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Um funcionário eleitoral conta votos após o fechamento das urnas no colégio Amunategui, em Santiago, em 25 de outubro de 2020, durante a votação do plebiscito constitucional, em Santiago, 25 de outubro de 2020| Foto: CLAUDIO REYES/AFP

Dois dos diversos pleitos dos mais recentes finais de semana foram na Nova Zelândia e no Chile. Ambos completamente diferentes em tom e em motivos, mas ambos terminaram de maneiras semelhantes, com vitórias avassaladoras de acordo com suas regras. Enquanto os próximos dias serão marcados por outras eleições, especialmente a dos EUA, é interessante dar uma olhada mais aprofundada no que podem significar os dois resultados eleitorais recentes.

Na Nova Zelândia

No dia 17, os neozelandeses votaram para o parlamento do país e em quem seria a primeira-ministra. O uso do feminino é justificado pelo fato de que, dos quatro principais partidos, três são dirigidos por mulheres. Uma delas a premiê Jacinda Ardern, que ocupa o cargo desde 2017, quando foi escolhida líder do partido trabalhista. O sistema partidário neozelandês é similar ao britânico, a antiga metrópole colonial. Um partido trabalhista, um conservador, chamado de Nacional, e partidos menores, como o verde e o maori.

Jacinda era a favorita de acordo com as pesquisas, especialmente pela maneira com que seu governo lidou com a pandemia do novo coronavírus. O país sofreu apenas 25 mortes e 1585 casos, uma taxa de fatalidade de apenas 1.3%. Em mortes por milhão de habitantes, a Nova Zelândia está apenas na 174ª posição mundial. Diversos países insulares estão dentre os cinquenta países no topo do ranking, um lembrete interessante, já que muitos ligam o sucesso neozelandês apenas às suas características geográficas.

A Nova Zelândia, inclusive, passou um mês em total confinamento, entre 25 de março e 27 de abril, tema recentemente debatido aqui por causa da discussão sobre a vizinha Argentina. Em contraste com a Austrália, então, os neozelandeses estavam no paraíso. Tais méritos são indissociáveis das atitudes tomadas pelo governo, uma realidade que pode desagradar algumas pessoas, mas nem por isso deixa de ser fato. E esse sucesso do governo em lidar com a pandemia foi refletido nas urnas.

Jacinda Ardern conseguiu a maior vitória eleitoral da Nova Zelândia desde o estabelecimento das atuais regras, em 1996. Além disso, foi o melhor resultado trabalhista desde a década de 1960, vencendo em 68 dos 72 distritos eleitorais, com 49% dos votos totais. O voto trabalhista cresceu 12% em relação ao pleito anterior e, como consequência, terão 64 assentos no parlamento, casa com 120 representantes. Ou seja, maioria garantida sem a necessidade de coalizão ou de apoio de outros partidos.

Por outro lado, os conservadores tiveram seu pior resultado desde 1996, perdendo 21 cadeiras e tendo que se contentar com apenas 35. Em terceiro lugar ficaram os liberais do ACT e os verdes, cada um com dez cadeiras. Uma cadeira foi para os maori e o partido NZ First (“Nova Zelândia Primeiro”), construído em bases sobre imigração, foi varrido, perdendo as nove cadeiras que possuía. Existe um problema, entretanto, em uma vitória eleitoral desse tamanho. Um problema “bom”, claro, mas ainda um problema.

O sarrafo estará mais alto. Jacinda terá que cumprir expectativas maiores e não terá a complacência, ou os subterfúgios, derivada de coalizões partidárias. “Estamos negociando com aliados”, “a culpa é do outro partido”, etc. Não. Será tudo nas costas dos trabalhistas, como nunca aconteceu antes no país. Novamente, é um problema “bom”, derivado de expressiva vitória que mostra confiança popular, mas também sinal de trabalho duro.

Os neozelandeses também votaram em dois referendos. Um deles é vinculante, sobre a eutanásia. Ano passado o parlamento aprovou o End of Life Choice Act, que autoriza o suicídio assistido para pessoas com doenças terminais, prazo reduzido de previsão de vida e autorizado por ao menos dois médicos. Caso o voto popular aprove, a lei entra em vigor daqui doze meses, e todas as pesquisas indicam aprovação da lei. O outro referendo era consultivo, sobre a legalização do uso, posse e venda de cannabis. O uso da maconha para finalidades medicinais já é autorizado, o referendo trata do uso recreativo.

Ele não implicará em lei entrando em vigor, mas na entrada da pauta no parlamento, que formularia uma lei sobre o tema. Ambos os referendos terão seus resultados publicados apenas no dia seis de novembro, junto da recontagem obrigatória dos resultados eleitorais. Embora com duas pautas importantes, esse não foi o referendo mais importante dos últimos dias, já que os chilenos também foram às urnas. Juridicamente, o que ocorreu no Chile foi um plebiscito, não um referendo, deve-se deixar claro.

No Chile

Os chilenos responderam duas perguntas. A primeira era “Você quer uma nova constituição?”, com as opções sim ou não, enquanto a segunda foi “Que tipo de órgão deve redigir uma nova constituição?”, com as opções convenção constituinte, eleita com esse propósito expresso, ou convenção mista, composta por metade de constituintes e metade de atuais congressistas. O plebiscito foi uma proposta do congresso em novembro de 2019, como parte das medidas para aplacar os protestos generalizados no país.

A constituição chilena data de 1980, outorgada pela ditadura Pinochet e submetida a um plebiscito bonapartista marcado por fraudes. Ou seja, além de eventuais críticas e problemas decorrentes das visões políticas de cada indivíduo, a constituição do país possui, de forma inegável, um vício de origem. Ela não é um produto com legitimidade democrática, não é um documento representativo. Ao contrário da brasileira que, também além de eventuais críticas, não possui esse vício de origem.

A constituição acabava sendo o mais longevo legado da violenta, corrupta e incompetente ditadura de Augusto Pinochet. E os chilenos aprovaram seu fim, com 78% dos eleitores votando por uma nova constituição, com porcentagem similar de defensores de uma nova constituinte. A constituinte será eleita em abril de 2021, junto com as eleições municipais, e apresentará a nova carta magna chilena até outubro de 2022, quando ela será submetida a um referendo para sua aprovação ou recusa. Entre um voto e outro, em novembro de 2021, os chilenos escolherão um novo chefe de governo.

O presidente Sebastian Piñera, de direita, apoiou o plebiscito e seu resultado. Isso é importante de ser mencionado pois, mesmo sendo um político conservador, ele, repetidas vezes em seus dois mandatos, repudiou a herança de Pinochet e não tolerou a apologia ao ditador dentro dos quadros governamentais. O comparecimento eleitoral no plebiscito foi de pouco mais de 50%, número que parece baixo e que, para alguns, compromete a legitimidade do pleito.

Uma visão que talvez esteja errada, inserida no contexto chileno, onde a média de comparecimento eleitoral costuma ser, infelizmente, baixa. O último pleito nacional com comparecimento eleitoral acima dos 60% foi em 1993, logo após o fim da ditadura. A mais recente eleição presidencial teve comparecimento de 46% dos eleitores. Essa discussão sobre o comparecimento no pleito será um dos vários pontos discutidos no Chile pelos próximos anos.

Outra questão interessante é que, ao contrário do que muitos acreditam, a constituição chilena já foi bastante emendada (42 vezes, para ser mais preciso) desde sua elaboração em 1980. Um dos propósitos da constituinte seria justamente consolidar todo o texto, enquanto se livra de um documento fruto de era autoritária e aborda problemas novos. De qualquer maneira, em lados diferentes do maior oceano da Terra, duas populações votaram e se fizeram ouvir, e ambos os recados foram bastante claros.

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