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Maia Sandu venceu as eleições presidenciais da Moldova| Foto: Sergei GAPON/AFP

Semana passada, a república de Moldova realizou o segundo turno de suas eleições presidenciais, com um resultado que possivelmente desagradou Moscou. Maia Sandu, do Partido Ação e Solidariedade (PAS), foi eleita para ser a primeira mulher no cargo. Ela havia sido derrotada no segundo turno das eleições de 2016, quando o vencedor de então foi o agora derrotado Igor Dodon. As eleições no pequeno país do leste europeu podem ter um impacto razoável no cenário internacional pelos próximos quatro anos.

A Moldova é o país mais pobre e com menor Índice de Desenvolvimento Humano da Europa e, como vários outros Estados recentes, possui crises de identidade. A primeira é de ordem nacional. É difícil definir objetivamente uma identidade nacional clara. O idioma mais falado no país é o romeno, que, para propósitos oficiais, é por vezes chamado de “moldávio”. É como se o Brasil chamasse seu idioma de “brasileiro”. Mesmo mudando o rótulo, ainda seria o português.

Alguns leitores podem até se perguntar o motivo de chamar o país de Moldova, terminologia adotada nos anos 1990 para distinguir o país da região romena da Moldávia, quase homônima. Uma das correntes políticas do país, inclusive, defende a integração de Moldova com a Romênia, uma visão muito mais popular no país vizinho. Outros, mais nativistas, defendem que Moldova teria uma trajetória única, uma nação própria. E, como em qualquer país que um dia foi parte do Império Russo, existem expressivas minorias russas e ucranianas.

Rússia ou Europa

Isso leva ao outro problema de identidade, de ordem política. Em um aspecto que já foi abordado aqui ao se falar de Belarus, dos Estados bálticos, do Quirguistão e do Cáucaso, uma ala política em Moldova prefere relações mais fortes com a Rússia, enquanto outra defende uma aproximação mais intensa com a União Europeia. Isso, infelizmente, é visto como mutuamente exclusivo, ou um, ou outro. E esse era o caso nas eleições. Dodon, ocupante do cargo, é um político próximo da Rússia.

Enquanto na maioria dos países ex-soviéticos os setores pró-Rússia costumam ser compostos por pessoas mais velhas, formadas academicamente ou profissionalmente ainda no período soviético, esse não é o caso de Dodon. Um político jovem, de apenas 45 anos, sua russofilia possui explicações mais íntimas, de raízes familiares. Além do fato, é claro, de que a Rússia é um dos cinco maiores parceiros comerciais de Moldova, ranking dominado, com larga margem, pela Romênia.

Durante sua presidência, entretanto, Dodon adotou uma política pragmática, e disse ser nem pró-Rússia, nem pró-Europa, mas pró-Moldova, abraçando políticas mais nacionalistas. Mantinha os laços fortes com Moscou enquanto evitava críticas muito fortes em casa. Mesmo a integração europeia continuou em pauta, com três visitas a Bruxelas e outras três a Alemanha. Talvez seja testemunho da eficiência dessa política ele ter recebido 32% dos votos no primeiro turno.

Ainda assim, atrás de Sandu, que recebeu 36% dos votos então, para ser vencedora com 57% dos votos válidos. Menos de um milhão de pessoas, já que pouco mais da metade do eleitorado compareceu às urnas e, além de diminuto, o país tem sofrido queda populacional, com muitos cidadãos imigrando para Ucrânia, Rússia e Romênia. Sandu também é jovem, da mesma geração de Dodon, com 48 anos de idade, já foi parlamentar, ministra e trabalhou no Banco Mundial.

Parlamentarismo e separatismo

Ela também foi primeira-ministra por alguns meses em 2019 – Moldova segue um modelo de governo parlamentarista, não o semipresidencialismo comum em países ex-soviéticos. Ou seja, ela já foi a chefe de governo, e agora ocupará uma posição muito mais cerimonial, com menos poder executivo de fato. No caso de Moldova, entretanto, a posição de presidente não é tão cerimonial assim, já que o Chefe de Estado possui peso nos rumos exteriores do país. Por não depender de coalizões parlamentares, o ocupante ficará no cargo pelos próximos quatro anos.

Serão quatro anos em que ela, certamente, pressionará por maior aproximação com a Europa. Ela enfrentará resistência tanto dos pró-Moscou quanto dos nacionalistas, que temem que uma aproximação muito intensa com a UE resulte numa absorção de Moldova pela Romênia. Outra aposta certa é que surgirão denúncias de ligações dela com Washington, por ter sido funcionária do Banco Mundial e ter estudado nos EUA. Se tais denúncias possuem substância, não é possível dizer.

Algo torna a situação em Moldova ainda mais delicada, a região separatista da Transnístria, ao norte do país, de maioria russa e que vive em uma república autônoma, embora não reconhecida. Ali estava baseada uma unidade do exército soviético que participou da guerra civil pós-dissolução da URSS e que, na prática, impediu uma tomada da região por Moldova. Mais um dos conflitos congelados tão citados aqui na coluna. Como herdeira das tropas soviéticas e parte do acordo de paz da década de 1990, uma unidade russa com 1500 homens está baseada na Transnístria desde então.

É uma situação similar, embora em escala bem menor, à da Crimeia. Juridicamente, o território é de um país, mas a maioria da população se identifica como russos e forças militares russas são baseadas ali. Ou seja, uma eventual crise em Moldova correria o risco de desdobramento similar. Isso também limita as opções de um governo de Moldova em relação sua política exterior. Romper de forma traumática com Moscou não seria proveitoso, tampouco é um alinhamento condicional.

A História e a origem do conflito na Transnístria renderia uma coluna por si só, o fato é que, nos próximos quatro anos, teremos uma combinação interessante: uma presidente em Moldova desejando maior distância da Rússia, um governo mais intervencionista com Joe Biden em Washington, um novo governo na Romênia, que ainda realizará eleições, um governo questionado em Belarus e conflitos congelados pela região. Não é improvável que tais temas voltem aqui ao nosso espaço no futuro próximo.

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