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A coluna Entrelinhas fez uma entrevista exclusiva com o vice-prefeito de São Paulo, Coronel Mello Araújo, que detalha os bastidores e as ações que levaram ao esvaziamento da Cracolândia. Coronel aposentado da Polícia Militar e ex-comandante da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), Ricardo Augusto de Mello Araújo (PL-SP) é aliado de Jair Bolsonaro e forma a chapa MDB-PL da prefeitura de São Paulo com Ricardo Nunes (MDB-SP). A conversa aborda desde o alinhamento entre os governos municipal e estadual, o papel das secretarias envolvidas, até as resistências enfrentadas, especialmente no âmbito federal, sob Lula. O vice-prefeito também comenta o impacto das políticas públicas implementadas, a atuação das forças de segurança e sua expectativa quanto ao cenário político nacional, considerando possível a elegibilidade de Bolsonaro em 2026.
Entrelinhas: Coronel, qual foi a estratégia usada pela atual prefeitura para acabar com a Cracolândia? Por que as gestões anteriores não conseguiram?
Cel. Araújo: É importante lembrar que nós tivemos gestões aqui na prefeitura de São Paulo no passado que, na verdade, incentivavam a Cracolândia. Eu posso falar porque eu trabalhava no policiamento na época em que estava Fernando Haddad estava aqui na cidade. E a política adotada pela prefeitura foi de um incentivo: nós tínhamos a famosa Bolsa Crack, em que os dependentes químicos utilizavam todo o dinheiro que recebiam e gastavam com droga. Na verdade, o cartão já ficava com os traficantes. Então, políticas erradas e escolhas erradas levam a resultados errados.
Entrelinhas: A boa relação entre prefeitura e governo de São Paulo ajudou desta vez?
Cel. Araújo: Quando eu estava na polícia, a gente tinha governo de estado pensando de um jeito e prefeitura pensando de outro jeito. E quem sofria muito eram as forças de segurança. Vocês podem perceber que nós estamos alinhados. Nós temos aí um governo do estado, governo Tarcísio, alinhado com a prefeitura de São Paulo, que é do Ricardo Nunes. Quando nós temos estado e prefeitura alinhados, as coisas começam a dar resultados positivos. Várias políticas públicas foram feitas para que a gente chegasse ao resultado que nós estamos chegando.
Entrelinhas: Quais ações foram essenciais nesse processo?
Cel. Araújo: Desde janeiro, a pedido do prefeito Ricardo, eu comecei a estar na Cracolândia todos os dias. Entendendo, conversando com os dependentes, com a assistência social, com os médicos, com os equipamentos da saúde para entender como funciona.
Conversei com os familiares dos dependentes - muitas vezes a mãe ia lá para tentar tirar o filho daquele lugar. Eu conversava para entender por que não estava funcionando, o que podia ser feito.
Começamos a avaliar onde os dependentes estavam sendo internados. Entramos em contato com os profissionais de saúde e ouvimos também as reclamações dos dependentes.
Envolvimento de secretarias no esvaziamento da Cracolândia
Entrelinhas: Muitas secretarias foram envolvidas?
Cel. Araújo: Unimos as áreas de saúde, assistência social, segurança, desenvolvimento e trabalho, limpeza, subprefeituras com zeladoria, direitos humanos. São várias secretarias envolvidas.
Eu comecei a perceber que quando o dependente internado chega a uma certa fase do tratamento, ele começa a sonhar em ter sua vida de volta. E, para isso, não basta deixar de usar a droga. Ele só vai ser respeitado quando estiver trabalhando.
Então, levamos a Secretaria de Trabalho para dentro dos equipamentos de saúde, para esse dependente começar a sonhar com um futuro emprego. Isso ajuda a diminuir as recaídas. É importante pensar na porta de entrada, mas também na de saída.
Entrelinhas: Como se deu o esvaziamento da Cracolândia, na prática? Os próprios dependentes se dispuseram a sair da região?
Cel. Araújo: Indo lá diariamente, eu comecei a perceber a diminuição dos dependentes. Muitos sendo encaminhados para tratamento. Saúde e assistência social, por convencimento, atuando com excelência.
Na sexta anterior ao esvaziamento, fizemos uma reunião com o vice-governador e secretários do estado e município. Estávamos com 58 pessoas que ficavam 24 horas na Rua dos Protestantes — o menor número já registrado.
À noite, ainda tínhamos 500, 600 pessoas. Levantei esta bandeira: por que à noite estava indo tanta gente? Porque havia pessoas com residência fixa, que iam usar droga lá à noite.
Precisávamos jogar um tempero diferente. Decidimos usar cães farejadores. Fizemos uma grande operação no sábado e no domingo.
Resultado? No fim de semana, a Cracolândia estava vazia. Segunda-feira, sem droga, 60 dependentes químicos estavam na porta do equipamento de saúde pedindo para se internar.
Entrelinhas: Como vocês atenderam a essa demanda inesperada em diversos setores?
Cel. Araújo: Conversei com o vice-governador, com o secretário municipal de saúde. Precisávamos montar um mutirão e facilitar a internação.
Na segunda, foram 60 de manhã, 90 até o final do dia. Terça-feira, mais uma leva. Não tenho o número exato, mas foram muitos.
Hoje, dependentes estão procurando internação. Entramos numa nova fase da operação. Assim que junta um grupo pequeno, a segurança aborda. Se são usuários, acionam saúde e assistência social.
Essa comunicação está muito rápida. Se for criminoso, prende. Se for usuário, a saúde atua. Por convencimento, e com muito mais facilidade, estamos internando essas pessoas.
Estabelecimentos fechados e resistência à desocupação
Entrelinhas: Houve ações contra estabelecimentos ligados ao tráfico?
Cel. Araújo: Sim. Foi um trabalho que envolveu também fechar estabelecimentos ligados ao tráfico de drogas. Hotéis usados para drogas, lojas que vendiam produtos relacionados à droga. Muitas lojas foram fechadas.
Bares abertos em frente ao equipamento de saúde foram fechados. E culminou também com a questão da favela do Moinho.
Entrelinhas: Sobre a favela do Moinho, houve resistência à desocupação?
Cel. Araújo: O governo Tarcísio foi muito valente. Tínhamos conhecimento dos problemas da favela. Eu, quando trabalhava com a Rota, fiz várias operações lá para combater o tráfico.
Ali era um local com uma pequena parcela dos moradores que mandava na comunidade pelo medo. As pessoas viviam em locais inóspitos, inseguros. O governo do estado encarou isso de frente, em parceria com a prefeitura.
Foi oferecido auxílio para aluguel — metade pago pela prefeitura, metade pelo governo — para levá-los a um local adequado. A prefeitura entrou forte. Havia 38 estabelecimentos comerciais lá dentro.
O governo do estado não tinha força legal para desocupar esses comércios. A prefeitura entrou com base numa lei municipal assinada pelo prefeito Ricardo Nunes.
Governo Lula contra a maré
Entrelinhas: O governo Lula apoiou?
Cel. Araújo: Tivemos dificuldade a nível federal. Você imagina como estaria São Paulo se tivéssemos também um governo federal alinhado com o estadual e o municipal?
Seria um sonho que o presidente Bolsonaro estivesse no Planalto. O governo federal atual criou empecilhos. Não queria autorizar a demolição. Com muita insistência, e percebendo que sairiam perdendo, acabaram concordando, mas depois que já tinha começado a demolição.
Foi com muita insistência, não de forma tranquila. Eu participei de algumas reuniões e sei da dificuldade. O governo de São Paulo foi corajoso em quebrar um paradigma. A operação tem sido muito valiosa.
Bolsonaro em 2026
Entrelinhas: Mudando um de assunto, o senhor é próximo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ainda há expectativa de que ele se torne elegível para 2026?
Cel. Araújo: Eu tenho uma certeza que isso vai acontecer. Se nosso país é uma democracia, o presidente Bolsonaro não pode ficar fora dessas eleições.
É um crime contra o povo brasileiro o presidente Bolsonaro não poder participar da eleição de 26.
Nós tivemos no passado uma pessoa condenada, presa, que participou do processo eleitoral em 2022.
O presidente Bolsonaro, que as pesquisas mostram que ganha de qualquer candidato, ficar fora da eleição é inadmissível.
Tenho convicção de que ele estará nas eleições de 2026. E aí, sim, teremos um completo alinhamento: governo federal, Tarcísio no estado e Ricardo Nunes na prefeitura.
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