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Omar Bongo, presidente do Gabão por 41 anos, encontra-se com George W. Bush em 2008. A queda dos Bongo quebra o alinhamento com os EUA e Ocidente.
Omar Bongo, presidente do Gabão por 41 anos, encontra-se com George W. Bush em 2008. A queda dos Bongo quebra o alinhamento com os EUA e Ocidente.| Foto: Casa Branca/Domínio público

Esta semana, mais um golpe de Estado ocorreu no continente africano. Após as eleições gerais realizadas no último dia 26 de agosto no Gabão, o presidente-ditador Ali Bongo Ondimba foi declarado vencedor no dia 30. Minutos depois do anúncio dos resultados, os militares gabonenses depuseram Bongo, tomaram controle dos pontos estratégicos na capital Libreville e anunciaram um novo governo. Embora seja tentador colocar todos os recentes golpes de Estado na África no mesmo contexto, isso seria superficial e é importante notar algumas particularidades.

O Gabão, desde sua independência da França em 1960, teve três presidentes. O primeiro, Léon M'ba, governou até 1967, quando faleceu de câncer. Foi sucedido por seu vice-presidente, Omar Bongo, que governou até a morte, em 2009. Depois de 42 anos de ditadura, ele foi sucedido por seu próprio filho, Ali Bongo Ondimba, que governou de 2009 até essa semana. A família Bongo instituiu uma verdadeira cleptocracia, acumulando imenso patrimônio e distribuindo riquezas aos seus aliados para se manter no poder, enquanto o país continuou na pobreza.

Omar Bongo alinhou seu país aos EUA e à França no contexto da Guerra Fria, que fingiam não ver a corrupção galopante e o governo autocrático. Tais relações continuaram depois da queda da URSS, com forte presença francesa no país. A riqueza que foi apropriada pelos Bongo vêm do fato do Gabão ser um dos maiores produtores de petróleo da África, além de outras riquezas minerais como o manganês. Embora tenha um dos maiores PIB per capita da África, na prática, quase 40% da população vive na pobreza, com alto desemprego em um país de baixíssima densidade populacional.

Os Bongo, supostamente, venceram dez eleições seguidas desde 1967, com regras sobre tamanho e limites de mandatos mudando constantemente. Segundo os resultados oficiais das eleições de 2016, por exemplo, Ali Bongo Ondimba teria recebido 95,5% dos votos em sua província natal, com um comparecimento de 99,9% do eleitorado local. Não é injusto desconfiar de fraudes beneficiando a família que controla todas as instituições nacionais por mais de cinquenta anos. Foi o que aconteceu nessa semana, após ser divulgado que ele teria vencido as novas eleições com 64% dos votos.

Golpe militar

Os militares acusaram as eleições de serem fraudulentas, depuseram o presidente, criaram a uma junta militar batizada de Comitê pela Transição e Restauração das Instituições e anunciaram o general Brice Oligui Nguema como "presidente da transição". Formado no Marrocos, o general Nguema comandava a Guarda Republicana, uma mistura de força militar com polícia responsável pela segurança dos edifícios do governo e das lideranças do país. O Gabão, tendo uma população de pouco mais de dois milhões de pessoas, com um terço vivendo na capital, possui forças armadas pequenas.

Dada essa importância da capital, a Guarda Republicana é, na prática, a principal força militar gabonesa. Um típico golpe pretoriano, como vários dos últimos dois mil anos. Existem questões, entretanto, que não são “típicas” assim. O golpe no Gabão foi o oitavo golpe de Estado militar na África desde o ano de 2020. Tivemos dois golpes no Mali, em 2020 e um “golpe dentro do golpe” em 2021, um na Guiné e um no Sudão em 2021, dois em Burkina Faso, ambos em 2022, e um no Níger, no último mês de julho. Dos oito golpes, sete ocorreram em países francófonos.

Nessas antigas possessões coloniais francesas na África, a França exerce até hoje grande influência, como presença militar, presença econômica e o controle monetário, via as duas moedas chamadas Franco Africano, controladas pelo tesouro francês. Falamos um pouco dessa questão francesa na recente coluna “Mais uma queda de braço entre França e Rússia na África?”. É possível que o recente golpe no Gabão, então, se encaixe em um fenômeno mais amplo de enfraquecimento da presença francesa na África, seja por uma pressão adversária, da Rússia, seja por um desgaste próprio.

A exceção aos golpes em países francófonos é o Sudão, ex-protetorado britânico, onde o golpe militar foi contra a junta civil instituída após a revolução popular que derrubou o ex-ditador Omar al-Bashir. Outra questão que diferencia os golpes de Estado é a geracional. Atualmente, os militares que governam o Mali, Burkina Faso e a Guiné são jovens oficiais de patentes intermediárias. No caso do Mali, inclusive, o “golpe dentro do golpe” foi a deposição de oficiais superiores que tomaram o poder. Enquanto isso, no Sudão, no Níger e no Gabão o poder está na mão de generais veteranos.

Generais e milhões de dólares

Essas pessoas já tinham ampla participação política e posições influentes nos governos. Enquanto os jovens oficiais do Sahel levantam bandeiras que lembram o processo histórico brasileiro do Tenentismo, ou seja, desenvolvimentismo e fortalecimento institucional em novos Estados nacionais, os generais veteranos possuem bandeiras e interesses muitas vezes ligados aos próprios interesses. No mínimo, ao apelo das oportunidades que se desejaram. Outra questão é que os países do Sahel enfrentam conflitos internos contra grupos jihadistas, enquanto o Gabão estava em um momento pacífico.

É ingenuidade achar que um general aliado de um ditador que ficou décadas no poder é uma figura nova na política, um renovador, um libertador. É o caso do general sudanês al-Burhan, atual mandatário e ex-aliado de Omar al-Bashir. Também é o caso do general Nguema, que só chegou aonde chegou graças aos Bongo. Muito provavelmente ele foi bem agraciado nesse processo. Segundo o portal estatal catariano Al-Jazeera, Nguema possui um patrimônio de milhões de dólares, incluindo propriedades nos EUA. Já o portal Africanews fala até de ligações com tráfico de drogas.

Enquanto o golpe de Estado militar do Gabão não derrubou uma democracia ou um presidente eleito de maneira justa e transparente, também é necessário manter cautela e ceticismo. Não necessariamente se trata de um avanço democrático ou de um movimento por reformas. Talvez seja apenas a soma de um interesse em enfraquecer a França mais a agenda própria de uma liderança local até agora aliada ao mesmo ditador que derrubou. Uma briga interna. Ou, como diz o ditado, talvez tudo precise mudar para que tudo continue exatamente como está.

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