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O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, em discurso.
O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, em discurso.| Foto: EFE/ Luis Lidón

Mais de oito milhões de húngaros podem ir às urnas no próximo domingo para decidir se Viktor Orbán continuará chefiando o governo do país, cargo que ocupa desde 2010. A eleição é vista como um possível ponto de clivagem em diferentes aspectos. Contra ele e o seu partido conservador, o Fidesz, está uma mega coalizão de oposição que une desde outros conservadores até social-democratas, passando por liberais e verdes. A questão é: a oposição tem alguma chance de vitória?

Como explicamos aqui em nosso espaço em outubro de 2021, Viktor Orbán é o mandatário húngaro desde 2010, mais uma primeira passagem pelo poder entre 1998 e 2020, totalizando quase quinze anos na chefia do governo de seu país. Ele também é o líder de seu partido, o Fidesz, desde 1993 de forma quase ininterrupta, salvo um hiato entre 2000 e 2003, para um total de vinte e cinco anos como manda-chuva do partido que, sob Orbán, se deslocou no espectro político. Originalmente um partido liberal de centro-direita, hoje, o partido é conservador e nacionalista, com um discurso populista e Eurocético.

A Oposição Unida é formada por dez partidos com apenas duas bandeiras em comum: pró-União Europeia e fora Orbán. Seu candidato é Péter Márki-Zay, prefeito de uma pequena cidade na fronteira com a Romênia, de um partido pequeno e um católico praticante de perfil conservador clássico. Em jogo estão as 199 cadeiras da Assembleia Nacional. Cem cadeiras garantem uma maioria simples e 133 cadeiras proporcionam uma supermaioria de dois terços, que permitem alterar a constituição do país sem maiores percalços.

Missão observadora

Orbán governa com supermaioria desde 2010, somando o Fidesz e sua coalizão com o partido Democrata Cristão. Nesse tempo, ele conseguiu concentrar cada vez mais poder em seu governo e seus aliados. Hoje, praticamente toda a imprensa húngara está nas mãos de aliados de Orbán e recebe dinheiro governamental, e o país sofreu seguidos rebaixamentos em índices de liberdade de imprensa, de expressão e de transparência governamental. A centralização é tamanha que a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa vai enviar uma missão observadora para averiguar a lisura do pleito húngaro.

Trata-se apenas da segunda vez na História que uma eleição de um país integrante da União Europeia é alvo de tal escrutínio. E a relação com a União Europeia é um dos possíveis pontos de clivagem representados no pleito. Uma vitória da oposição seria um primeiro passo para melhorar as relações entre Budapeste e Bruxelas, enquanto uma vitória do governo deve aprofundar a distância entre a Hungria e os principais parceiros europeus, como França e Países Baixos.

Isso, obviamente, se reflete na campanha. O governo Orbán afirma que uma vitória da oposição significaria que a Hungria ficaria submetida ao “globalismo liberal”, ao investidor húngaro George Soros, que o país seria tomado por imigrantes e “ideologia de gênero”. A oposição, por sua vez, afirma que o governo, apesar de sua retórica, é viciado em utilizar as verbas da União Europeia para proveito partidário e corrupção. De fato, como já explicado aqui em nosso espaço, a Hungria é o terceiro país que mais recebe recursos da UE, totalizando 29 bilhões de euros entre 2014 e 2020.

Guerra na Ucrânia

No último mês, outro aspecto das relações externas húngaras ganhou muita força na campanha. Márki-Zay acusa Orbán de ser complacente com Vladimir Putin e de agir como “garoto de recados” da Rússia dentro da UE e da OTAN. Para o oposicionista, a Hungria precisa ter papel maior nas sanções contra a invasão da Ucrânia pela Rússia. O governo, embora não tenha bloqueado as sanções europeias contra os russos, seguidamente se recusou a anunciar planos de que pretende mudar as relações energéticas com a Rússia, no que seria outra possível clivagem após o pleito.

Inclusive, Orbán se encontrou com Putin no último dia primeiro de fevereiro, semanas antes da invasão, quando acordaram um novo contrato de fornecimento de gás natural. Válido por quinze anos, prevê cinco bilhões e meio de metros cúbicos ao ano, aumento de um bilhão em relação ao contrato anterior. O governo húngaro também estaria dificultando o trânsito de armas de países da OTAN para a Ucrânia via o seu território. Nas últimas semanas é justo a guerra na Ucrânia que dominou o debate político no país, e a estratégia da oposição está se mostrando um fracasso.

O governo Orbán promove as suas políticas em relação ao conflito como a defesa dos interesses energéticos do país e manutenção da paz, acusando que a oposição seria “subordinada” à “políticas belicistas” vindas do estrangeiro. E o governo está vencendo a briga por corações e almas em relação ao conflito. No início do ano, as pesquisas eleitorais apontavam pequena vantagem do Fidesz, na casa dos 3%. No começo de março, a vantagem subiu para 5%, enquanto as pesquisas mais recentes já apontam uma vantagem de 8% do número de eleitores.

Distritos e vitória

Parece uma vantagem pequena, mas não é, devido às características do sistema eleitoral. O atual parlamento, controlado por Orbán, alterou as regras eleitorais em dezembro de 2020. Como resultado, a vida dos partidos menores ficou mais difícil. Essa foi, inclusive, uma das razões da criação da frente ampla contra Orbán, aglutinando diversos partidos. Além disso, das 199 cadeiras, 106 são decididas em distritos eleitorais, enquanto outras 93 são alocadas proporcionalmente, com números menos exigentes para os partidos que representam minorias nacionais. Atualmente, um parlamentar foi eleito pela minoria alemã.

O que essa distribuição de vagas significa? Que a maioria dos assentos vai para o candidato localmente melhor votado, favorecendo lideranças regionais de distritos rurais e cidades menores, onde o Fidesz é mais forte. Em regiões mais populosas, a prática do “Gerrymandering” é comum. Esse termo em inglês é importado da política dos EUA e significa quando o desenho de um distrito eleitoral é feito pelo governo da vez da forma que mais lhe beneficie. Desde 2010 no poder, é a máquina estatal controlada pelo governo Orbán que desenhou os distritos eleitorais que ele disputará.

Por isso que, embora as pesquisas apontem cerca de 50% dos votos para a coalizão governista, a estimativa é que Orbán brigue pela supermaioria de dois terços, graças às vitórias distritais. Alguns comentários políticos na Hungria já apontam que a briga da oposição não será mais por uma vitória, conformando-se com apenas evitar uma supermaioria. A “última esperança” da oposição é um comparecimento eleitoral recorde. A Hungria contraria a tendência mundial, de menor comparecimento eleitoral, e cada eleição no país tem mais eleitores do que a anterior. Mesmo assim, um comparecimento maior que 70% do eleitorado,como na última, é improvável.

Trunfo de Putin?

A eleição húngara de 2022 talvez seja uma das eleições nacionais com maior peso para temas internacionais, como a União Europeia e a guerra na Ucrânia. Claro que não se trata apenas disso, também existem pautas internas debatidas. Por exemplo, o gerenciamento da pandemia de covid-19. Com 4.728 mortes por milhão de habitantes, a Hungria é o quarto país com mais mortes proporcionais do mundo inteiro. Inclusive, o aplicativo governamental da pandemia foi utilizado para enviar propaganda eleitoral governista para os cidadãos.

No fundo, a grande questão interna na Hungria é sobre o uso da máquina pública pelos interesses particulares do governante. A comunicação pública é dominada pelo governo, enquanto a mídia privada é dominada por seus aliados, financiada indiretamente pelo mesmo governo. Também é importante destacar que a oposição cometeu alguns erros na campanha, especialmente de mensagem, não conseguindo apelar ao eleitorado mais indeciso. Principalmente, Márki-Zay não se mostrou à altura do desafio e, nos últimos dias, já tem sido alvo de “fogo amigo”, críticas de outros opositores de Orbán.

Se as chances da oposição são pequenas, a grande pergunta é se Orbán terá ou não uma supermaioria, e como isso vai reverberar. Internacionalmente, uma vitória de Orbán pode fortalecer outros governos que sejam ideologicamente próximos, além de manter as fricções na UE. Mais importante, será um potencial trunfo de Putin para um momento pós-guerra na Ucrânia. Internamente, os leitores podem esperar muitos dedos sendo apontados na semana que vem na Hungria, para definir quem foi o culpado pelo revés e já iniciando a briga pelo posto de líder da oposição. O favorito é o verde Gergely Karácsony, prefeito de Budapeste. Depois de ao menos mais quatro anos de Orbán.

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