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Uma foto tirada em 28 de outubro de 2019 mostra o artista sírio Aziz al-Asmar (C) posando com parentes perto de um mural que ele pintou na cidade de Binnish, no noroeste da província de Idlib, representando o presidente dos EUA, Donald Trump, dirigindo uma “peça” com a morte Abu Bakr al-Baghdadi, líder do grupo Estado Islâmico (IS), na Síria.
Uma foto tirada em 28 de outubro de 2019 mostra o artista sírio Aziz al-Asmar (C) posando com parentes perto de um mural que ele pintou na cidade de Binnish, no noroeste da província de Idlib, representando o presidente dos EUA, Donald Trump, dirigindo uma “peça” com a morte Abu Bakr al-Baghdadi, líder do grupo Estado Islâmico (IS), na Síria.| Foto: AFP

Depois de diversos falsos alarmes, Abu Bakr al-Baghdadi, líder do autointitulado Estado Islâmico, foi morto. Na noite do dia 26 de Outubro de 2019, em uma operação de forças especiais dos EUA na região de Idlib, na Síria, perto do Mediterrâneo e da fronteira do país árabe com a Turquia. A morte imediatamente evocou comparações com a morte de Osama bin Laden, em 2011. Semelhanças podem ser apontadas, mas existem algumas diferenças fundamentais entre os casos.

Ambos eram os terroristas extremistas islâmicos mais procurados do mundo. As operações para suas capturas foram delicadas e conduzidas por tropas especialmente treinadas. O presidente dos EUA, seja Barack Obama em 2011, seja Donald Trump hoje, capitalizou a morte do inimigo perante a mídia; por coincidência, em ambos os casos no ano anterior da respectiva tentativa de reeleição. As duas operações também continham componentes de vingança por parte do governo dos EUA.

Vingança contra Bin Laden e al-Baghdadi

Na morte de Bin Laden, obviamente a vendeta era pelos atentados terroristas contra as embaixadas dos EUA na África, em 1998, e contra o World Trade Center em Nova York, no Onze de Setembro de 2001. Já em 2019 a operação dos EUA foi batizada de Kayla Mueller, homenageando a ativista do Arizona que foi escravizada pessoalmente por al-Baghdadi, violentada e morta em 2015. E também em ambos os casos não foram divulgadas imagens dos corpos dos terroristas.

O suposto califa al-Baghdadi detonou um colete com explosivos e se suicidou para evitar a captura, levando a vida de três crianças com ele, possivelmente seus filhos. No caso de Bin Laden, ele foi morto a tiros pelos militares da operação. Alguns poderiam adicionar “supostamente” aos ditos anteriores, já que a ausência de imagens levantou uma série de teorias da conspiração. Até nas Bahamas Bin Laden estaria vivendo! Na verdade, os motivos são bem mais simples e pragmáticos do que teorias obscuras possam dizer.

A ausência de imagens é, primeiro, maneira de distinguir as forças dos EUA das da al-Qaeda ou do Daesh, que exibem os mortos sem pudores, como maneira de radicalizar e recrutar potenciais seguidores, fascinados pelo conteúdo macabro. Além disso, a falta de imagens diminui a possibilidade de ultrajados com a exposição, desejosos de vingança. Finalmente, em ambos os casos, os restos mortais foram sepultados no mar, algo bastante excepcional no Islã.

Novamente, prato cheio para conspirações, já que a velha tradição jurídica de “sem corpo, não há homicídio” ainda permeia a sabedoria popular. Mais uma vez, decisões tomadas com motivos objetivos: evitar que o túmulo de um facínora como al-Baghdadi se torne um símbolo para outros extremistas, até mesmo um local de adoração. Nesse caso seria até contraditório, já que al-Baghdadi e seu wahabismo condenam túmulos como locais de adoração por heresia, uma forma de idolatria.

As semelhanças ficam nas circunstâncias. Achar que al-Baghdadi e Bin Laden se equivalem é um erro, por dois motivos. O primeiro deles é que Bin Laden era principalmente um planejador, um executor. Elaborava ações, determinava planos e trazia recursos para a al-Qaeda. Desde a fortuna de sua família até os vastos e importantes contatos que ele possuía, Bin Laden contribuiu para a formação e armamento de diversos grupos desde os anos de 1980, em uma “carreira” de mais de vinte anos.

Diferentes mentores do terrorismo

Já al-Baghdadi era, em essência, um líder religioso. Disseminava sua visão radical de como deveria ser uma sociedade moldada aos princípios mais restritos do Islã. Seu papel de líder era esse, apontar o caminho, mesmo que um caminho violento e genocida contra outras comunidades, como os yazidis. No executivo do Daesh, outros tinham funções mais diretas. Por exemplo, Abu Mohammad al-Adnani, o criador de diversas das táticas de uso da internet para recrutamento e propaganda.

Outro nome era Abu Ali al-Anbari, o governador dos territórios sírios controlados pelo Daesh. Importante destacar que isso não significa que al-Baghdadi não tivesse autoridade executiva, apenas distinguir sua liderança da de Bin Laden. Um era o mentor intelectual, o outro era o mentor ideológico. A trajetória de al-Baghdadi mostra bem essas diferenças. Enquanto Bin Laden era um homem de família influente que pegou em armas, al-Baghdadi passou a vida estudando.

Nascido Ibrahim Awad Ibrahim Ali al-Badri, ele não gostava dos estudos escolares tradicionais, segundo a especialista Rukmini Callimachi. Desde criança seu interesse era o estudo religioso, com uma juventude marcada pelo seu jeito austero de pregação proselitista e intolerante. Graduou-se, fez mestrado e doutorado em teologia em Bagdá, daí seu nome de guerra: al-Baghdadi significa “de Bagdá”. O foco do xeque Ibrahim, assim chamado por seus alunos, era “remediar os vícios” da comunidade.

E aqui entra a segunda diferença entre eles: al-Baghdadi ousou se proclamar califa do Islã. Mesmo que reconhecido como tal por ninguém mais fora de seu círculo, foi um movimento ambicioso e simbólico. O califa é uma liderança tanto religiosa quanto política, um monarca absoluto, em uma analogia simples com uma figura ocidental que carrega todos os problemas das analogias, mas pode ajudar. Um herdeiro direto de Maomé, o primeiro califa, com autoridade por toda a ummah, o conjunto dos muçulmanos.

Na prática, o califado foi abolido quando Mehmed VI perdeu seu poder, o último sultão otomano, que também era o califa. Em teoria, seu sucessor ainda ocupou a posição, sem influência prática alguma. Para se proclamar califa, al-Baghdadi usou uma versão romantizada da sua vila de origem, Al Jallam, no Iraque. Supostamente, a tribo da vila é descendente dos coraixitas, a tribo árabe de Maomé, o que faria de al-Baghdadi um parente do profeta, requisito para um califa.

Novamente o simbolismo do seu nome adotado é claro: Abu Bakr, traduzido como Abubacar, foi o primeiro califa, o sucessor direto de Maomé, seu único companheiro na Hégira. Abubacar de Bagdá seria o califa do ano de 2014; ou 1435, no calendário muçulmano. Naquele momento, o Daesh controlava um território do tamanho da Hungria e organizava até campanhas de vacinação e expedição de certidões de nascimento e habilitações para motoristas.

Junto disso, uma máquina de extorsão, de violência, de brutalidade e de contrabando de petróleo, que mantinha o Daesh funcionando; além de possíveis financiamentos exteriores. O papel de al-Baghdadi era legitimar essa estrutura e dar alguma coesão aos milhares de fanáticos de diversos lugares do mundo. Não era ele que puxava gatilhos ou levantava recursos. Ao mesmo tempo, suas palavras e sua figura contribuía para a propaganda, um atrativo de servir ao suposto califa de todo o Islã.

Enquanto a morte de Bin Laden foi um golpe direto e rápido na capacidade de articulação da al-Qaeda, de muitos efeitos de curto prazo, a morte de al-Baghdadi carrega um simbolismo muito maior para seus adeptos. No curto prazo, de um Daesh cada vez mais encurralado e sem território, o impacto será mais moral do que prático. No longo prazo, entretanto, a morte do suposto califa pode ter um legado mais duradouro e problemático do que a de Bin Laden, com fanáticos clamando serem sucessores ou vingadores dele.

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