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Primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, discursa em um vídeo gravado para a Assembleia Geral da ONU| Foto: Manuel ELIAS / NAÇÕES UNIDAS / AFP

Semana passada demos uma olhada nos discursos de EUA e da China na 75ª Assembleia Geral da ONU, agora é hora de passar pelos discursos das outras três potências permanentes do Conselho de Segurança. Infelizmente, o evento online impediu um encontro “casual” pelos corredores entre Putin, Macron e Trump, por exemplo. Ainda assim, alguns recados foram dados.

Vladimir Putin falou ainda na primeira sessão de discursos, o oitavo país na ordem. Seu vídeo teve cerca de dezoito minutos, em russo, um dos idiomas oficiais da ONU. Essa é uma informação interessante para estudantes de idiomas, já que todos os discursos são traduzidos nos seis idiomas oficiais, incluindo áudio. Ou seja, um brasileiro que esteja estudando árabe ou francês pode ouvir a versão traduzida do pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, comparando com o português para estudar o idioma.

Rússia

Enquanto Trump e Xi falaram da pandemia do novo coronavírus como ou um jogo de culpa, no caso dos EUA, ou um desafio para a humanidade, no caso da China, Putin teve uma abordagem mais simbólica e emocional da pandemia, pedindo pela lembrança da memória das vítimas, especialmente nos idosos, e que o mundo precisa cooperar para evitar a perda de até 400 milhões de postos de trabalho, defendendo a cooperação de saúde via a OMS e que os países ricos precisam ajudar os países mais pobres a lidar com vírus.

Falando em OMS, Putin se juntou ao seu aliado Xi em defesa de uma ordem multilateral, mencionando explicitamente o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, a necessidade de renovar o acordo de limite de armamento nuclear com os EUA e a cooperação mundial para impedir que as novas tecnologias de inteligência artificial sejam usadas para propósitos extremistas.

Finalmente, Putin mencionou a reforma do Conselho de Segurança, mas por “consenso” e evitando que o poder de veto seja minado, citando até o fracasso da Liga das Nações. O paralelo se baseia no fato de que a Liga não tinha um poder executivo real, ao contrário do Conselho de Segurança. A posição russa flutua em torno da ideia de aumentar o número de membros permanentes do Conselho de Segurança, mas sem expandir o poder de veto ou limitá-lo em relação aos novos integrantes.

França

O presidente francês Emmanuel Macron fechou a primeira sessão de pronunciamentos, com cerca de quarenta minutos de fala, abrangendo uma vasta gama de tópicos. O leitor, entretanto, pode poupar seu tempo e confiar na coluna. Macron apresentou o quarto foco diferente em relação ao coronavírus. Depois do jogo da culpa, do desafio da humanidade e da memória das vítimas, veio o louvor da coragem dos que estão na “linha de frente” contra o vírus: profissionais de saúde e de abastecimento alimentar.

Macron também defendeu a cooperação mundial contra a pandemia e aqui entra o tom principal de seu discurso: o de buscar uma distância intermediária entre Trump e Xi, entre a autoridade nacional e o multilateralismo, entre a responsabilização e a cooperação. Ao falar da OMS, por exemplo, ele criticou tanto os que “a acusam de complacência” quanto os “que a manipulam”. Ou seja, tanto EUA quanto China.

Ao criticar a “falta de cooperação internacional”, ele disse que “dois membros do Conselho de Segurança” preferiram trabalhar suas rivalidades e aprofundar as rachaduras que já existiam antes. Ainda assim, é interessante destacar que, embora Macron tenha criticado as duas potências e tenha transmitido a ideia de uma Europa forte e unida como verdadeira opção internacional, ele teve palavras mais carinhosas ao falar dos EUA, lembrando da “História que nos une”. Afinal, independente do que Hollywood tente transmitir, a guerra de independência dos EUA foi, num sentido mais amplo, uma guerra entre britânicos e franceses.

No propósito de destacar a liderança francesa e europeia, Macron propôs cinco prioridades internacionais. A luta contra a proliferação de armas de destruição em massa e contra o terrorismo; soberania igual entre os povos pela estabilidade; cooperação no bem comum global, como saúde, clima e o espaço digital; uma nova era da globalização; respeito aos direitos fundamentais de todos. Todos os pontos vinham acompanhados de exemplos de ações francesas e críticas. No caso do quinto, Macron citou explicitamente sua preocupação com a situação dos uigures na China.

Reino Unido

Já no sábado, dia 26, foi a vez do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, falar por cerca de dezoito minutos. Seu pronunciamento começa com uma referência religiosa, dizendo que a humanidade precisa estar unida como nunca antes, “ao menos desde quanto o Todo-poderoso derrubou a Torre de Babel”. Criticou o “salve-se quem puder” durante a pandemia, citando as questões fronteiriças europeias feitas “sem consulta aos amigos” e uma “guerra de cheques” nas pistas de aeroporto por suprimentos de saúde.

Boris Johnson, um ferrenho brexiteer, deve ter causado calafrios nos chamados “anti-globalistas”. Pediu por maior cooperação internacional e aprofundamento da OMS, chamando seu diretor-geral, Tedros Adhanom Ghebreyesus, de “meu amigo”. Disse que o mundo recebeu alerta antecipado o suficiente sobre a pandemia, citando que “desde 2015, Bill Gates já avisava sobre o risco de um vírus”.

Curiosamente, todo seu pronunciamento foi sobre a pandemia do novo coronavírus, buscando transmitir a ideia de que o Reino Unido está capitaneando um grande esforço nessa luta. Maior cooperação global, doações para programas de saúde e de pesquisa, incluindo a defesa da necessidade de pesquisar patógenos antes de um surto, a ferrenha exposição da chamada “vacina de Oxford” e da campanha de vacinação idealizada por seu governo. Defendeu uma linha de suprimentos estável de insumos de saúde, “respeitando o livre mercado” e as vantagens competitivas.

Aqui, Boris Johnson usou e abusou das referências históricas e culturais britânicas. Ao falar de mercado, citou Adam Smith e David Ricardo, lembrou que a primeira sessão da ONU foi em Londres e encerrou com Edward Jenner, o britânico pioneiro da vacina. Foi um discurso supreendente, em tom e em conteúdo. Principalmente, Boris Johnson se esquivou da disputa China e EUA, ao menos publicamente e no principal palco. Focou-se na pandemia e em questões de saúde, menos políticas. Uma abordagem prudente.

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