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Presidente polonês Andrzej Duda vota na eleição presidencial da Polônia, em 28 de junho| Foto: BARTOSZ SIEDLIK / AFP

Os últimos finais de semana foram agitados na política eleitoral europeia. Progressivamente, as eleições adiadas pela pandemia do novo coronavírus são realizadas, o que dá mais um motivo para acompanhar as eleições em outros países. Além de se manter informado e atento ao que acontece no cenário internacional, podem servir de reflexões e lições considerando as eleições brasileiras de 2020. No caso da Polônia, uma eleição presidencial que começou com favorito passou por uma reviravolta.

Os cidadãos poloneses escolheriam o novo presidente no dia 10 de maio, com a eleição adiada para o último 28 de junho. Embora seja um regime parlamentarista, o presidente da Polônia possui poderes mais amplos do que na média de um regime desse tipo. Sem ocupar a presidência, um partido não consegue realizar amplas mudanças legislativas no país. Exatamente o que o partido conservador Lei e Justiça (PiS, na sigla em polonês) tem feito nos últimos cinco anos.

O atual presidente, Andrzej Duda, nominalmente é independente, mas foi do PiS por quase toda sua carreira e apoia boa parte das iniciativas do partido. Ele ocupa o cargo desde 2015, simultaneamente à vitória do PiS nas eleições parlamentares, com o partido dominando as duas chefias do Executivo, a de Estado e a de governo. Ele era considerado favorito por larga margem, mas reviravoltas nos últimos meses alteraram esse cenário, todas ligadas ao novo coronavírus.

Alto comparecimento

Na prática, as campanhas ficaram suspensas. Além disso, Duda pagou parte do preço pelo desejo do PiS de realizar o pleito assim que possível, independente da pandemia. Isso incluiu uma mudança legislativa para autorizar o voto pelo correio. Como consequência, o Plataforma Cívica (PO, na sigla em polonês) trocou sua candidatura. A candidata anterior, a veterana Malgorzata Kidawa-Blonska, defendia um boicote ao pleito. Talvez prevendo o que ocorreu na Sérvia, o PO concluiu que essa era uma estratégia rumo ao desastre.

O candidato do partido centrista foi Rafał Trzaskowski, o jovem prefeito da capital Varsóvia. As pesquisas mostraram um crescimento enorme do PO, que corria o risco de ficar em terceiro, atrás do apresentador Szymon Hołownia, que surgia como opção aos descontentes. Como resultado, Duda ficou com 43,5% dos votos, enquanto o candidato do PO ficou com 30,5%. Ou seja, haverá segundo turno e, embora Duda continue favorito, a conta ainda não está fechada.

Caso todos os que votaram em outros dois candidatos de direita votem em Duda, ele provavelmente vence. Notável que o comparecimento eleitoral foi alto, de 64,5%. No mesmo dia, o segundo turno das eleições municipais francesas levou apenas 40% às urnas. No último dia cinco, apenas 46,9% dos croatas votaram para premiê. Não se sabe ainda se isso é consequência direta da possibilidade do voto pelo correio para as pessoas dos chamados grupo de risco em relação ao novo coronavírus.

Ainda assim, isso significa que 35% do eleitorado não compareceu, ainda podendo ser seduzido em uma eleição que é, e continuará, divisiva. O pleito é uma espécie de referendo em relação ao governo do PiS como um todo. Primeiro, pelas polêmicas reformas no sistema judiciário polonês propostas pelo governo, que poderiam ser vetadas pelo presidente. Daí a importância excepcional do cargo nos próximos anos, o que colabora para explicar a presença eleitoral.  Além disso, outras duas pautas dividem os candidatos.

Pautas diferentes

Uma é a pauta moral, dos costumes. O PiS é cada vez mais próximo ao conservadorismo católico, desejando mudanças na lei de aborto de gestação no país e também em relação aos direitos civis de pessoas homossexuais. Já o PO nasceu próximo de defensores dos princípios da Doutrina Social da Igreja e está no campo oposto do PiS nessas pautas. Outra questão é a postura em relação à União Europeia. O PiS faz parte do bloco de partidos eurocéticos, embora não tão radical.

Nem poderia ser tão radical assim, já que, como já analisado aqui nesse espaço, Polônia e Hungria são dois dos países que mais criticam as instituições de Bruxelas, enquanto são os que mais recebem fundos europeus. Já o PO é um árduo defensor da integração europeia. De seus quadros que saiu o ex-presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk. O candidato Rafał Trzaskowski foi um dos fundadores da Aliança de Cidades Livres, uma curiosa  ferramenta de diálogo e de pressão política.

Existe o Grupo de Visegrado, que articula os governos nacionais de Polônia, Hungria, Eslováquia e Tchéquia. Ele foi criado em 1991 para negociar, em bloco, melhores condições para a entrada desses países na União Europeia. Hoje, curiosamente, é formado por quatro governos conservadores e, em diferentes graus, eurocéticos. A Aliança de Cidades Livres foi formada ano passado entre os prefeitos das capitais desses países, todos eles de partidos pró-UE e de bandeiras progressistas.

Demografia eleitoral e História

Não é exatamente incomum que regiões metropolitanas elejam candidatos mais progressistas, justamente pelo alto fluxo de pessoas e de culturas. Ao mesmo tempo, partidos conservadores possuem mais força em regiões rurais. Esse foi o mesmíssimo cenário das mais recentes eleições domésticas húngaras e uma situação similar ao da Polônia na eleição presidencial da semana passada. Outro elemento é bastante curioso e pitoresco ao caso polonês.

Infelizmente, um raciocínio por vezes repetido em discussões políticas, desde as mais refinadas até as mais mundanas, é a de que o passado já foi, História é tratada apenas como curiosidade, coisas do tipo. Ainda assim, não é o que o cotidiano nos mostra. No caso das eleições polonesas, o mapa eleitoral do país mostra uma divisão que é consequência do processo histórico de formação do país. As regiões mais ao oeste, que foram parte da Alemanha antes de 1945, possuem um eleitorado mais progressista.

Ao mesmo tempo, o leste do país, núcleo da república polonesa de 1919 e, antes disso, parte do Império Russo, possui eleitorado de perfil conservador e nacionalista. Algum leitor pode alegar que correlação não implica causalidade. Os resultados eleitorais dos últimos vinte e cinco anos, entretanto, mostram essa divisão sócio-cultural, resultado de décadas anteriores. Para o segundo turno, próximo domingo, segundo as pesquisas, há “empate técnico”. Será uma semana acalorada na Polônia.

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