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Valterci Santos/ Gazeta do Povo

Valterci Santos/ Gazeta do Povo

Em geral, nas datas comemorativas costuma-se discutir diversos temas a que elas se referem. Apesar de essa semana ter o “dia do professor”, talvez seja interessante retomar o “dia das crianças”, pois muito se falou sobre as crianças, suas rotinas de vida e seus objetos de desejos mas pouco se problematizou sobre nossa presença em suas brincadeiras.

Mesmo transcendendo as fronteiras de faixa etária, gênero, classe e etnia, alguns discursos da mídia, da publicidade e de especialistas se reportavam a uma imagem de criança que não é difícil reconhecer. Ao mesmo tempo em que diziam com diferentes palavras que as crianças não brincam mais como antigamente, que nossos gostos estão ultrapassados e que elas não respeitam mais os adultos, grande parte das imagens se reportava a crianças adultizadas. Por mais paradoxal que possa ser, certos apelos para festejar o dia das crianças sugeria tudo, menos ser criança.

Mas e o que é ser criança hoje? Pensar a criança em seu tempo implica pensar também nas mudanças da sociedade e do lugar que elas ocupam nos diferentes espaços de vida contemporânea, destinados ou não para elas. Entre o que permanece e o que muda, por vezes observamos uma inversão completa de valores e de papéis: crianças adultizadas e adultos infantilizados.

Nesse quadro, alguns falam em “desaparecimento” de certas práticas culturais típicas de crianças ao mesmo tempo em que outros destacam a importância de reconhecer o que é específico da infância em diferentes condições e culturas – seu poder de imaginação, fantasia, criação. E mais, enfatizam a importância de considerar a criança em seus direitos sociais de proteção, provisão e participação para além de consumidoras, que significa entendê-las como um ser que produz cultura e nela é produzida, que brinca, que transforma o real e que cria possíveis.

Esse modo de ver as crianças nos ajuda não apenas a compreendê-las melhor, mas a ver o mundo a partir da novidade presente em seus olhos, seus estranhamentos e espantos diante das coisas aparentemente mais banais. E como assegurar esse olhar da novidade do mundo quando a banalidade da violência nas mais diversas formas e o abandono de certos valores ameaçam um desenvolvimento saudável? É possível “proteger” as crianças do mundo que nós mesmos estamos produzindo?

Para o estudioso da infância, Francesco Tonucci, que escreveu o livro La città dei bambini, ainda não traduzido em nosso país, precisamos nos perguntar: “A nossa decisão trará benefício para essa segunda geração?”. Para ele, quando não assumimos plenamente o papel que nos cabe na educação das crianças, estamos transgredindo os valores de nossa espécie, pois somos uma geração que não está se preocupando com a herança a ser deixada para nossas crianças. E o fato de uma geração não se preocupar com o que virá depois dela e nem com o mundo que está deixando como herança, ele chama de Crise.

Evidentemente que essa Crise é um dos aspectos que nos interpela frente ao papel de educar crianças hoje, e tal educação também passa pelo brincar com elas. Brincar que também pode ser uma forma de aproximação ao mundo de nossas infâncias, da criança que fomos e da criança que hoje educamos. Nesse sentido, um belo presente que pode ser dado sem necessidade de data comemorativa pode ser dedicar parte de nosso precioso tempo a estar junto delas, a brincar com elas daquilo que brincávamos quando crianças, sem saudosismo do tipo “naquele tempo era melhor que hoje”, mas como memória e história. Afinal, ninguém ama o que não conhece.

Mesmo modificando, lobisomens, bruxas, príncipes e princesas, castelos e histórias mais assustadoras e encantadoras ainda fazem parte do imaginário infantil, assim como o fazem os personagens da literatura, dos filmes, desenhos animados, programas de televisão, videgames e tantos heróis, anti-heróis, “mocinhos e bandidos” do bem e do mal que diariamente permeiam o cotidiano infantil entre realidade e ficção. Sabemos que as brincadeiras se modificam, mas a criança pode “corrigir certos brinquedos” quando não vê muita graça, quando eles só pedem para olhar e não para brincar.

Assim, podemos trazer um pouco da magia e da simplicidade de brinquedos e brincadeiras eternas que continuam a falar com as crianças: carrinho, boneca, bola, pipa, bolinhas de gude, bolinhas de sabão, amarelinha, 5 marias, rolimã, ioiô, boca-de-forno, esconde-esconde,  cabra-cega, estátua, pular sela, passa-anel e tantas outros que nos encantavam. Obviamente muitas crianças vão dizer que não gostam, não conhecem ou que não tem a menor graça… Afinal as brincadeiras de hoje são passaportes para seu tempo presente. E como atravessar esse portal ?

E aí surge outro desafio: ao recuperar um pouco de nossa memória e fantasia sem nostalgia de um tempo que não volta mais, porque não se perguntar do que as crianças brincam hoje? Com quem brincam? Quando brincam? Aonde brincam? Certamente tais questões podem nos levar a pensar noutras possibilidades e travessias entre  brincadeiras tradicionais e contemporâneas, argila e metal, madeira e plástico, artesanal, eletrônico e digital, antigo e atual. Encontros que talvez provoquem outros movimentos e que possam trazer de volta a nossa responsabilidade diante desse mundo que estamos ajudando a construir junto com as crianças.

>> Monica Fantin é Doutora em Educação, Professora do Curso de Pedagogia da UFSC e do Programa de Pós-Graduação em Educação, Linha de Pesquisa Educação e Comunicação, PPGE/UFSC. Confira o blog dela aqui.

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