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Teste nuclear no Atol de Biquíni, em 1954.
Teste nuclear no Atol de Biquíni, em 1954.| Foto: Governo dos EUA/Domínio público

A Rússia anunciou sua saída do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares e a internet já começou as especulações. Como tudo que envolve o tema armas nucleares, mais tudo que envolve a Rússia, o sensacionalismo e o alarmismo dominam a cobertura internacional, com raras exceções. Resta entender o que aconteceu e, principalmente, que praticamente nada muda.

Nessa última quinta-feira, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, assinou o texto que revoga a ratificação da Rússia do CTBT, sigla em inglês pelo qual o tratado é mais conhecido. A saída do tratado já havia sido autorizada pelo legislativo russo algumas semanas atrás, uma formalidade, vide que o pedido para a saída do tratado veio da própria presidência de Putin.

As reações foram desde um “muito decepcionante e profundamente lamentável”, reação de Robert Floyd, chefe da Organização do CTBT, até comentaristas de política internacional afirmando que isso era preocupante, que um novo teste nuclear se aproxima, o mesmo e batido papo apocalíptico que continua vendendo. Os motivos para a saída da Rússia do tratado são dois.

Tríade nuclear

Primeiro, com o desgaste de sua economia e de suas forças armadas devido à guerra na Ucrânia, a dissuasão nuclear torna-se cada vez mais importante na estratégia russa. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, Putin não acreditava que o conflito se estenderia por tanto tempo. Pouquíssimas pessoas acreditavam nessa possibilidade, na verdade, e menos ainda falaram disso publicamente.

Uma mistura de fracassos russos e apoio dos EUA transformou a “operação militar especial” em uma longa guerra de atrito, que consome munição em escala global, além de dezenas de milhares de baixas. Em menos de quatro meses, o conflito completará dois anos e, salvo algumas regiões dos oblasts de Kherson e de Zaporizhzhia, as linhas de frente estão muito parecidas ao que estavam antes.

Hoje, o que salvaria a Rússia em uma guerra em escala ainda maior, ou o que dissuade países ocidentais de realizarem ataques diretos contra o país, é o fato da Rússia possuir o maior arsenal nuclear do mundo e ser um dos poucos países que domina a tríade nuclear: mísseis balísticos intercontinentais, mísseis balísticos lançados por submarinos e bombardeiros estratégicos capazes de carregar mísseis com ogivas nucleares.

A tríade nuclear praticamente garante que um país terá como realizar um contra-ataque caso seja atacado primeiro, mesmo que esse ataque envolva armas nucleares. A Rússia não possui mais a capacidade de um longo e intenso enfrentamento convencional, ao menos pelos próximos anos. Em compensação, possui o míssil balístico intercontinental mais moderno do mundo, o RS-28 Sármata.

Para a Rússia, então, é importante manter ao menos a impressão de que pode realizar novos testes nucleares. Bater na tecla “nuclear” é um lembrete ao mundo de que, embora com suas forças militares e sua economia enfraquecidas, a Rússia ainda é uma potência nuclear. O segundo motivo da saída é bastante simples: os EUA não faziam parte do CTBT pois, embora sejam signatários, nunca ratificaram o texto.

Em outubro de 2018, cinco anos atrás, em um dos primeiros textos desse colunista, explicamos aqui na Gazeta que a decisão do então governo Trump de sair do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário com a Rússia se dava pelo fato de que a China não era parte do tratado. Logo, Rússia e EUA aceitavam uma limitação que não se aplicava aos chineses, a potência em ascensão em relação aos EUA.

Para eliminar essa “vantagem” chinesa, o governo Trump retirou-se do INF. A recente decisão russa trata-se de cálculo bastante parecido. A Rússia ratificou um tratado nuclear que não se aplicava aos EUA, logo, para igualar as condições entre os dois países, o governo russo determinou a revogação do tratado. Na verdade, entretanto, praticamente nada vai mudar.

Obrigação nenhuma

O CTBT nunca entrou em vigor. Ele não se aplicava aos russos, tampouco se aplica ao Brasil ou a quem for. Alguém pode dizer que, ao ratificar um tratado, um Estado demonstra a vontade de cumprir seu texto. Perfeito, mas não haveria nenhuma sanção possível, nada, já que, repete-se, o tratado que proíbe totalmente os testes nucleares nunca entrou em vigor. Em parte, por causa dos EUA.

Uma particularidade do CTBT é que ele possui uma lista chamada Anexo 2, uma lista de quarenta e quatro países que, no período das negociações do texto, possuíam armas nucleares ou reatores nucleares ativos. É um elemento importante e interessante. Basicamente, o texto reconhece que o tratado só terá alguma utilidade caso todos esses países concordem com ele.

Embora sejam assinaturas com sua importância, especialmente simbólica, pouco adiantaria apenas países como Paraguai, Camboja ou Vanuatu ratificarem um tratado desses. Não são países com capacidade de desenvolverem armas nucleares. O CTBT entrará em vigor 180 dias após a ratificação por esses quarenta e quatro estados com capacidade nuclear listados no Anexo 2 do tratado.

Oito Estados listados no Anexo 2 não ratificaram o tratado. China, Egito, Irã, Israel e os Estados Unidos assinaram, mas não ratificaram. Índia, Coreia do Norte e Paquistão nem mesmo assinaram. Por isso, o tratado nunca entrou em vigor e não gera observações para os países que o ratificaram, caso do Brasil, um país listado no Anexo 2 que assinou na cerimônia inaugural em 24 de setembro de 1996 e ratificou em julho de 1998.

Além disso, devido aos mais modernos testes subcríticos, há pouca necessidade de grandes testes nucleares hoje. O último realizado pelos EUA, país responsável por quase metade das explosões nucleares da História, foi em 1992, e a Rússia pós-soviética nunca o fez. No fundo, então, trata-se de polêmica e de alarmismo vazio. Infelizmente, duas palavras muito vendáveis na internet e em tempos de caça-cliques.

Conteúdo editado por:Bruna Frascolla Bloise
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