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O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, durante a cúpula da OTAN nesta semana, em Madri
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, durante a cúpula da OTAN nesta semana, em Madri| Foto: EFE/J.J. Guillén

A Turquia retirou seu veto à entrada da Finlândia e da Suécia na OTAN. Isso abriu caminho para a admissão dos dois países escandinavos como integrantes da aliança, rompendo históricas políticas de neutralidade. Desde o início, o suposto veto turco não era definitivo, com o país buscando barganhar, “criando a dificuldade para vender a facilidade”, no ditado popular. Ao fim das contas, o que a Turquia ganhou e quais as eventuais pegadinhas nessa barganha final?

Segundo o memorando assinado pelos três ministérios de Relações Exteriores, Suécia e Finlândia não vão embargar vendas de armas para a Turquia, vão apoiar a entrada da Turquia no mecanismo PESCO, interromperão “apoio” aos grupos curdos, vão alterar suas leis sobre terrorismo e extraditar “suspeitos” de terrorismo. Os três países vão compartilhar inteligência e estabelecer um “mecanismo conjunto” de consultas sobre justiça e segurança.

Em um olhar precipitado, parece que a Turquia de Erdogan conseguiu tudo o que queria, mas, em um olhar mais atento, nota-se que muito disso é pegadinha, feita para consumo popular. Vender ao público como uma grande vitória o que é praticamente formalidade ou apenas, em bom português, jogo de cena. Primeiro, o tal “embargo de armas”. No caso finlandês, ele sequer existia na prática, apenas em teoria.

Detalhes

A Suécia chegou a vetar algumas exportações de equipamentos sensíveis para a Turquia mas, quando os três países tornam-se membros da OTAN, eles passam a estar no mesmo patamar de integrantes da aliança. O país que iniciou o bloqueio de algumas exportações de armamentos para a Turquia foi os EUA, não a Suécia ou a Finlândia. Esse bloqueio se dá tanto pela aquisição turca de sistemas russos quanto pela ofensiva turca na Síria.

A interrupção de “apoio” aos grupos curdos foi feita em uma grafia intencionalmente subjetiva e a Suécia classifica os grupos curdos como terroristas desde a década de 1980. Extradição de “suspeitos” de terrorismo? Esse é um processo judicial, a ser decidido pelas cortes dos dois países, não é algo que o Executivo pode garantir. Compartilhar inteligência? Oras, outra coisa que já ocorreria, já que os países serão aliados no âmbito da OTAN.

Nos próximos meses, certamente teremos uma sequência de eventos parecida com a seguinte. A Turquia solicita extradição de militante curdo refugiado em país escandinavo. O governo turco, inclusive, já forneceu uma lista, nomeando 33 pessoas que integravam organizações curdas acusadas de terrorismo e que atualmente estão ou na Suécia ou na Finlândia.

Após a solicitação turca, o governo do país escandinavo recebe a solicitação e encaminha para seu Judiciário. Em um processo bastante demorado, a corte “senta” no pedido e, demoradamente, decide contra a extradição, seja pelo direito ao refúgio, seja por considerar que a Turquia não cumpre algum requisito para a extradição. A decisão motiva uma reclamação do governo turco.

O governo escandinavo vai afirmar que fez o que estava ao seu alcance e que precisa respeitar a autonomia do poder Judiciário, e a Turquia vai aceitar a decisão sob protesto. Tudo isso enquanto todos estão sentados na mesma mesa da OTAN, em um teatro para os diferentes públicos. A Turquia, claro, ainda vai manter a postura de que pode vetar os dois países, mas já conseguiu manter a aparência de ter vencido.

Pode ser, até mesmo, que um ou outro ativista seja de fato extraditado, caso responda por algum crime grave e objetivo, como homicídio. A principal “facilidade” que a Turquia queria vender é pensando no fornecimento de armamentos. Nesse caso, Suécia e Finlândia serviram de cartas na manga turca para as conversas com o principal parceiro da OTAN e maior potência militar do mundo, os EUA.

Caças

Erdogan teve um encontro bilateral com Joe Biden, em que o presidente dos EUA falou publicamente que “apoia os esforços turcos de modernizar sua força aérea”. Em bom português, o governo dos EUA provavelmente vai atender ao pedido turco de comprar 40 novos caças F-16, mais 80 kits de modernização para os F-16 já em serviço na Turquia.

Essa venda estava congelada pelos EUA desde 2019, quando Washington também tirou a Turquia do programa do caça de última geração F-35, ambas decisões como represália pelo fato de a Turquia ter adquirido sistemas antiaéreos russos. A Turquia sabe que dificilmente conseguirá retornar ao programa F-35 no curto prazo, ainda mais com a atual guerra, mas é um primeiro passo importante.

O passo seguinte será garantir o fornecimento de componentes ocidentais que a Turquia deseja incorporar na sua própria indústria bélica. Detalhe importante é que Washington vai manter sua tradicional política de equilíbrio em vendas de equipamento militar, e os históricos rivais da Turquia, a Grécia, também serão “contemplados”, podendo adquirir até 20 caças F-35, os mesmos de última geração que a Turquia “perdeu”.

Ao final do dia, a Finlândia e a Suécia serão membros da OTAN, como desejam. A Turquia vai remover parte dos embargos de vendas de armas e seu governo vai conseguir vender ao público uma vitória diplomática. Os EUA mantém seu papel de articulador da aliança e adquire um contrato polpudo de venda de armas. Longe de ser uma “vitória turca”, na verdade, praticamente todos os envolvidos ganharam alguma coisa.

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