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Apoiadores do partido islâmico Jamaat-e-Islami seguram bandeiras da Turquia enquanto comemoram a vitória de Recep Erdogan no segundo turno da eleição presidencial turca em Karachi, Paquistão
Apoiadores do partido islâmico Jamaat-e-Islami seguram bandeiras da Turquia enquanto comemoram a vitória de Recep Erdogan no segundo turno da eleição presidencial turca em Karachi, Paquistão| Foto: EFE/EPA/SHAHZAIB AKBER

O segundo turno das eleições presidenciais turcas confirmou as pesquisas e consagrou o reinado de Recep Erdogan. O atual presidente caminha rumo a três décadas no poder, após conquistar o voto de 52,1% dos eleitores do segundo turno, contra 47,8% de Kemal Kilicdaroglu. A vitória de Erdogan significa a continuidade da deterioração democrática da Turquia e das políticas religiosas e expansionistas do país.

Após o primeiro turno, escrevemos aqui em nosso espaço de política internacional que a oposição precisava de um milagre na Turquia, principalmente de uma eventual maior presença do eleitorado no segundo turno. Aconteceu o contrário do que a oposição precisava, já que, no lugar de crescimento do número de eleitores, quase 2 milhões de votantes do primeiro turno preferiram ficar em casa no segundo turno.

Outra questão foi que Sinan Ogan oficialmente apoiou Erdogan, fechando um acordo no dia 22 de maio. O candidato nominalmente independente ficou em terceiro lugar no primeiro turno, com mais de 5% dos votos. Ele era integrante do Partido do Movimento Nacionalista, conhecido pela sigla MHP, mas saiu por ter posições ainda mais extremas. O MHP é um aliado essencial de Erdogan no parlamento, permitindo maioria ao presidente turco.

Eleição desigual e nacionalismo

Uma coisa que é importante frisar é que a eleição não foi justa. Não são palavras desse colunista, mas de Farah Karimi, coordenador da missão observadora da Organização para Segurança e Cooperação na Europa. Apontando questões como domínio estatal da mídia e restrições à liberdade de expressão, ele afirmou que as eleições não foram marcadas por fraudes, mas não foram justas, com “vantagem injustificada” ao atual mandatário.

Esse é o primeiro ponto de análise da vitória de Erdogan. O autoritarismo do Estado turco e a corrupção das instituições turcas vão continuar e ganhar fôlego pelos próximos cinco anos. São dezenas de milhares de presos políticos, expurgos nas forças armadas e no judiciário, e intervenção partidária nas escolas e nas universidades. Tudo isso acompanhado de um forte tom nacionalista e religioso.

O grande símbolo dessa política nacionalista e islamista de Erdogan foi a conversão do museu de Hagia Sophia em mesquita, em plena pandemia de Covid-19. Mesmo essa eleição foi desenhada para datas que fortalecem o discurso de Erdogan. O primeiro turno foi realizado em 14 de maio, mesmo dia em que, em 1950, o Partido Popular Republicano foi derrotado pela primeira vez, então liderado por İsmet Inonu.

Conhecido em turco pela sigla CHP, o partido é o lar do Kemalismo, a visão de Mustafa Kemal Ataturk, o “Pai dos turcos”, para a Turquia. É o partido de Kilicdaroglu, derrotado no segundo turno, realizado no dia 28 de maio. O mesmo dia que, em 1453, Mehmet II, liderando os turcos otomanos, entrou em Constantinopla, tomando a capital bizantina, hoje rebatizada como Istambul.

O anúncio do novo governo Erdogan será feito no dia 2 de junho, que celebra o aniversário do pedido oficial para que a comunidade internacional use o nome turco do país, grafado como Türkiye. Tudo isso no ano do centenário da república turca, proclamada em 29 de outubro de 1923. Todas as datas serão utilizadas por Erdogan não apenas para um tom nacionalista, mas também personalista e partidário.

Política externa agressiva

Além da intensificação do discurso nacionalista e religioso, a vitória eleitoral certamente será vendida como uma aprovação popular da política externa de Erdogan. A Turquia é uma potência regional desde sua fundação, em 1923, e sua localização dá uma importância geopolítica ao país muito maior do que inicialmente seria justificado, pensando apenas em índices econômicos, por exemplo.

Erdogan, entretanto, ativamente conduziu uma guinada na política externa turca. Distanciou-se da Europa, focando em seu entorno estratégico, onde pode ser muito mais agressivo. Hoje, a Turquia ocupa partes da Síria e ocupou partes do Iraque, além de ter realizado operações militares em ambos os países. É um ator ativo em questões do Golfo, como a recente crise do Catar, e apoia o Hamas em Gaza.

A Turquia também é importante aliado da ditadura do Azerbaijão, sendo essencial para a vitória azeri na guerra contra a Armênia, em 2020. “Aliado”, nesse caso, é quase um eufemismo, já que o Azerbaijão está mais para um proxy turco em temas militares. O citado nacionalista Ogan, inclusive, possui profundos laços com a família Aliyev, que governa o Azerbaijão, e compartilham o “sonho” pan-túrquico de união dos Estados.

A agenda agressiva na política externa se relaciona ao discurso e estética nacionalistas internos. Erdogan frequentemente usa símbolos do período otomano, quando o império era uma potência global, não apenas regional. Recentemente, na Liga Árabe, o ditador sírio Bashar al-Assad alertou sobre o que vê como “perigo otomano”. Nas pretensões globais, estão as relações entre Turquia e Rússia, além do papel turco de mediador na Ucrânia.

A Turquia precisa equilibrar quatro aspectos em sua atual relação com a Rússia. Primeiro, a Rússia é fonte de cooperação tecnológica em um nível a que nenhum outro país está disposto. A Rússia constrói reatores nucleares na Turquia e fornece tecnologia militar de ponta. Segundo, a Rússia é fonte de hidrocarbonetos, que servem ou de fonte energética barata ou são repassados aos europeus, “lavando” o gás russo das sanções.

Terceiro, ainda assim, russos e turcos são rivais estratégicos históricos, compartilhando o mesmo espaço geográfico. Possuem pautas conflitantes no Mar Negro e no Cáucaso. A cooperação em alguns campos contrasta com o enfrentamento direto em outros. Por exemplo, na Síria, onde a Rússia é a maior aliada de Assad, que vê hoje na Turquia a maior ameaça ao seu poder.

Finalmente, a Turquia é um país da OTAN. Mesmo que esteja com as relações frias com os EUA ou os europeus. Ao contrário do que os tweets de um partido marginal da esquerda radical brasileira dizem, a OTAN é parte essencial dos cálculos políticos turcos e de Erdogan. Maior exemplo disso é a construção do Canal de Istambul, tema de coluna em junho de 2021, que vai aumentar a presença da OTAN no Mar Negro.

Economia e refugiados

O discurso nacionalista e a agenda externa agressiva possuem funções também no cotidiano dos turcos. Erdogan gerencia uma economia em crise. Após o resultado da eleição, a lira turca chegou ao menor valor da história. Considerando desde quando ele está no poder, a crise é sua responsabilidade direta. Provavelmente não sabe como resolvê-la no curto prazo. O que sobra é atacar os vizinhos e culpar os que não são turcos.

Curdos e armênios costumam ser a bola da vez. Gregos e europeus em geral, por vezes também. Nos próximos meses, certamente teremos os sírios eleitos “culpados” da crise na Turquia. Hoje, cerca de 2 milhões de refugiados sírios vivem na Turquia. Culpar refugiados por problemas econômicos não é nenhuma novidade. O estranho seria ver um autocrata como Erdogan assumir responsabilidade pelos próprios erros.

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