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Três discos surpreendentes de música clássica brasileira
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Penso na famosa frase de Galileu : “E pur se muove”. Não há dúvida de que o nível dos instrumentistas de musica erudita brasileiros subiu de forma considerável nos últimos anos. No entanto o apoio a esta atividade, em geral, não evoluiu da mesma forma. Por isso, antes de mais nada, chamo os artistas destes três CDs de verdadeiros heróis. Não é fácil manter uma atividade regular de um grupo de música erudita num país que tem tantas carências em termos de educação. Estes três CDs que comento a seguir foram realizados com um apoio complicado de se obter dos órgãos públicos, que preferem dar verbas a artistas que nem precisariam ter qualquer incentivo, pois seu ofício (me recuso a usar o termo arte nestes casos) é altamente rentável. O que me fez citar a frase de Galileu Galilei “E pur se muove”? Galileu teria dito a meia voz “e, no entanto se move” como disfarçada revolta a um julgamento retrógrado da inquisição. Uso esta frase para dizer que a musica erudita brasileira , apesar das dificuldades , ainda é produtiva, e que apesar de tudo existem pessoas que amam o que fazem, o fazem de maneira brilhante, e não desistem, em meio a inúmeras dificuldades de fazer boa musica. Ressalto que os três CDs que comentarei apresentam apenas música brasileira. E os três CDs são de altíssimo nível, e asseguro que ouvi-los foi algo extremamente prazeroso.

RETRATOS BRASILEIROS – EDINO KRIEGER – OBRAS PARA CORDAS – SOLISTAS DE LONDRINA

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Solistas de Londrina interpreta obras de Edino Krieger

Este CD é, em diversos aspectos, um lançamento notável. Edino Krieger é um dos mais importantes compositores brasileiros. Nascido em 1928 teve inicialmente uma fase influenciada pelo professor alemão Hans-Joachim Koellreutter, escrevendo obras seriais nos anos 40. É nos anos 50, no entanto que seu estilo se consolida de forma inequívoca, com um acentuado pendor para o nacionalismo. As obras de Edino Krieger incluídas neste CD foram escritas entre 1952 até 1960. Entre as maravilhas deste cd, impecavelmente executado pelos músicos londrinenses, coordenados pelo violinista Evgeni Ratchev , temos além de um inspirado Divertimento para Orquestra de Cordas (1959), uma das principais obras concertantes brasileiras do século XX: a Brasiliana para viola e cordas (1960). Obra original, extremamente bem escrita para viola, encontra em Jairo Chaves um solista que considero ideal para esta importante obra. Se você busca um Edino Krieger mais sofisticado, atonal, ouça a faixa final do CD, a Música para cordas (1952). Mas se você quer mais um pouco mais de brasilidade ouça a Marcha Rancho, movimento final da Suíte para orquestra de cordas (1954). Nela percebemos a arte contrapontística de Edino Krieger aliada a uma expressão que fala fundo na alma de qualquer brasileiro. Além da soberba realização musical deste CD, temos também uma captação sonora de altíssimo nível.

Retratos Brasileiros – Edino Krieger – Obras para cordas
Divertimento para orquestra de cordas (1959)
Andante para cordas (1956)
Brasiliana para viola e cordas (1960)
Suíte para Orquestra de cordas (1954)
Música para cordas (1952)
Orquestra de Câmera “Solistas de Londrina”
(encontrável em diversas lojas on line com preço médio de R$ 29,00)

MÚSICA BRASILEIRA PARA VIOLINO E CORDAS DO SECULO XXI – CAMERATA FILARMÔNICA DE GOIÁS

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Borgomanero e seus excelentes musicos de Goiânia

Este CD, gravado em Goiânia, representa o esforço do violinista Alessandro Borgomanero, músico que se fixou em Goiás em 1999, em formar instrumentistas de alto nível num estado pobre em termos de música erudita. Alessandro Borgomanero, que iniciou sua formação em Curitiba, onde viveu sua infância e adolescência (foi meu aluno de Harmonia neste período), teve mestres de alto nível na Europa, onde concluiu sua formação. Este CD me surpreendeu, não só pela qualidade musical do grupo, mas pela ideia de apresentar apenas obras compostas no nosso século.
Se a originalidade do compositor Henrique de Curitiba não é o seu forte, podemos dizer que sua capacidade em escrever para cordas é excepcional. E é na sua Serenata Noturna (2001) que a orquestra de Goiás mais me impressionou. Sonoridades envolventes, terminações de frases impecáveis, fazem desta execução uma razão a mais para se conhecer este CD. Duas obras que eu destacaria. Inicialmente a única obra do CD composta no século XX ,a Modinha imperial de Francisco Mignone. Obra singela, mas extremamente bem escrita, faz com que reconheçamos Mignone como um dos maiores músicos que este país já teve. A outra obra que destaco é Cantigantiga de Estércio Marquez Cunha. Este compositor goiano, nascido em 1941, consegue com um mínimo de elementos construir um imenso edifício de expressão e de musicalidade. Esta obra , para violino e cordas, é executada de forma brilhante por Alessandro Borgomanero. A todos envolvidos neste lançamento, os meus sinceros parabéns.

Música brasileira para violino e cordas do século XXI

Henrique de Curitiba – Serenata Noturna (2001)
Vocalise (2005)
Jaime Zenamon – Katabasis para violino e orquestra (2008)
Estércio Marquez Cunha – Cantigantiga (2005)
Francisco Mignone – Modinha Imperial
Camerata Filarmônica de Goiás – Direção e violino solo : Alessandro Borgomanero
(informações para aquisição: www.cameratafilarmonicadegoias.org)

AS QUATRO ESTAÇÕES CARIOCAS – QUARTETO RADAMÉS GNATALLI – ZÉ PAULO BECKER – VIOLÃO

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As 4 Estações Cariocas

Difícil definir se este importantíssimo CD é um lançamento de música clássica ou popular. O que eu tenho certeza é que este CD contém musica da mais alta qualidade. Depois das famosas “Quatro Estações” de Vivaldi e as “Quatro Estações portenhas” de Piazzolla, por que não pensar em “Quatro estações cariocas” . Mas não estações do ano ( pouco definidas na capital fluminense) e sim estações de trem. Os tristes trens que ligam a parte mais pobre do Rio de Janeiro ao centro da cidade são enfocados por quatro compositores brasileiros que compuseram páginas inéditas para este CD. O Quarteto Radamés Gnattali, responsável pela surpreendente integral de Quartetos de Villa-Lobos em DVD e Bluray, realiza aqui algo à altura de sua ousadia. Foram encomendadas quatro obras inéditas, que perfazem o triste caminho da via férrea, que mescla pobreza com riqueza cultural. Das quatro obras a mais fácil de apreender é Estação Leopoldina de Paulo Aragón. Dividida em cinco curtos movimentos, sua inventividade é cativante. Duas composições são em apenas um longo movimento. Uma delas, a Estação Mangueira de Mauricio Carrilho, perde um pouco, ao optar por um movimento longo, em termos de unidade. Mas a Estação Central do Brasil de Sérgio Assad aproveita um movimento único como algo a seu favor. Creio que é a melhor das quatro obras em termos composicionais. O único a citar temas de sambas é Jayme Vignoli, autor de Estação Madureira, obra também dividida em movimentos curtos. Os quatro compositores dominam de forma exemplar a escrita para violão, e nos surpreende por sua competência em sua escrita para quarteto de cordas. Este CD tem como principal atração a originalidade de concepção, esta mistura benéfica de estilos, e a junção do mais sofisticado conjunto erudito, um quarteto de cordas, com o mais popular instrumento, o violão. E por falar em violão Zé Paulo Becker é de uma competência excepcional. Seu gingado é absorvido pelo quarteto em todas as composições. Um CD diferente, original, que merece ser conhecido, e que pode ser um fator de aproximação entre dois estilos completamente diferentes.

As 4 Estações Cariocas
Maurício Carrilho – Estação Mangueira
Jayme Vignoli – Estação Madureira
Paulo Aragão – Estação Leopoldina
Sérgio Assad – Estação Central do Brasil

Quarteto Radamés Gnattali – Zé Paulo Becker – Violão
(encontrável em diversas lojas on line com preço médio de R$ 29,00)

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