Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Fernando Jasper

Fernando Jasper

Lula chama Trump de protecionista. E de protecionismo, ele entende

Lula chama Trump de protecionista por causa de tarifas. Olha quem está falando
Para Lula, Trump tenta "impor um protecionismo que não cabe mais hoje no mundo". Mas o governo brasileiro também ergueu barreiras a produtos importados e mantém o país como uma das economias mais fechadas do mundo. (Foto: Colagem com fotos de EFE/EPA/Aaron Schwartz/POOL e Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Ouça este conteúdo

Lula disse que Donald Trump tenta "impor um protecionismo que não cabe mais hoje no mundo". E de protecionismo, o presidente brasileiro entende.

Erguer barreiras contra produtos e serviços estrangeiros é esporte nacional desde muito antes do petismo. Apesar de alguma abertura nas últimas décadas, o Brasil ainda é uma das economias mais fechadas do mundo. E o governo Lula dá sua contribuição para isso.

Segundo os dados mais recentes da Organização Mundial do Comércio (OMC), referentes a 2023, a tarifa efetiva média que o Brasil aplica às importações é de 11,2% – e aqui o leitor dirá que não é bem isso o que anda pagando para trazer importados ao país; já chegamos lá.

O imposto médio, citado acima, é o 49.º mais alto do mundo, considerando as 143 nações com dados disponíveis, e o quinto maior do G-20, atrás de Índia (17%), Turquia (16,2%), Argentina (13,4%) e Coreia do Sul (13,4%). O México cobra 6,8%, em média. A União Europeia, 5%. O Canadá, 3,8%. E os Estados Unidos pré-Trump, 3,3%, uma das menores alíquotas do mundo.

Mas nem só de tarifas são feitas as barreiras comerciais. Também existem as não tarifárias, e o cardápio é extenso. Licenças de importação, requisitos técnicos e sanitários mais rigorosos que a média, regras complexas de etiquetagem e rotulagem, exigências de conteúdo nacional e por aí vai.

O governo brasileiro, que agora aponta o dedo para os outros, andou elevando os obstáculos.

VEJA TAMBÉM:

A "taxa das blusinhas" de Fernando Haddad nada mais é que uma barreira tarifária. Embora já existisse a previsão legal de Imposto de Importação sobre as remessas postais, o governo atuou para que ele fosse efetivamente cobrado em todas as transações. A alíquota é de 20% sobre compras de até US$ 50 e de 60% sobre valores maiores.

Outro exemplo: tarifa sobre carros elétricos e híbridos importados. Eram isentos desde 2015, mas a partir de 2024 passaram a pagar alíquotas crescentes, que chegarão a 35% em meados do ano que vem – mesmo imposto cobrado hoje dos veículos a combustão de fora do Mercosul.

Também há barreiras não tarifárias. Para ter acesso aos incentivos fiscais do programa Mover, montadoras precisam se instalar no Brasil e comprar um mínimo de componentes no país. Uma dificuldade a mais para a concorrência estrangeira, que já paga o Imposto de Importação citado há pouco.

No setor de petróleo e gás, a exigência de conteúdo local é uma obsessão de Lula, que nutre carinho especial pela indústria naval. Os índices mínimos de itens nacionais foram reduzidos no período em que o PT esteve fora do poder, mas novamente elevados na atual gestão.

Quando exige conteúdo nacional, o governo obriga empresas a pagar mais caro por insumos, e elas não raro têm de esperar mais pela entrega sem necessariamente obter mais qualidade. É comum que o aumento de custos seja repassado ao consumidor final.

Embora políticas protecionistas tenham sido adotadas em diferentes graus e momentos por grande parte das economias do mundo – inclusive a dos EUA – e possam impulsionar determinados setores por um tempo, a persistência das barreiras comerciais costuma levar a ineficiência, inflação e menos crescimento econômico.

Por aqui o marco inicial da política de substituição de importações, com amplo incentivo do Estado à produção local, foi o primeiro governo de Getúlio Vargas, na década de 1930. Após um breve período liberalizante na gestão de Gaspar Dutra, ela foi retomada com Juscelino Kubitschek e aprofundada no regime militar. O país chegou ao ponto de proibir a importação de automóveis por 14 anos.

Indústrias inteiras nasceram e cresceram sob proteção estatal, justificada por pretextos como defesa da soberania, geração de emprego, desenvolvimento econômico e, em alguns círculos, combate à "globalização neoliberal".

Mas, como o consumidor deve ter percebido, empresas que não enfrentam competição tendem a inovar menos e cobrar mais. Se fosse diferente, fabricantes de veículos talvez não estivessem pedindo ajuda até hoje, sete décadas depois de chegarem ao país.

Trump quer resgatar indústria dos EUA com choque de tarifas

E agora vemos Donald Trump elevando a tarifa média de importação dos EUA para perto de 25%, o maior patamar em mais de um século e possivelmente o nível mais alto do planeta – no topo do ranking da OMC, a Tunísia cobrava em média 19,5% em 2023.

O objetivo alegado do choque é resgatar a glória da manufatura norte-americana, que, como costuma acontecer com os países que enriquecem, foi perdendo espaço para o setor de serviços.

A aposta vai na contramão do que ensina a história. No último choque do gênero, em 1930, a lei Smoot-Hawley levou a tarifa média norte-americana para cerca de 20%. A retaliação dos parceiros comerciais alimentou uma espiral protecionista que derrubou o comércio mundial para menos da metade e aprofundou a Grande Depressão.

VEJA TAMBÉM:

Use este espaço apenas para a comunicação de erros