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Bassam al-Saadi, líder do grupo Jihad Islâmica Palestina, na cidade de Jenin, na Cisjordânia, no dia 1º de junho de 2022
Bassam al-Saadi, líder do grupo Jihad Islâmica Palestina, na cidade de Jenin, na Cisjordânia, no dia 1º de junho de 2022| Foto: EFE / Alejandro Ernesto

​Israel e o grupo Jihad Islâmica Palestina chegaram a um acordo de cessar-fogo no último domingo, dia sete de agosto. Mediado pelo Egito, o acordo encerrou 48 horas de ataques que deixaram ao menos 43 palestinos mortos na Faixa de Gaza. Além das trocas habituais de acusações sobre responsabilidades pelas mortes, o final de semana trouxe uma pergunta feita por alguns leitores nas redes sociais. Existe diferença, e quais seriam, entre o Jihad Islâmica Palestina e o Hamas?

Os eventos foram chamados em Israel de Operação Amanhecer, começando com uma série de ataques aéreos israelenses na sexta-feira, dia cinco. Os alvos eram integrantes e estrutura do Jihad Islâmica Palestina (JIP) na Faixa de Gaza, em algo declarado como um “ataque preemptivo”. No caso, prevenção contra uma eventual retaliação do grupo pela prisão de Bassam al-Saadi, líder do grupo, na cidade de Jenin, na Cisjordânia. O primeiro ataque israelense matou Tayseer Jabari, um dos principais comandantes do grupo.

O Jihad Islâmica Palestina afirmou que os atos eram uma “declaração de guerra” e disparou centenas de foguetes contra Israel. A maioria deles foi interceptada pelas defesas israelenses. Além dos ataques aéreos israelenses, mais de um dos foguetes disparados de dentro da Faixa de Gaza teriam falhado e causado a morte de outros palestinos. Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, 43 palestinos morreram e, dos mortos, 16 eram crianças ou adolescentes.

Fundação dos grupos

Algo que facilitou o acordo e a trégua foi o fato de que esse episódio foi restrito ao Jihad Islâmica Palestina, sem envolvimento do Hamas. Ambos os grupos foram formados a partir da Irmandade Muçulmana, fundada no Egito no início do século XX e principal inspiração. O JIP foi fundado em 1981, em Gaza, por palestinos que foram integrantes da Irmandade Muçulmana egípcia. Ao menos um deles, inclusive, fugiu do Egito após o assassinato de Anwar Sadat pelo Jihad Islâmica Egípcia.

Se os fundadores do Jihad Islâmica Palestina inicialmente se inspiravam na Irmandade Muçulmana egípcia, eles passaram a ter talvez como principal inspiração concreta a Revolução Iraniana, ocorrida em 1979, apenas dois anos antes da fundação do grupo. O objetivo declarado do grupo islamista é de destruir Israel e, no lugar, criar um Estado palestino religioso dentro dos limites do Mandato da Palestina de 1948. Esse objetivo será alcançado por meios militares e não por um processo político.

Já o Hamas foi fundado em 1987, no contexto da Primeira Intifada. O Hamas é um ramo direto da Irmandade Muçulmana. No período ele foi uma espécie de braço político e militar da Irmandade que, em Gaza, tinha funções especialmente religiosas e sociais. Além disso, o Hamas surgiu como um contraponto islamista à secular Organização para a Libertação da Palestina, então liderada por Yasser Arafat e ligada ao nacionalismo palestino. As fissuras entre Hamas e as autoridades seculares palestinas perdura até hoje.

Ou seja, o Hamas foi fundado em um contexto de levante popular e essa é a origem da principal diferença entre Hamas e Jihad Islâmica Palestina. O Hamas é um grupo popular, muito maior e com uma profunda estrutura administrativa e política, enquanto o JIP, fundado por um pequeno núcleo de teólogos e militantes, é um grupo reduzido e com reduzida capilaridade na sociedade ao seu redor. Essa diferença de natureza da fundação dos grupos também explica a principal diferença prática entre os dois.

Pragmatismo e extremismo

O Hamas governa Gaza desde que tomou o poder em 2007, e vai além de seu braço armado, com um partido político e órgãos de administração e de caráter social. Por isso, possui responsabilidades mais amplas e precisa negociar com as autoridades israelenses, mesmo que por canais alternativos ou via mediadores. Claro que essa negociação é à contragosto, já que o objetivo do Hamas pela sua carta também é o de criar um Estado palestino religioso dentro dos limites do Mandato da Palestina de 1948.

Parcialmente como consequência disso que o Hamas, em 2017, apresentou um novo estatuto, para fomentar uma imagem menos extremista, que não pede mais explicitamente a destruição de Israel. No lugar, pede pela ”libertação da Palestina” e luta contra “o projeto sionista”. Provavelmente eufemismos para o objetivo original. Pela nova carta, o grupo aceita as fronteiras de 1967 como base para um Estado e cortou seus elos institucionais com a Irmandade Muçulmana, declarando “independência”.

Hoje, o Hamas possui elementos mais pragmáticos dentro do grupo, que defendem negociações com Israel para progressivamente melhorar as condições socioeconômicas dentro da Faixa de Gaza. Por isso que o Hamas não se envolveu em diversos episódios de hostilidades entre o Jihad Islâmica Palestina e Israel, como no último fim de semana. O JIP não possui nada disso que foi citado, não negocia com Israel e é, na teoria e na prática, mais extremista que o Hamas.

Tabuleiro internacional

Isso pode ser visto na comunidade internacional. Muitos países condenam o Hamas como um todo como grupo terrorista, enquanto outros condenam como terrorista apenas seu braço armado, as brigadas Izz ad-Din al-Qassam, reconhecendo o partido político. No caso do Jihad Islâmica Palestina não existe essa distinção quando classificado como terrorista. E também no que concerne a comunidade internacional, existe outra diferença entre os grupos. O JIP não é apenas “inspirado” pela Revolução Iraniana.

O Irã e o Hezbollah são os principais financiadores e apoiadores do Jihad Islâmica Palestina. A Síria de Assad também tinha um papel importante no apoio ao grupo, mas isso diminuiu com a atual guerra civil. Mais que financiado, o JIP vai agir de acordo com os interesses e diretrizes iranianas. Na citada guerra civil síria, por exemplo, o grupo lutou ao lado das forças iranianas e do Hezbollah. Ao mesmo tempo, o Hamas foi expulso da Síria, por apoiar a oposição sunita síria.

O aspecto sunita é muito mais presente no Hamas, em outra diferença entre os grupos. O Hamas possui uma “aliança de conveniência” com o Irã, por ambos terem em Israel um inimigo comum. O Jihad Islâmica Palestina, mesmo sendo sunita em maioria, é alinhado aos atores xiitas citados. Ou seja, compreender as diferenças entre os grupos colabora também para pensarmos o atual contexto do Oriente Médio, com os eventos em Gaza como uma escaramuça dentro da disputa maior do Irã contra Israel.

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