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Protestos de soldados israelenses contra o governo, nesta semana, em Israel
Protestos de soldados contra o governo, nesta semana, em Israel| Foto: EFE/EPA/ATEF SAFADI

A situação em Israel continua a se deteriorar e abrir espaço para extremistas. Pouco mais de duas semanas atrás, explicamos aqui em nosso espaço de política internacional do que se trata a proposta de reforma do Judiciário feita pelo governo Netanyahu. Desde então, os protestos contra a reforma apenas cresceram e integrantes do governo, na ânsia de conseguirem uma mudança de foco, incentivaram episódios de violência extrema na Cisjordânia, condenados até pelo maior aliado internacional de Israel.

Recapitulando brevemente os pontos principais da coluna citada, é necessário lembrar que o discurso de Netanyahu contra o Judiciário é movido pelo oportunismo e rancor de alguém que é acusado formalmente de corrupção e tráfico de influência. Salvar a própria pele era o principal objetivo de Netanyahu nas últimas eleições. Seguem juntos dele dois atores. Primeiro, o Likud, seu partido, que, além de seguir os caprichos de Netanyahu, se interessa pela possibilidade de um poder inconteste dentro da política israelense.

Segundo, os partidos religiosos ortodoxos, que enxergam no Judiciário seu maior adversário a ser combatido em Israel, um bastião de secularismo em questões como o reconhecimento internacional do casamento entre pessoas do mesmo sexo e do aborto de gestação. No médio e no longo prazo, a proposta reforma do Judiciário levaria a um papel ainda maior da religião na sociedade e nas instituições israelenses, isso em meio ao governo mais religioso da história de Israel.

Protestos 

No último dia 20, cerca de 100 mil pessoas protestaram em Jerusalém, em torno do prédio do Knesset, durante uma das votações iniciais do projeto de reforma. É importante colocar esse número de pessoas em perspectiva. O que, no Brasil, parece apenas a soma do público de alguns jogos do Campeonato Brasileiro de futebol, em Israel significa 1% de toda a população do país. Isso torna ainda mais impressionante o fato de que, no dia 25 de fevereiro, quase 200 mil pessoas se manifestaram por todo o país.

O maior protesto foi em Tel Aviv, com mais de 100 mil pessoas nas ruas da cidade, incluindo a presença de figuras de renome da política israelense. Um dos críticos do projeto de Netanyahu e que escreveu um artigo de opinião na imprensa israelense é Yuval Diskin, ex-chefe do serviço de inteligência interna de Israel, o Shin Bet. Ele afirmou que o projeto de Netanyahu é um “desastre”, que “ameaça a democracia” do país e que Israel precisa ser paralisado em protesto.

Essa manifestação de Diskin é interessante por dois motivos. Internamente, mostra a excepcionalidade da situação israelense, já que ex-chefes das agências de inteligência, o Mossad e o Shin Bet, raramente falam abertamente de política. Segundo, externamente, tornou-se frequente o espantalho de “antissemitismo” ou algo similar para desclassificar qualquer crítica a Israel. Ver uma das figuras mais poderosas da história recente de Israel fazer tais críticas desmonta esse tipo de ofensa.

No dia seguinte aos protestos, 26 de fevereiro, um homem palestino ainda não identificado, armado com um fuzil, matou dois colonos israelenses em Huwara, vilarejo palestino ao sul de Nablus, na Cisjordânia. Nenhum grupo palestino reinvidicou autoria do atentado. Como vingança, horas depois, centenas de colonos ortodoxos israelenses realizaram um ataque contra o vilarejo e outros povoados próximos. Um palestino foi morto, uma centena ficou ferida e dezenas de carros e casas foram incendiados, alguns com pessoas dentro.

Pogrom

O episódio foi considerado o mais grave de violência por colonos israelenses no século XXI e foi classificado como um “pogrom” por diversas figuras, como o general Yehuda Fuchs, comandante responsável pela região. “Pogrom” é um termo de origem ídiche, normalmente associado à violência coletiva contra comunidades judaicas no leste europeu, e se refere a um episódio de violência generalizada contra uma comunidade, incluindo a destruição do seu ambiente, como residências e locais religiosos.

O simbolismo de afirmar que os judeus realizaram um pogrom é extremamente forte. Outra característica dos pogroms europeus contra os judeus era o fato de que eles eram tolerados ou incentivados pelas autoridades. E é isso que conecta os protestos contra a proposta de Netanyahu e a violência ocorrida na Cisjordânia. Diversos políticos da extrema-direita religiosa israelense incentivaram os ataques de vingança, buscando uma “cortina de fumaça” para desviar a atenção dos protestos em massa.

Bezalel Smotrich, religioso ortodoxo e ministro das Finanças, afirmou que “a vila de Huwara precisa ser varrida do mapa. Acho que o estado de Israel deveria fazer isso”. O parlamentar Zvika Fogel, do partido kahanista Otzma Yehudit, afirmou que a “violência era necessária”. Após a repercussão negativa, ambos diminuíram o tom e pediram para as pessoas não fazerem “justiça com as próprias mãos”. No primeiro dia de março, o procurador-geral de Israel anunciou uma investigação contra Fogel, por "suspeita de incitamento ao terrorismo".

Ned Price, porta-voz da secretaria de Estado dos EUA, afirmou que as declarações do ministro Bezalel Smotrich são “repugnantes” e que o governo Netanyahu deveria “pública e claramente” repudiar as falas. O governo Joe Biden já havia criticado a proposta de reforma judiciária antes. Os protestos em Israel apenas crescem e ganham contínua adesão de figuras importantes. Agora, o incentivo à violência por algumas lideranças deixa a situação da imagem do país ainda mais complicada, mesmo com seu principal aliado.

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