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Não nascemos solidários
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Há uma série de valores morais que supomos ser natural nas pessoas. Um deles é a solidariedade, pois como bons herdeiros do iluminismo, seguimos a máxima rousseauniana que pensa o homem como um ser naturalmente bom. Nesse ponto, Jean Piaget e a psicanálise apresentam reflexões mais consistentes com a formação moral das crianças. Tanto para Piaget quanto para Freud, as crianças nascem amorais, ou seja, não têm representação alguma sobre o mundo moral. Assim, a sociedade na qual vivem precisa apresentar tal mundo a elas.

Isso não quer dizer que nasçam más ou violentas, mas que possuem um egocentrismo notadamente marcado – a própria criança é a medida de todas as coisas –, que pode resultar num egoísmo e individualismo muito grande se não for lapidado. O que move a criança é a busca pelo prazer, e não o mundo moral. Com muito esforço, ela precisará aprender que necessitamos renunciar muitas coisas em nome da civilização, das regras, dos princípios morais, princípios estes que muitas vezes vão radicalmente contra a busca pelo prazer imediato. Viver em sociedade implica renunciar, compartilhar, considerar o outro, suspender atos que se aproximam do instintivo.

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O pensador francês Émile Durkheim apontou a solidariedade como o motor da coesão social. Ao se perguntar sobre como as sociedades permanecem ao longo do tempo, a resposta encontrada por ele foi: a solidariedade! Sociedades solidárias têm menores índices de criminalidade e de suicídios, pois nelas as pessoas estabelecem relações de interdependência, desenvolvem laços nos quais todos se sentem parte da comunidade, incluídos.
Bem, se esse é o caso, e pelo peso que tal autor tem no pensamento ocidental, devemos sim nos preocupar em ensinar as crianças a serem solidárias umas com as outras e com as pessoas com as quais convivem.
Pensando nessas questões, o Instituto de Educação para a Não Violência desenvolveu um programa para crianças cujo objetivo era fazer as crianças pensarem sobre o mundo moral, construir empatia e desenvolver a solidariedade. Tal programa chama-se “Fábrica da Paz” e já foi aplicado em várias escolas de Curitiba. Os resultados obtidos são surpreendentes. A aplicação do programa nos fez comprovar de forma empírica o que Freud e Piaget já haviam postulado: o mundo moral não é natural, precisa ser aprendido.

Pudemos constatar que por volta dos 8 ou 9 anos, uma criança tem ainda pouquíssima noção de solidariedade e capacidade de se colocar no lugar do outro. Perguntamos por exemplo o que elas fariam se o seu melhor amigo da escola ficasse doente e não pudesse ir naquele dia.
Impressionantemente, de forma praticamente unânime, elas respondem que brincariam sozinhas ou que encontrariam outro amiguinho para brincar. Sem estimulá-los a se colocarem no lugar do outro elas não respondem coisas como: avisariam a professora, copiariam a lição de casa para ele, ligariam para ver se está tudo bem, etc. Ao final do programa, que dura quase um ano, o número de respostas que indicam comportamentos solidários sobem exponencialmente, pois essas crianças são colocadas em diversas situações que precisam pensar e agir solidariamente.

Uma outra questão é a importância do exemplo: crianças não se tornam solidárias por causa de bonitos discursos morais. Elas aprendem a ser menos egocêntricas quando têm por pertos adultos coerentes, consistentes, que compreendem o mundo moral e vivem sob suas leis. Assim desenvolvem aquilo que Piaget denominou autonomia moral. O indivíduo moralmente autônomo é aquele que de fato compreende princípios e regras morais e que por compreender sua importância, as segue, mas não as segue cegamente. O ser moral piagetiano é também capaz de questionar e criticar a realidade em que está inserido, seu norte é a justiça e não a regra pela regra.

Cabe aqui uma questão: que mundo queremos deixar para nossas crianças? Precisamos praticar esse mundo hoje!!!!

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>> Joyce Kelly Pescarolo possui graduação em Psicologia, especialização em Sociologia Política e mestrado em Sociologia (UFPR) e é psicóloga educacional da Associação Projeto Não Violência. Tem experiência na área de Psicologia e Sociologia, com ênfase em Psicologia Institucional e Escolar, atuando principalmente nos seguintes temas: morte, violência, educação, segurança pública e direitos humanos.

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