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Zemlinsky, Schoeberg e Schreker em Praga, 1912
Zemlinsky, Schoeberg e Schreker em Praga, 1912| Foto:
Zemlinsky, Schoeberg e Schreker em Praga, 1912

Zemlinsky, Schoeberg e Schreker em Praga, 1912

Sabemos que muitos compositores importantes foram forçados a se exilar da Alemanha e da Áustria com a ascensão do Nazismo a partir 1933, tanto por terem uma origem judia como por terem uma estética condenada pelo partido. Muitos autores, como Paul Hindemith (1895-1963), Kurt Weill (1900-1950) e Korngold (1897-1957), partiram para a América do Norte e se deram bem nos Estados Unidos. O mesmo não se pode dizer do húngaro Bela Bartók (1882-1945) e do austríaco Arnold Schoenberg (1874-1951) que amargaram diversas agruras no novo mundo. Existe também uma considerável e triste lista de compositores que morreram em campos de concentração como os tchecos Pavel Haas (1899-1944) e Erwin Schulhoff (1894-1942), mas dois compositores austríacos tiveram um tipo de sofrimento e de perseguição que os levaram a uma dolorosa e lenta morte: Franz Schreker (1878-1934) e Alexander von Zemlinsky (1871-1942). Suas obras, que ficaram esquecidas por muito tempo, vem chamando cada vez mais a atenção do público, e é sobre eles que pretendo discorrer.

Schreker

Franz Schreker, nascido em 1878, era filho de um fotógrafo da corte austríaca e bem cedo demonstrou muito talento para a composição e para a regência. Depois de consolidar uma carreira de maestro seu primeiro sucesso indiscutível como compositor foi a ópera “Der ferne Klang” (Um som distante), estreada em Frankfurt em 1912. Esta bela ópera foi seguida por outra obra prima: “Die Gezeichneten“(Os estigmatizados) de 1918. Normalmente lidava com orquestras imensas, mas em 1916 escreveu uma obra prima para apenas 23 instrumentos, a Sinfonia de Câmera em um movimento. Suas canções também são notáveis e vale a pena lembrar que ele foi o primeiro compositor a usar textos do poeta americano Walt Whitman em “Vom ewigen Leben” para soprano e grande orquestra. Nos últimos anos de “República de Weimar” Schreker foi professor na “Hochschule für Musik” de Berlim, e teve como alunos alguns nomes que viriam a ser músicos importantes como os maestros Jascha Horenstein e Artur Rodziński, e compositores da estatura de Ernst Krenek. É importante lembrar que foi Schreker quem regeu a estreia de Gurrelieder, a monumental obra de Arnold Schönberg em 23 de fevereiro de 1913.
Com a ascensão do nazismo Schreker, de origem judaica, foi perseguido pelo terrível Max von Schillings (1898-1933), um compositor e maestro que demonstrava um ódio imenso aos judeus. Ele demitiu Schreker de todos os seus empregos como professor e maestro e trabalhou para que sua música fosse proibida em toda a Alemanha. Schreker, na miséria absoluta, recebia algumas ajudas e encorajamentos de seus ex alunos, mas um ataque cardíaco o matou no dia 21 de março de 1934, em Berlim, dois dias antes de completar 56 anos de idade. Apesar de nunca ter escrito música atonal ou serial Schreker permaneceu um grande amigo de Arnold Schoenberg. No dia 12 de fevereiro de 1934 este último enviou um cartão postal de Los Angeles para seu colega:” Querido amigo, eu não sei nada de ti há muito tempo e recebo notícias contraditórias. Uma de que você estaria na América, outra que estaria doente em Berlim. Eu lhe peço: por favor escreva para mim”. O cartão postal chegou uma semana depois da morte de Schreker.
Schreker é um dos melhores orquestradores da primeira metade de século XX. Seu “Prelúdio para um drama” (sobre temas de sua ópera “Die Gezeichneten“) é de uma riqueza harmônica e tímbrica notáveis. Eu diria que estamos diante de uma obra prima. Se sua harmonia se assemelha um pouco à de Richard Strauss (1864-1949), é indiscutível que ela possui uma individualidade própria. Sua Sinfonia de Câmera é outra obra magnífica onde mais uma vez o vemos fazer uma mágica combinação de harpa, piano celesta e harmonium. Há pouco tempo o selo Chandos lançou dois Cds excelentes com o essencial da obra orquestral de Schreker, com a Filarmônica da BBC regida por Vassily Sinaisky. Outra gravação essencial é a da Sinfonia de Câmera executada pela Orquestra de Câmera da Rádio da Holanda regida por Peter Eötvös (ECM). Existe um excelente DVD da ópera “Die Gezeichneten” gravada no Festival de Salzburg. Pena que não exista ainda nenhum registro cênico de “Der ferne Klang”. Uma questão de tempo, creio eu.

Zemlinsky

Alexander von Zemlinsky era austríaco também. Nascido em Viena em 1872 cresceu numa família extremamente culta. De família judia ele demonstrou o seu talento musical bem cedo nos cultos de sua sinagoga e com 12 anos passou a frequentar o Conservatório de Viena. Foi admirado por compositores como Brahms e Bruckner que o viam como detentor de um talento incomum para a composição. Sua formação sólida o tornou um professor muito requisitado na capital austríaca. Foi o único professor que o quase autodidata Arnold Schoenberg teve e foi professor particular de Alma Schindler, que se tornaria a esposa de Mahler. Maestro excepcional, foi muito elogiado até mesmo pelo exigente Igor Stravinsky por suas execuções de Mozart. Foi um defensor convicto da música de seu tempo. Exemplo disso foi a estreia de “Erwartung” de Schoenberg em 1924. Com a efervescência cultural dos anos entre as duas guerras mundiais, transferiu-se para Berlim em 1928, onde atuou como um grande defensor da vanguarda. Como compositor escreveu oito óperas das quais se destaca “Uma tragédia florentina” de 1916, calcada sobre um texto de Oscar Wilde. Além disso escreveu quatro quartetos de cordas sendo que o de Nº 2 é considerado por muitos como um dos grandes quartetos do século XX. Entre suas inúmeras canções destacaria as “6 canções sobre poemas de Maeterlink” opus 13, tanto na versão com acompanhamento de piano como na versão com acompanhamento orquestral. Sua “Sinfonia Lírica”, de 1923, é talvez sua obra mais conhecida e mostra a sofisticação cultural do autor pela escolha que fez de textos do paquistanês Rabindranath Tagore (1861-1941).
Assim somo Schreker, Zemlinsky tem um idioma próprio. Apesar de nunca ter abandonado de vez a tonalidade sua sonoridade se afasta das sedutoras sonoridades de Richard Strauss. O domínio da forma musical fica bem explicito em seu Quarteto de cordas Nº 2, uma obra de 40 minutos em um longo movimento único. Quanto às harmonias as descobertas do autor ficam mais evidentes em suas belas Canções opus 13. Sua Sinfonia Lírica, para soprano, barítono e orquestra deixa claro que o autor era também um grande orquestrador.
Zemlinsky depois de trabalhar em sua cidade natal, Viena, trabalhou de 1911 até 1927 em Praga. Foi de lá que ele se transferiu para Berlim. O final de sua vida é marcado por uma desesperada fuga do nazismo. Em 1933 foge de Berlim para Viena onde permanece até 1938. Estes últimos anos que ele morou na Áustria marcaram episódios lamentáveis, tendo visto a sinagoga que frequentava quando criança ter sido reduzida a cinzas pelos nazistas de seu país. Depois da anexação da Áustria ele foge para Praga, mas a insegurança crescente o fez imigrar para os Estados Unidos. Sua chegada no novo mundo, poucos meses antes de começar a Segunda Grande Guerra, foi desastrosa. Deprimido pelo desprezo dos americanos, tendo sua música sido banida da Alemanha, da Áustria e da Tchecoslováquia ele definhou a tal ponto que, não fossem algumas ajudas anônimas, ele teria morrido de fome. Uma pneumonia o matou em 15 de março de 1942 em Larchmont, cidade próxima a Nova York. Seu falecimento passou completamente despercebido. Foi só a partir de 1970 que sua obra, aos poucos, foi sendo resgatada. No entanto, pela altíssima qualidade de sua produção, ela merecia ser muito mais conhecida. Num certo sentido a obra de Zemlinsky é mais bem servida de gravações do que a obra de Schreker. Existem pelo menos 5 gravações excelentes de sua Sinfonia Lírica. A minha favorita é a de Bo Skovhus, Soile Isokoski regência de James Conlon (EMI). Os quatro Quaretos de Cordas são magnificamente interpretados pelo Quarteto La Salle (Brilliant Classics) e pelo Quarteto Escher (Naxos). Anne Sophie von Otter é a referência nas “6 Canções sobre poemas de Maetrrlink” (Deutsche Grammophon).

Vídeos

A Sinfonia de Câmera de Franz Schreker numa versão excelente com a Orquestra Sinfônica Flamenga (Bélgica) regida por Jonas Alber

Um trecho da Sinfonia Lírica de Zemlinsky executada por intérpretes russos

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