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O "famigerado" Power Point
O "famigerado" Power Point| Foto:
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O “famigerado” PowerPoint

Lembro de, anos atrás, ler uma chamada de matéria, na revista Superinteressante, na qual dizia “Maldito PowerPoint”. Fiquei doido para ler, mas não rolou. Sabe aquela pilha de jornais e revistas? Pois é difícil professor que não as tenha, provas incontestes – cheias de poeira – de nossas melhores intenções em ler o mundo e o fundo.

Mas ocorreu algo engraçado. Não li o texto, como disse, mas fiquei imaginando o que dizia. Saiu-me melhor do que a encomenda, pois criei uma reportagem fictícia, fonte de minhas delícias e tormentas. Explico.

Já perdi a conta das críticas que ouvi ao PowerPoint. E não apenas críticas vindas de educadores. Certa feita, durante uma série de reportagens para a eleição municipal, um grupo de líderes comunitários criticou a prefeitura dizendo que os gestores iam à favela, sim, fazer apresentação de slides. Queriam dizer com isso que não eram ouvidos. Que eram tratados como alunos, e não como agentes.

Não sei se a Superinteressante tratava disso – da escolarização e infantilização sumária promovida por um programa. Mas tudo bem. Ficou sendo. Infantilizar, eis o perigo.

Uso o querido Power em todas as aulas que dou. Sem eles fico inseguro. Se o datashow estraga, céus. Nos tempos em que não havia projetor para todos, cheguei a planejar comprar um só para mim. Nem o primeiro carro me causou tanta comichão quanto a ideia de ter uma máquina dessas para chamar de minha.

Ao mesmo tempo, máquina e programa me causam irritação e desconforto. Mereço um TDH, a lápis, na lista de chamada. Trata-se de uma aula pronta, que já dei, à qual recorro em momentos de desespero e preguiça. Talvez a reportagem sobre o PowerPoint tratasse do comodismo provocado em empresas, escolas e órgãos públicos pela facilidade de recorrer a slides prontos. As informações estão prontas, garantia de que aquele que fala não vai passar carão na frente daqueles que ouvem. Confessor: já pensei em jogar tudo fora e começar sempre do zero. Mas quem pode?

Outro sentimento ambíguo é o de admiração. Quando sou eu a estar sentado, ouvindo uma palestra e quetal, fico encantado com um PowerPoint bem preparado. Meu preferido é aquele em que o professor ou palestrante vai digitando e as palavras e frases vão surgindo da direita e da esquerda, de cima e de baixo, feito máquina. Não tenho habilidade para tanto. Alguém conhece um curso de PowerPoint?

Por fim, tem o momento da postagem da aula dada, no grupo de email, quase que uma lei magna hoje nas universidades. Dá gosto de missão cumprida, por um profissional antenado com as novas tecnologias, que divide o conhecimento com os alunos e blablablá. Mas oras, o texto do Power – 200 caracteres no máximo por slide, dizem os especialistas – funciona se lido em casa, sem a presença do narrador? Pois duvido e faço ó. Talvez a Superinteressante tratasse disso, mas não há como saber. Melhor, não quero saber. Não façam a gentileza de mandar o link, caso tenham, pois essa ignorância tem me feito muito bem.

Enquanto houver relação de amor e ódio com esse “troço” continuará a existir uma chance mínima de educação saída do forno. Me questiono, às vezes melhoro. Além do mais, tem uma coisa que não contei. Todos os anos, quando os orientandos apresentam seus projetos de conclusão de curso, não abro mão de preparar os slides com eles. Vejo que estranham minha insistência, mas pouco importa. Ficam lindos. São novíssimos. Verdadeiros, pois nasceram de um projeto de fôlego. Vale colocar música, foto, arte. Até onde percebo, a plateia adora. Vira uma liturgia.

Os malditos PowerPoints viram benditos, eis o segredo.

>> José Carlos Fernandes é jornalista na Gazeta do Povo e professor no curso de Jornalismo da UFPR e de pós-graduação na Universidade Positivo.

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