Confirmando o favoritismo, Boris Johnson é o novo líder do Partido Conservador e premiê britânico. O ex-prefeito de Londres é muitas vezes visto como uma figura caricata, mas é necessário ir além. Ele foi um dos primeiros políticos mainstream que apoiou abertamente a saída do Reino Unido da União Europeia. Além do cabelo engraçado e das declarações “polêmicas” (por certas vezes preconceituosas), sua eleição para liderar o governo britânico nestes últimos meses de Brexit é algo importante.
Na mais recente aparição do tema aqui nesse espaço, com a renúncia de Theresa May, foi lembrado que a ex-premiê não era uma entusiasta do Brexit, uma brexiteer. Ao contrário, ela defendia a permanência na UE durante o governo Cameron, quando Ministra do Interior. Seu foco eram as questões de fronteiras e de segurança. Nesses três anos em que ela ocupou o cargo, essa falta de apoio incondicional ao Brexit era visto como uma fraqueza e a suposta razão de seu fracasso no cargo.
O fracasso de May e o do partido
Sim, May fracassou na missão do Brexit. Ela assumiu com duas bases: resguardar o partido de maiores consequências e impedir um Brexit litigioso. Buscou, em todo momento, uma saída com acordo. Ao mesmo tempo, não conseguia passar tal acordo em um parlamento cada vez mais pulverizado e dividido, fugindo da habitual coerência partidária britânica: alguns conservadores contra o Brexit, trabalhistas pela saída da UE, partidos menores cada vez mais importantes para as votações apertadas.
A mesma May, entretanto, recebeu uma missão extremamente ingrata, um abacaxi dificílimo de descascar. Ela fracassou, mas o maior erro foi o de seu partido, de colocar alguém para equilibrar interesses díspares e contraditórios numa tarefa inglória que ela jamais apoiou abertamente. O discurso do partido foi o de buscar “o melhor Brexit possível”, tentando conciliar os interesses de todos os setores envolvidos, mesmo quando eles se anulavam. Os conservadores precisavam, desde o início, ou abraçar o Brexit, ou se distanciar dele.
Se Cameron renunciou por não ser um brexiteer, somente faria sentido substituí-lo por alguém que fosse um. Esse alerta já havia sido feito na época; não nesse espaço pois não existia. Se a ideia era mitigar os danos, não deu certo. Empresas já saíram do Reino Unido, a libra esterlina perdeu valor, a indecisão na fronteira irlandesa continua, os cidadãos europeus no Reino Unido continuam ansiosos com seu futuro. E nada disso foi acompanhado da suposta maior liberdade que viria com o Brexit.
O governo May conseguiu anunciar apenas alguns tímidos pré-acordos comerciais com alguns países da Commonwealth, como Fiji, país com produto interno bruto de menos de dez bilhões de dólares por ano. Pode-se dizer que foram três anos perdidos tentando agradar gregos e troianos, sem chegar aos pontos concretos. A questão é que boa parte dessa responsabilidade é do partido dos conservadores, não é exclusiva de Theresa May, que pode ser transformada em bode expiatório.
Depois de todo esse tempo que o governo fica nas mãos de um brexiteer. Na sabedoria popular, “quem pariu Mateus que o embale”. Três anos depois e em cima do prazo, já que o Brexit ocorrerá no dia 31 de Outubro de 2019. Boris Johnson já aparou algumas arestas em seu discurso, de acordo com a liturgia do cargo; não é mais um político em campanha, mas agora é o líder executivo de todo o Reino Unido, de todos os cidadãos e de todos os partidos. Nesse sentido, já disse que o ideal é um Brexit com acordo.
Convicção
A diferença é que Johnson banca um Brexit mesmo sem acordo, que ele fará o melhor possível de acordo com a decisão popular tomada em referendo, não apenas tentar equilibrar interesses diversos. Ele pode fracassar também? Sem dúvidas, assim como pode ter sucesso. A questão aqui não é torcida favorável ou jogar tomates, é meramente apontar que finalmente notaram o óbvio: uma tarefa dessas caberia, desde o início, aos seus defensores.
Não se trata de uma questão técnica ou objetiva, quando um economista pode executar um plano mesmo quando ele destoa de suas visões, ou quando um diplomata deve seguir uma política de Estado, independente dele ou de seu governo serem de esquerda, de direita, do que for. Um juiz em alguns estados dos EUA pode ser defensor da pena capital e, nem por isso, a colocará numa sentença quando o caso não a justificar. Exemplo maior, o monarquista barão do Rio Branco foi o maior diplomata sob a bandeira da república.
Já o Brexit consiste de uma ruptura com uma política externa de décadas e também de forte tensão interna. Acima de tudo, essa ruptura possui origem numa escolha ideológica, entre ser britânico e ser europeu. Cada resposta possui seus prós e seus contras, e a maioria das respostas foi a de optar pela identidade britânica. Seria como um político anti-UE assumir como presidente da Comissão Europeia, ou um monarquista pró-Reino Unido assumir um governo australiano que proponha um rompimento em forma de república.
Esses para ficarmos em exemplos contemporâneos. Um olhar histórico para grandes projetos que partem de premissas ideológicas forneceria ainda outros exemplos. E um motivo bem simples já mostra como o alinhamento ideológico é positivo: convicção. May não tinha convicção no Brexit, buscava apenas reduzir danos. Toda e qualquer pauta, da mais fácil até a mais complexa, era exposta como “vamos negociar”, “veremos”. Boris Johnson, apenas em sua mudança de tom, já mudou a postura britânica.
Deixou claro que não aceitará o backstop da fronteira irlandesa, que os cidadãos europeus poderão permanecer no país, que as relações com os EUA serão a prioridade após o Brexit. Como? Não sabemos; em verdade, tampouco ele sabe, já que o backstop é um problema sem solução viável no horizonte. Faltando meses para o prazo final, entretanto, o tom de Johnson, goste-se ou não da pessoa, já injetou novo ânimo para a solução do divórcio, mostrou onde May falhou e escancarou como seu partido protelou esse plano.
Quais ONGs cooperaram com Moraes e são alvo do Congresso nos EUA
MST elege 133 candidaturas entre militantes próprios e políticos apoiadores da causa
Lula põe o comércio exterior brasileiro a serviço de terroristas e assassinos
Censura ineficaz: banimento do X no Brasil teve impacto mínimo no uso da rede social
Deixe sua opinião