10% não venham por decreto, mas acompanhados da palavra de quem educa todo dia. Complicado? Quem disse que seria fácil.

>> José Carlos Fernandes é jornalista, doutor em Literatura Brasileira, professor nos cursos de Jornalismo da PUCPR e UFPR.

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