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(Foto: Walter Alves/ Gazeta do Povo.)

(Foto: Walter Alves/ Gazeta do Povo.)

Trabalho no setor da economia criativa e desenvolvo projetos culturais voltados para o universo educacional. Faço parte de um grupo multisetorial de empresários, um ambiente excelente para troca de informações. Apesar de reunir profissionais de diversos segmentos, a maioria dos assuntos tratados é de interesse comum a todos os participantes. Surgem discussões sobre oportunidades de mercado, gestão, indicação de fornecedores e funcionários, leis, impostos. Naturalmente, com a atual situação, a política é tema frequente. Recentemente surgiu um debate sobre o governo interino e as reformulações de ministérios, quando então fui questionado sobre o vai e vem do Ministério da Cultura (MinC).

Minha primeira colocação foi a de que seria um retrocesso em diversos aspectos torná-lo secretaria e que poderia aprofundar o assunto com mais tempo. Por se tratar de um grupo muito qualificado, diversas opiniões embasadas surgiram e com muitas delas eu estava concordando. Questões como redução de gastos, geração de empregos, aquecimento do mercado compunham a discussão, até que entramos especificamente na questão da importância do MinC. Foi quando surgiu o texto de uma autora declarando que, enquanto o povo estava mal e desempregado com a crise, a classe artística fazia escândalo para ter status de Ministério. Ela também apresentava números comparativos e a ideia de que a produção cultural prejudicava a economia nacional, evidenciando desconhecimento sobre o setor. Neste momento, tive que tomar a palavra novamente, afinal, eu era o único do grupo que atua com educação e cultura.

Comentei que a visão negativa sobre o MinC que correu as redes sociais nos últimos meses deturpa a sua real função. Se há problemas na execução de algumas atividades, será que isso é culpa do MinC como um todo? Será problema da gestão atual ou será também um reflexo das gestões anteriores, que implementaram parte significativa dos procedimentos e das políticas que até hoje são usuais? É o mesmo que culpar os carros pelas mortes no trânsito, como se não tivesse alguém por trás do volante.

Cultura não é só produção de show e não é só Lei Rouanet, que virou o foco de diversas críticas. Cultura não é só incentivo beneficiando artistas globais, cantores consolidados ou artistas ligados ao partido A, B e C. Cultura são as Artes em geral, o folclore, os museus, o patrimônio histórico, arqueológico, artístico e cultural do país. Cultura é audiovisual, teatro, circo, música, dança, literatura. Cultura é a representação dos grupos étnicos e minorias do país. Cultura é indústria criativa, arquitetura, design, moda, comunicação, games, aplicativos. Cultura são pesquisadores, animadores, autores, ilustradores, cinegrafistas. Cultura é acesso ao conhecimento, é preservação do passado e criação do futuro.

As críticas irresponsáveis feitas à Lei Rouanet não levam em consideração os mecanismos por ela criados. Falhas existem, afinal é uma Lei de 1991 que precisa ser modernizada. Aliás, este mecanismo é contestado em vários pontos pelos próprios agentes culturais que se beneficiam do recurso. Vale ressaltar que está no Senado para aprovação o Procultura que, entre as várias mudanças propostas, atualiza as diretrizes, limita e democratiza o acesso aos recursos. Então, para quem quer o fim da Lei Rouanet e faz abaixo assinado, mal informado está, já que o próprio MinC está providenciando isso.

Na Parabolé, empresa que dirijo, temos um projeto viabilizado com recursos da Lei de Incentivo à Cultura, que se chama Tempo de Temperar Arte (TETEAR) e atende 400 crianças em Campo Largo-PR com oficinas semanais gratuitas no contraturno das escolas. Para a maioria dessas crianças, o projeto é a única oportunidade de vivência continuada das linguagens artísticas. O TETEAR começou há cinco anos e já beneficiou mais de 2.000 crianças em situação de vulnerabilidade social. Esse é o nosso projeto, mas como ele, existem milhares de iniciativas culturais sérias e de relevância que dependem dos incentivos para se tornarem viáveis e que estão bem longe da mídia ou do olhar do público questionador.

Os temas debatidos durante a reunião do grupo de empresários tinha de fato muita relevância. As reduções de gastos são necessárias em tempos de crise, mas reduzir a representatividade do MinC não resolve o problema. Pelo contrário, pode piorá-lo. A economia criativa movimenta uma grande cadeia de recursos, empresas e pessoas que vivem disto, aquecendo o mercado. Qual a razão de se olhar para o setor industrial para se referir a desemprego e desenvolvimento, e se olhar para o setor cultural apenas para falar de recurso público direcionado? Direcionamento ou redução de imposto de qualquer natureza é recurso público favorecendo um setor. Se for redução de IPI na produção de carros ou eletros tudo bem, mas se for direcionamento de parte do IR para um trabalho cultural, aí não pode? O incentivo beneficia muito mais do que o artista individualmente. O mercado cultural é amplo e diversificado, além de retornar muito recurso para a economia.

Segundo dados do Sistema FIRJAN, a indústria criativa brasileira gerou em 2013 um Produto Interno Bruto de R$ 126 bilhões, o equivalente a 2,6% do total produzido no país. De 2004 a 2013 o segmento registrou um salto de 148 mil empresas para mais de 250 mil. O mercado formal de trabalho apresentou um crescimento de 90%, muito acima do avanço de 56% do mercado de trabalho brasileiro no mesmo período, uma crescente em números absolutos e relativos. Estes dados ainda não levam em consideração o desenvolvimento de games, que está também no guarda-chuva da cultura, um mercado bilionário que nos EUA o orçamento já superou o do cinema e do qual o Brasil é o quarto maior mercado do mundo.

A defesa de um ponto de vista é uma atitude que pode ser sempre saudável. Mas o discurso de ódio e as visões estritamente parciais empobrecem as reflexões e obscurecem a visão sobre a realidade. Sou completamente a favor de reformas, transformações e melhorias constantes. Sou a favor da troca de informações, do diálogo e do pensar diferente. Eu não tenho a cultura como uma pedra fundamental por trabalhar nesta área, eu trabalho nesta área por considerar a cultura uma pedra fundamental.

Um texto esclarecedor sobre a Lei Rouanet: http://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2016/05/19/nem-satanica-nem-comunista-8-fatos-sobre-a-lei-rouanet.htm

Para saber mais sobre o Procultura: http://www.cultura.gov.br/procultura

Para saber mais sobre o TETEAR: http://parabole.com.br/Projetos-em-execucao/tetear2.html

*Artigo escrito por Rafael Galvão, publicitário, especialista em Gestão de Negócios e sócio-diretor da Parabolé Educação e Cultura, que desenvolve projetos culturais de interesse social e educacional. O profissional colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no Blog Educação & Mídia.

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