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O presidente do Irã, Ebrahim Raisi, em visita a Cuba na semana passada
O presidente do Irã, Ebrahim Raisi, em visita a Cuba na semana passada| Foto: EFE/Yamil Lage

O governo dos EUA está negociando um novo acordo com o Irã para tentar acalmar seus aliados de Israel. A frase parece contraditória, mas mostra a complexa situação em que o governo dos EUA se meteu depois que a presidência de Donald Trump se retirou de forma unilateral do acordo nuclear assinado em 2015. O governo Biden precisa agora desatar um nó para evitar uma escalada de tensões na região.

O acordo nuclear entre o Irã e o chamado P5+1 foi assinado em julho de 2015, envolvendo China, França, Rússia, Reino Unido e EUA, os cinco países permanentes do Conselho de Segurança da ONU, mais Alemanha e a União Europeia. Donald Trump ordenou a retirada do acordo em maio de 2018, mesmo após seu próprio governo certificar várias vezes que o Irã estava cumprindo sua parte do trato.

Ao fazer isso, Trump, em seu estilo habitual, afirmou que “conseguiria um acordo melhor”. Isso não aconteceu. Seu governo retomou a política de sanções contra o Irã e tais sanções afastaram as potências europeias da aproximação com os iranianos. Um dos pilares do acordo era a reaproximação econômica, algo que muito interessava a diversas grandes empresas europeias, de olho no enorme mercado iraniano.

O Irã deu uma guinada e a linha-dura do país ganhou força. Negociar e cumprir um acordo não adiantou de nada, na visão desses atores. A saída, estando sob sanções, era retomar o enriquecimento de urânio e seus programas bélicos estratégicos. Alguns desses episódios, desde então, foram tema de colunas aqui em nosso espaço de política internacional. Hoje, o Irã está mais perto do que nunca de uma eventual ogiva nuclear.

Em março, a Agência Internacional de Energia Atômica anunciou que detectou urânio enriquecido a 83,7% no Irã, perto dos 90% necessários para o desenvolvimento de um explosivo nuclear. Claro que, depois disso, existem outros passos, como a miniaturização da ogiva, o desenvolvimento de mísseis e veículos de reentrada adequados, não se trata de algo instantâneo.

Postura dos EUA

O fato, entretanto, hoje, é que o Irã está perto de ter sua ogiva nuclear e que os EUA não possuem nenhuma ferramenta de barganha firmada para impedir isso. Não existe acordo no papel e não existem meios institucionais de comunicação. Como os EUA podem pressionar o Irã hoje? Mais sanções? Não importariam, com os crescentes laços econômicos do Irã com países como Rússia e China.

A China, inclusive, mediou a aproximação entre Irã e Arábia Saudita e investe bilhões de dólares na economia iraniana. Hoje, Pequim possui muito mais poder de influência em relação ao governo iraniano do que Washington. Não é absurdo especular que o programa nuclear iraniano foi tema de conversas na visita do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, a Pequim nessa semana.

Segundo a imprensa dos EUA, o governo Biden estaria realizando conversas por canais extraoficiais com o Irã para retomar alguma forma de acordo. O problema é que a situação atual é um jogo de quem pisca primeiro. Washington quer que os iranianos retrocedam em seu programa nuclear primeiro, enquanto Teerã exige que as sanções sejam levantadas antes de qualquer movimento iraniano.

Qual o interesse dos EUA em querer trazer o Irã de volta à mesa de negociação? O primeiro e mais óbvio é o de evitar a proliferação nuclear, mais uma potência nuclear no mundo, ainda mais em um país inimigo de Washington. Segundo, com a crescente cooperação militar entre Irã e Rússia, devido à guerra na Ucrânia, evitar um Irã fortalecido é também evitar um aliado forte para os russos.

Terceiro, o governo dos EUA age para evitar uma escalada na região, representada por um ataque frontal israelense. Por mais de uma década, Israel age contra o programa nuclear iraniano, com sabotagens e assassinatos, sempre em uma política de opacidade, sem negar ou confirmar seu envolvimento. A questão é que, caso uma ogiva nuclear iraniana torne-se inevitável, também será inevitável um ataque frontal israelense.

Doutrina Begin

Isso não é novidade nem na História e nem na política israelense. Israel agiu de maneira preemptiva contra o Egito, na década de 1960, e, principalmente, iniciou a Guerra dos Seis Dias, em 1967, argumentando que atacou seus vizinhos primeiro antes de ser atacado. Na política israelense, essa postura foi cristalizada como a Doutrina Begin, em 1981, nomeada assim pelo então premiê Menachem Begin.

Após assumir responsabilidade pelo ataque aéreo que destruiu o reator nuclear iraquiano de Osirak, Begin afirmou que “de forma alguma permitiremos que um inimigo desenvolva armas de destruição em massa contra o povo de Israel” e que “este ataque é um precedente para todos os futuros governos de Israel. Todo futuro primeiro-ministro israelense agirá, em circunstâncias semelhantes, da mesma maneira”.

Begin foi o primeiro premiê do Likud, o partido de Benjamin Netanyahu, que já evocou a doutrina mais de uma vez. Na imprensa israelense, o tema já é debatido abertamente. No início do mês, o conservador Jerusalem Post publicou uma extensa matéria afirmando que um ataque aéreo israelense contra o Irã está “à beira” de acontecer. Isso não seria uma decisão fácil, entretanto.

Um ataque direto israelense contra o Irã significaria uma escalada regional sem precedentes no século XXI, já que o Irã conta com diversos aliados no entorno de Israel, como o Hezbollah. O programa de mísseis iraniano também não pode ser desprezado, incluindo o recém anúncio de um suposto míssil hipersônico. A postura saudita, que não reconhece Israel, seria uma incógnita.

O governo dos EUA sabe disso e deseja evitar esse cenário. Um ataque israelense não contaria hoje com as bênçãos de Washington, mas isso não necessariamente é um impeditivo. Ao mesmo tempo, o governo dos EUA precisa formular mais meios de conseguir pressionar o Irã. O que o mundo não precisa agora é de mais uma guerra, muito menos envolvendo armas nucleares.

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