Há 150 anos, mais precisamente no dia 10 de junho de 1865, estreava em Munique a ópera Tristão e Isolda de Richard Wagner. Até o primeiro dia de julho daquele ano, quando terminou a temporada de estreia, muitas pessoas foram até a capital bávara vindas de diversos países escutar a música que viria a ser a mais influente e modernista daquela época. As novidades harmônicas, tímbricas, rítmicas, formais e melódicas deixaram os milhares de espectadores atônitos, perplexos e seduzidos. Apesar dos temores o sucesso repercutiu em todo o velho continente. Não só o idioma da obra é revolucionário, mas para a moral hipócrita da época o louvor de um casal adúltero (Isolda era casada com o tio/pai adotivo de Tristão) houve uma imensa repulsa na época. O que importa mesmo, passados estes 150 anos, é que a partitura deu um novo gás para um gênero, a ópera, que primava por ser comercial demais, abre novas perspectivas para o tratamento das dissonâncias, e impõe aos cantores outros paradigmas em termos de possibilidades e resistência. Há um livro escrito por Edouard Schuré (Souvenirs sur Richard Wagner: la première de Tristan et Iseult), narrando com precisão esta estreia, documento raro (de 1890) e, para mim, indispensável: o testemunho de alguém que assistiu a esta histórica récita.
A mais influente das óperas
Mesmo que tenham sido necessários 9 anos para se ter uma segunda montagem da obra (em Weimar – 1874), esta temporada de 1865 causou um verdadeiro frenesi no meio musical europeu. Mesmo músicos não muito simpáticos à obra de Wagner, como Johannes Brahms e Clara Schumann, compraram a partitura para melhor conhece-la. Brahms precisou procurar um médico, pois passara mal vendo suas harmonias dissonantes, e Clara Schumann ficou escandalizada com os adúlteros amantes serem glorificados. Apesar destas vozes descontentes Tristão e Isolda, com toda a sua voluptuosidade musical, deixará marcas até mesmo na obra do arquirrival Giuseppe Verdi, que em sua ópera Otello copia descaradamente não só a técnica dos leitmotiven (motivos condutores) mas a própria ideia musical do Liebestod (morte de amor), a genial parte conclusiva da ópera de Wagner. Páginas de Claude Debussy, como seu “Prelúdio para a tarde de um fauno”, revelam uma apropriação inconfessada da sensualidade do Prelúdio da ópera, e dissonâncias ousadas como o inédito acorde de sétima maior com que se inicia o segundo ato, abriram os caminhos para os compositores da nova geração como Richard Strauss e Arnold Schoenberg. As harmonias iniciais da obra marcam uma das sequências harmônicas mais comentadas em toda a história da música, o que ficou conhecido como o “acorde de Tristão”. Aliás “O acorde de Tristão” é o título de um belo romance de Hans-Ulrich Treichel (bem traduzido para o português). A influência de Tristão e Isolda de Wagner chega mesmo até a literatura atual.
Wagner e a planejada estreia mundial de Tristão no Brasil
As novidades técnicas da partitura, completada em 1859, complicaram as estreias previstas em Viena e Karlrsruhe. Na capital austríaca, depois de 77 ensaios, a orquestra declarou a partitura impraticável, e as récitas planejadas foram canceladas. Foi apenas através da influência de Ludwig II da Baviera que a ópera pode finalmente ser apresentada em Munique, regida por Hans von Büllow. O que é interessante, para nós brasileiros, é que que Wagner chegou a cogitar que a ópera fosse estreada em nosso país, mais precisamente no Rio de Janeiro. Em junho de 1857 Wagner, em uma carta a Franz Liszt, fala de seu plano de traduzir a ópera para o italiano e atender um convite feito por Dom Pedro II e realizar a estreia da obra no Brasil. Na realidade Wagner recebeu um emissário do imperador em março de 1857, Ernesto Ferreira-França, cônsul do Brasil na Saxônia, com uma oferta de ajuda financeira e apoio artístico na então capital brasileira. Como a ópera não exigia nenhuma complicação cenotécnica (como as exigidas em outras obras do compositor) o autor pensou seriamente nesta possibilidade. Como a negociação com o imperador não teve sequência e como os caminhos musicais da obra se dirigiam a algo impraticável fora da Europa o plano inicial de Wagner não se concretizou. Tristão e Isolda só seria estrada no Rio de Janeiro em 27 de maio de 1910, em italiano. Em São Paulo a obra foi estreada no ano seguinte, na primeira temporada do recém-inaugurado Theatro Municipal, também em italiano.
Uma mensagem espiritual
Numa feliz coincidência esta harmonia misteriosa e cheia de volúpia serve maravilhosamente para uma trama que transporta uma história medieval de um amor proibido para o mundo psicologicamente atormentado da época do compositor. Thomas Puschmann em seu ensaio “Richard Wagner – um estudo psiquiátrico”, publicado em Berlim já em 1873, deixa bem evidente que, apesar do egocentrismo do compositor, que ele critica de forma áspera, as raízes da tragédia grega e de uma busca da noite para liberar os sentidos, tornam sua obra mais próxima de um complexo drama psicológico do que uma ópera para tornar-se um simples entretenimento. A mensagem espiritual foi mesmo o maior legado do autor. Mais do que uma ópera Tristão e Isolda é realmente um drama musical.
Ver e ouvir Tristão e Isolda
Tentando ser breve neste controverso assunto, as gravações de áudio essenciais são as regidas por Wilhem Furtwängler, por Karl Böhm (Bayreuth 66) e por Carlos Kleiber. Em termos de DVD os dois melhores são regidos por Daniel Barenboim. Um no festival de Bayreuth do ano de 1995 com a sóbria encenação de Heiner Müller e uma em Milão no ano de 2007 com a belíssima encenação de Patrice Chéreau. As maiores intérpretes do papel de Isolda foram Kirten Flagstad, Birgit Nilsson e nos dias de hoje Waltraud Meier e Nina Stemme. Os maiores intérpretes do papel de Tristão foram Wolfgang Windgassen, Rene Kollo, Siegfried Jerusalem e John Vickers. Este último, em 1980, cantou de forma soberba 5 récitas da ópera no Rio de janeiro. Um Tristão impressionante, na cidade pensada originalmente para estrear esta obra prima.
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