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O candidato Ciro Gomes, ainda que tenha tentado mudar o conteúdo do que disse, propôs a quebra de um dos pilares da democracia: a separação entre os poderes. Foto: Marcelo Chello/Estadão Conteúdo.
O candidato Ciro Gomes, ainda que tenha tentado mudar o conteúdo do que disse, propôs a quebra de um dos pilares da democracia: a separação entre os poderes. Foto: Marcelo Chello/Estadão Conteúdo.| Foto:

No fundo, o que ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) queria era conquistar o apoio do PT para sua candidatura a presidente. Mas acabou mostrando as garras e exibiu suas inclinações autoritárias – embora, depois, até tenha tentado (sem muito sucesso) consertar o estrago que ele próprio produziu em sua imagem.

Em entrevista à TV Difusora do Maranhão no último dia 16, mas que só agora teve repercussão nacional, o candidato do PDT afirmou que o ex-presidente Lula (PT) só terá chance de ser libertado se ele (Ciro) for eleito presidente. E disse mais: afirmou que irá colocar a Justiça e o Ministério Público no seu devido lugar, numa ameaça às duas instituições.

“[Lula] só tem chance de sair da cadeia se a gente assumir o poder e organizar a carga. Botar juiz para voltar para a caixinha dele. Botar o Ministério Público para voltar para a caixinha dele. E restaurar a autoridade do poder político”, afirmou Ciro.

Declaração de Ciro é grave: separação dos poderes é um dos pilares da democracia

Para quem preza a democracia, a declaração é muito grave – ainda que se leve em conta que Ciro é conhecido por não pensar muito no que vai falar e que se leve em conta o claro contexto eleitoral do que disse. O candidato do PDT quer, a todo custo, que o PT desista de lançar Lula para apoiá-lo como o nome unificado da esquerda na disputa pela Presidência. Nesse sentido, apenas tentou agradar os petistas com a promessa de que irá libertar seu líder.

Mas o fato é que Ciro propôs a quebra de um dos pilares dos regimes democráticos: a separação dos poderes. Se for eleito, vai comandar o Executivo. Ponto. Não poderá mandar ao mesmo tempo no Judiciário e no Ministério Público (órgão que tem autonomia prevista na Constituição). Se fizer o que pretende – colocá-los em suas “caixinhas” – estará extrapolando seus poderes. Isso tem nome: autoritarismo.

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Tampouco é papel do presidente da República advogar para quem quer que seja. Lula conta com uma equipe de advogados. Para tentar soltar seu cliente, eles têm de seguir os protocolos judiciais a que todos os cidadãos estão sujeitos. Não podem esperar caiu nas “graças” do presidente em exercício.

Restauração da autoridade do poder político exige resgate da credibilidade dos políticos

Judiciário e MP também não estão sujeitos ao poder político que Ciro disse que vai restaurar. Os tribunais e o Ministério Público são constituídos por servidores concursados – que têm estabilidade e autonomia funcional para executar seu trabalho. Essa independência tem o objetivo de evitar justamente que o sistema judiciário fique refém das vontades circunstanciais das autoridades públicas.

O poder político, por sua vez, está nos outros dois poderes: Executivo e Legislativo. Governantes e parlamentares é que são eleitos. E, exatamente por causa disso, o poder político não é propriedade do eleito. É apenas delegado temporariamente pela sociedade. Uma sociedade que, aliás, dá sinais claros de que não suporta mais os políticos que a representam.

Ciro tenta se emendar. Mas não melhora o soneto

Nesta quarta-feira (25), Ciro tentou se emendar diante da repercussão negativa de suas declarações. Disse ter sido mal interpretado por pessoas que querem fazer intriga. E mudou a versão sobre aquilo que quer restaurar: em vez da “autoridade política”, disse que quer resgatar o “império da lei”.

“Quando eu disse a gente, eu não quis dizer eu. Quis dizer os democratas, os que têm compromisso com o Estado democrático de direito, com o restabelecimento da autoridade, do império da lei que, no Brasil, parece estar completamente deformada”, disse Ciro.

O pedetista também explicou o que quis dizer quando falou em colocar a Justiça e o MP nas suas “caixinhas”: “O Judiciário julga, o Legislativo legisla e o Executivo executa. Não é possível que o Judiciário queira executar”. Mas, candidato, responda a uma questão: e o Executivo brasileiro que não sente nenhum pudor de legislar mais do que o Congresso? Sobre isso, nenhuma palavra.

Além do mais, a emenda de Ciro não melhora o soneto da separação dos poderes. Continua implícito no pensamento do candidato que ele, como presidente, e seu grupo político (a quem chama de “democratas”) pretendem “consertar” o Judiciário. Obviamente, a seu modo.

Um pequeno conselho a Ciro

Ciro faria muito melhor se, caso eleito, se preocupasse apenas com o Executivo. Se buscasse restaurar a autoridade do poder político e o império da lei simplesmente resgatando a credibilidade dos políticos e combatendo a corrupção no governo. E não tentando invadir a competência de outros poderes.

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