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Foto de momento antes da partida entre Argentina e Arábia Saudita na fase de grupos da Copa do Mundo, em 22 de novembro de 2022.
Foto de momento antes da partida entre Argentina e Arábia Saudita na fase de grupos da Copa do Mundo, em 22 de novembro de 2022.| Foto: EFE/ Rodrigo Jiménez

A Copa do Mundo de futebol começou e, como todo grande evento esportivo internacional, ela não fica restrita aos gramados e aos gols. Nos mais recentes Jogos Olímpicos, tanto de verão quanto de inverno, trouxemos aqui em nosso espaço de política internacional algumas questões que conectaram os jogos ao cenário internacional. A Copa do Mundo de 2022, em seus primeiros dias no Catar, já forneceu dois momentos que merecem o olhar.

O primeiro deles foi a cerimônia de abertura. Não a cerimônia em si, em sua parte artística, que muitos podem considerar que foi modesta, com alguns breves momentos interessantes, mas ao plantel de dignitários estrangeiros presentes. Chamou a atenção o pequeno número de chefes de governo e de Estado presentes, apenas onze deles, além dos anfitriões do Catar e do secretário-geral da ONU, António Guterres.

Desses onze, apenas três eram de países do Oriente Médio ou do Norte da África. George Weah, Macky Sall e Paul Kagame, presidentes de Libéria, Senegal e Ruanda, respectivamente. Como curiosidade, Weah é ex-melhor jogador do mundo de futebol, eleito em 1995, e um de seus filhos está no torneio, defendendo a seleção dos EUA. Já as presenças de Sall e de Kagame também podem ser explicadas pelo fato de serem, respectivamente, os atuais secretários-gerais da União Africana e da Nova Parceria para Desenvolvimento da África.

Encontro entre Turquia e Egito

Todas as outras grandes autoridades presentes eram de países ou do Oriente Médio ou do norte da África. Ou seja, se o Catar pretendia fazer da abertura do torneio um evento que reunisse grande número de lideranças estrangeiras, fracassou. Ainda assim, ocorreu um momento curioso e digno de atenção. Tivemos o primeiro encontro entre os presidentes da Turquia e do Egito, Recep Erdogan e Abdel Fattah al-Sisi, desde 2013.

Esse foi o ano do golpe militar, liderado por al-Sisi, que derrubou o então presidente Mohamed Morsi, o único presidente da História egípcia eleito de maneira democrática e transparente. Morsi era da Irmandade Muçulmana, movimento islamista considerado terrorista pelos militares egípcios. Desde a revolução de 1952, as forças armadas egípcias consideram a Irmandade Muçulmana como a maior ameaça interna ao modelo republicano, secular e desenvolvimentista do país.

Por outro lado, a Irmandade Muçulmana possui considerável presença e apoio da Turquia de Erdogan. Por esse mesmo motivo que Turquia e Egípcio estão em lados opostos em relação ao Hamas, grupo cuja origem remonta à Irmandade Muçulmana. Diversos integrantes egípcios da Irmandade Muçulmana buscaram refúgio na Turquia. Nos últimos meses, o governo turco tem sinalizado o desejo de se reaproximar de diversos países da região e, aparentemente, o Egito é um deles.

O outro momento que merece o olhar relacionado ao cenário internacional ocorreu no terceiro jogo do torneio, entre Inglaterra e Irã. Na cerimônia de abertura da partida, os atletas iranianos ficaram em silêncio e não cantaram seu hino nacional. A decisão foi tomada pelos jogadores e, em conferência de imprensa, o capitão Alireza Jahanbakhsh afirmou que a equipe se solidarizava com os manifestantes e que “temos que aceitar que as condições em nosso país não são boas e nosso povo não está feliz.”.

Protestos no Irã

É uma referência aos protestos generalizados pelo país cujo estopim foi a morte da jovem Mahsa Amini, ou Jina Amini, em seu nome curdo, sob custódia da polícia de costumes do país. Nos últimos dois meses, ao menos quinze mil pessoas já foram presas e algumas centenas morreram, com os números reais sendo difíceis de precisar nesse momento, com um choque de narrativas entre o discurso oficial e os números de grupos de oposição.

O ato dos jogadores é um duro golpe contra o governo iraniano, que mantém sua retórica de que os protestos são inflamados e orquestrados por interesses estrangeiros, especificamente pelos EUA e por Israel. Que o interesse move as ações dos Estados é um fato, e que esses dois países possuem interesse no enfraquecimento da atual república iraniana é outro fato, daí a não conceder que pautas domésticas e legítimas da população iraniana são legítimas é um erro do governo do país.

Quando os jogadores sinalizam, voluntariamente e no solo de um país aliado da região, o Catar, apoio aos protestos, enfraquecem ainda mais a retórica do governo iraniano. Ou todos os atletas foram cooptados pelos EUA, por Israel ou por quem for? Existe também outro elemento nessa decisão dos jogadores, que é o fato de que os atletas foram criticados publicamente pelo encontro com o presidente Ebrahim Raisi, antes da viagem ao Catar.

Ou seja, eles já eram criticados por, supostamente, não estarem apoiando os protestos e estarem supostamente referendando o governo iraniano. O treinador da equipe, o português Carlos Queiroz, afirmou em entrevista que as pessoas "nem imaginam o que esses homens estão vivendo a portas fechadas nos últimos dias", uma referência à pressão, possivelmente tanto do governo quanto de críticos, em relação à conduta do time.

Independente dos protestos, a seleção iraniana perdeu de seis a dois para os ingleses. Os próximos jogos e eventos talvez despertem outros momentos relacionados ao noticiário global. Por exemplo, o mesmo Irã enfrenta justo os EUA, no próximo dia 29. Até lá, o mundo certamente continuará girando em torno das tensões e das incógnitas habituais, independente de quem vencer entre Costa Rica e Japão.

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