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As obras primas permanecem. As interpretações envelhecem. As 9 Sinfonias de Beethoven, ontem e hoje
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A Atemporalidade da obra

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Wilhem Furtwängler. Além dos modismos

Quando pego na mão a partitura de uma obra como a Sinfonia Heroica de Beethoven, tenho a impressão de que aquela partitura contém toda a modernidade e a ousadia imaginada pelo gênio de Bonn no início do século XIX. As notas, as harmonias, os ritmos, parecem mesmo de um frescor intocado. A maioria das pessoas, no entanto tem a necessidade de um intérprete para ouvir esta obra prima. É daí que a comparação traz uma evidência: a interpretação, saudada como a “definitiva” há alguns anos, torna-se antiquada, e está longe de ter o frescor da partitura. Permanecendo no campo das 9 Sinfonias de Beethoven tomemos alguns exemplos: nos anos 70 as execuções do maestro Herbert von Karajan das Sinfonias de Beethoven eram tidas como as referencias absolutas. Campeã absoluta de vendas foi saudada de forma elogiável por muitos críticos. O que veio depois destas gravações é certo misto de atitudes saudáveis e posicionamentos com vertente claramente comercial.

Modismos

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O musicólogo Jonathan Del Mar

Depois dos anos 70 apareceu a edição crítica das partituras das Sinfonias de Beethoven levada a cargo pelo musicólogo Jonathan Del Mar para as edições Bärenreiter. Todas as edições anteriores foram tachadas rapidamente de “superadas”. Não sou daqueles que a considera uma edição indispensável (apesar de possuir um exemplar na minha biblioteca). Na realidade Jonathan Del Mar fez uma compilação de diversas fontes como as edições anteriores, só que expos num suplemento de Comentários Críticos todas as diferenças entre as determinadas fontes, o que faz com que coisas até mesmo grosseiras sejam incluídas em recentes gravações, com a desculpa de se buscar algo “autêntico”. O que se nota, na era pós Karajan, é uma corrida em se fazer algo diferente, dando surgimento a modismos, que envelhecem muito mais rápido do que a partitura, que lá permanece em seu frescor atemporal. Criticou-se depois da morte do maestro austríaco os excessos românticos de Karajan, as alterações na orquestração original, o excesso de ressonância, as repetições especificadas pelo compositor desprezadas, entre outras coisas. Aquilo que era “atualíssimo” passou a parecer “ultrapassado”. Aos poucos foram surgindo gravação atrás de gravação como propostas diferentes, parecendo mesmo lançamento de automóveis que a cada ano necessita ter uma novidade. Apareceram gravações com instrumentos de época (Gardiner- Orquestra Revolucionária e romântica), gravações baseadas na edição de Jonathan Del Mar (Abbado – Filarmônica de Berlim), gravações com todas as repetições ( Harnoncourt- Orquestra de Câmera da Europa), gravações com orquestras de instrumentos moderno soando como instrumentos antigos ( Rattle- Filarmônica de Viena). Todas elas excelentes do ponto de vista técnico, mas que já envelheceram pouco tempo depois. O exemplo mais flagrante deste modismo, desta “novidade a qualquer preço” é a integral das Sinfonias de Beethoven com a Orquestra do Tonhalle de Zurique dirigida por seu diretor musical David Zinmam. Numa chamada bem comercial, na capa vem escrito: “ARTE NOVA” é o primeiro selo a produzir uma integral das Sinfonias de Beethoven baseada na edição de Jonathan Del Mar com instrumentos modernos”. Não contente com isso, todas as partes das madeiras são executadas com inúmeras ornamentações, não recomendadas por Jonathan Del Mar, soando em diversos momentos de forma completamente bizarra. Ouvir repetidas vezes uma destas execuções é altamente penoso. A melhor palavra para esta gravação é “datada”. A ideia que eu tenho é que perdeu-se um pouco do ideal artístico , dando lugar a um interesse pela novidade apenas pela novidade. A última destas novidades é a integral das Sinfonias de Beethoven com a Filarmônica de Viena, regida por Christian Thielemann, num estilo parecido com…….Karajan.
Creio que depois de tantos experimentos estamos voltando a uma postura diferente, mais orgânica e mais honesta. Assisti recentemente um DVD da Sétima Sinfonia de Beethoven com a Filarmônica de Berlim regida por Simon Rattle. Pude perceber que fora das amarras comerciais Rattle executa a sinfonia com algumas repetições, não todas, e deixa a Filarmônica de Berlim soar como a Filarmônica de Berlim. Totalmente diferente de sua gravação para o selo EMI, onde fez os pobres músicos da Filarmônica de Viena soarem como uma orquestra de instrumentos de época, e fez todas, absolutamente todas as repetições. Teria ele feito isso naquela época para satisfazer alguma exigência do selo inglês? Não sei responder.

Execuções que envelhecem menos

Parto do princípio de que todas as execuções envelhecem. No entanto algumas parecem ultrapassar os modismos, e possuem intrinsecamente um conteúdo tão intenso que nos interessam até hoje, mesmo tendo sido realizadas há muitas décadas. Permanecendo nas Sinfonias de Beethoven, cito como exemplo disso as gravações do grande maestro alemão Wilhelm Furtwängler, falecido em 1954. Estas gravações parecem ter um senso de permanência que todas as que eu citei não possuem. Tanto as orquestras como as técnicas de gravação eram menos satisfatórias do que as atuais, mas por traz de tudo havia, além de uma grande personalidade artística, uma honestidade que passava longe de uma conotação comercial. A partitura da Heróica permanece lá, com toda a sua força, parecendo mesmo desprezar o que fazem com ela, mas acolhe também quem deseja, com grande convicção artística, vencer suas dificuldades de execução.

Veja , neste raro video, os musicos “enfeitiçados por Furtwängler

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