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Zelensky, OTAN
Zelensky, presidente da Ucrânia, fala em telão para líderes da OTAN em novembro de 2022.| Foto: EFE/EPA/CHEMA MOYA

“Cinismo e suborno em tempo de guerra são alta traição”. Foram com essas palavras que Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, anunciou a demissão de todos os chefes de centros regionais de recrutamento militar no último dia onze de agosto. A onda de denúncias e suspeitas de corrupção apenas cresceu nos dias seguintes, com possíveis impactos além da Ucrânia. Principalmente, um lembrete de como as guerras muitas vezes destroem muitos para serem lucrativas para alguns.

Zelensky anunciou 112 processos criminais contra funcionários e militares dos centros regionais de recrutamento militar, afirmando que serão substituídos por veteranos, “que sabem exatamente o que é a guerra”, que não podem mais servir na linha de frente. O suborno médio para um atestado médico que concedesse isenção do serviço militar, segundo o governo ucraniano, estava na casa dos seis mil dólares, mais de trinta e dois salários mínimos ucranianos e doze vezes o salário médio do país.

Ilustrando o que chamou de “práticas revoltantes”, Zelensky afirmou que um militar da região de Odessa, responsável pelo recrutamento na região, teria depósitos no estrangeiro totalizando cinco milhões de dólares. Na mesma retórica indignada com a corrupção que o fez ser eleito, Zelensky afirmou que “militares que confundiram suas patentes com lucros definitivamente serão levados à justiça.”. A revelação do escândalo por Zelensky traz consigo dois impactos principais de curto prazo.

Moral

O primeiro é no esforço de guerra ucraniano, começando pelo impacto na moral da tropa. Saber que estão se sacrificando enquanto os que podem pagar ou possuem influência política simplesmente evitam o serviço militar é doloroso e não faltam registros históricos sobre isso. Talvez o exemplo mais famoso de tempos recentes seja o do 147º Grupo de Caça dos EUA, durante a Guerra do Vietnã, parte da Guarda Nacional Aérea do Texas, onde serviram filhos de políticos influentes e de magnatas.

Um deles foi George W. Bush, futuramente presidente do país. Filhos de senadores, do então governador ou atletas profissionais serviram na unidade, a treze mil quilômetros de distância do Vietnã, enquanto 648 mil alistados compulsoriamente foram enviados ao Vietnã em um período total de dez anos. O fato de muitos dos mortos serem da população pobre e negra do país contribuiu para os protestos contra a guerra. Voltando ao esforço de guerra ucraniano, existe também a própria demanda por pessoal.

A Ucrânia está começando a sofrer com a falta de combatentes, uma questão demográfica e de matemática cruel. Pessoas são um recurso de guerra. Mesmo com voluntários estrangeiros, muitos analistas militares internacionais avaliam que a Ucrânia já passou do teto de sua mobilização. O segundo impacto das revelações de Zelensky é a repercussão internacional negativa das notícias de corrupção, especialmente dado o fato de que, hoje, a Ucrânia depende do apoio internacional.

Lucro e conta internacional

A guerra pode ser muito lucrativa, desde para as grandes empresas que enriquecem vendendo armamento e munição, até para o oficial medíocre que suborna os potenciais recrutas. Tais lucros belicistas motivam lobbies e pressões para conflitos que não necessariamente correspondem aos interesses dos cidadãos comuns, os pagadores de impostos que vão custear o conflito, seja com o bolso, seja com o sangue. E nada disso é alguma teoria da conspiração ou algo que o valha.

Um célebre alerta público para a crescente influência das empresas bélicas foi dado pelo então presidente conservador dos EUA, e um dos mais importantes comandantes da Segunda Guerra Mundial, Dwight Eisenhower. Em seu discurso de despedida, em 17 de janeiro de 1961, ele disse: “(...) Uma grande indústria de armas é nova na experiência americana. (...) Nos conselhos de governo, devemos nos precaver contra a aquisição de influência injustificada, procurada ou não, pelo complexo industrial militar.”

Não é de hoje que alguns políticos dos EUA criticam o montante da ajuda militar fornecida aos ucranianos, que já ultrapassa os cem bilhões de dólares. E a última semana mostrou que as suspeitas e acusações de corrupção não são restritas aos recrutadores. Por exemplo, uma das empresas que mais vende armas para o governo ucraniano é a Ukraine Armored Technology, de propriedade de Serhiy Pashinsky, ex-parlamentar que estava preso antes da guerra e foi descrito por Zelensky como um “mafioso”.

São centenas de milhões de dólares em negócios. Em 2021, de acordo com o jornal New York Times, a empresa registrou menos de três milhões de dólares em vendas. Em 2022, esse número subiu para mais de 350 milhões de dólares, incluindo comissões para intermediários na Bulgária e na Polônia. A atual onda de investigações e denúncias tampouco é a primeira, com o então vice-ministro da Defesa, Vyacheslav Shapovalov, sendo demitido no início do ano.

Obviamente que lucros imorais, subornos, desvio de equipamentos e corrupção existem em qualquer guerra e provavelmente em quase todas as forças armadas. A questão é que, hoje, se um oficial russo acumular ilegalmente um patrimônio de milhões de dólares ou aceitar propinas de potenciais conscritos, isso é um problema russo. A corrupção nas forças armadas ucranianas torna-se, indiretamente, um problema para seus aliados, que também estão pagando essa conta. E podem querer deixar de fazê-lo.

Conteúdo editado por:Bruna Frascolla Bloise
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