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Nicolás Maduro fala em rede nacional de televisão sobre a pandemia de coronavírus no país, em 30 de março de 2020.
Nicolás Maduro fala em rede nacional de televisão sobre a pandemia de coronavírus no país, em 30 de março de 2020.| Foto: Zurimar CAMPOS / Venezuelan Presidency / AFP

Na última semana, quatro peças foram movimentadas no tabuleiro de xadrez que tem a Venezuela como recompensa. Uma delas ganhou ampla notoriedade, outra é mundial, uma terceira está em desenvolvimento e uma quarta passou quase despercebida. O que todas elas podem significar no futuro próximo? Como está o tabuleiro? A comparação com o xadrez não é apenas afetação, é uma analogia apropriada, sendo Maduro o rei.

O rei é uma peça que, sozinha, não adianta nada. Não tem grandes possibilidades de movimento nem é temível no ataque. Nicolás Maduro não vive sem seus fiadores. Os pilares de seu poder são, no exterior, Rússia e China; internamente, o comandante das forças armadas, general Vladimir Padrino López, Ministro da Defesa. Sem as forças armadas, Maduro cai rapidamente.

Cabeça à prêmio

Não é à toa que seu governo é cada vez mais militarizado, com oficiais ocupando cargos chave na administração pública. É nesse sentido que os EUA realizaram o primeiro movimento dos últimos dias. Acusaram formalmente Maduro e alguns dos principais integrantes de seu governo de narcotráfico, lavagem de dinheiro e narcoterrorismo. Como incentivo, o governo dos EUA ofereceu recompensas pelas prisões.

Qual o sentido de oferecer US$ 15 milhões por informações para a prisão de um Chefe de Estado? Ora, pode-se apenas dizer que o endereço dele é o Palácio Miraflores, em Caracas, e cobrar a recompensa. Claro que esse é um comentário jocoso, mas o fato é que quase ninguém hoje no mundo possui poder de polícia para prender Maduro. No máximo, um país que ele visitasse poderia entregá-lo, mas é algo quase inimaginável.

O incentivo, além das dezenas de milhões por outros integrantes do governo, é, na opção mais otimista pelos EUA, para motivar algum comandante militar em derrubá-lo. Na opção mais realista, é enquadrar Maduro como alguém que cometeu crimes contra a humanidade, já que algumas interpretações colocam terrorismo estatal nessa categoria.

Para dar peso à acusação, os EUA iniciaram a “maior operação antidrogas da História”, ao menos segundo seu governo. Destróieres, navios de patrulha, aviões de monitoramento e equipes de forças especiais foram direcionados ao Caribe, inclusive na costa venezuelana. Alguns falam de uma eventual operação militar contra Caracas, algo que, neste momento, não é substanciado pelos fatos.

A doutrina militar dos EUA prega que o apoio aeronaval é imprescindível, quando possível. Em outras palavras, porta-aviões. E não há nenhum deles no Caribe. Dos onze porta-aviões da ativa dos EUA, seis estão docados passando por reparos e atualizações e outro está passando por um foco do novo coronavírus que causou uma crise institucional na marinha, com seu comandante afastado por ter delatado a situação.

Pandemia

A pandemia do novo coronavírus é o segundo movimento. Na Venezuela são 146 casos confirmados e ao menos cinco mortos oficiais; no mínimo, é claro. O país dificilmente terá condições de lidar com a doença. Falta de recursos, sanções, falta de divisas e também falta de cérebros: ao menos vinte mil profissionais de saúde da Venezuela se assentaram em outros países sul-americanos.

Isso significa que o governo Maduro estará cada vez mais pressionado por uma crise de saúde pública, necessitando de apoio estrangeiro. É um cálculo cruel, de fato, mas uma análise que preze pela escola realista de poder não pode desprezar esse aspecto. O Kremlin sabe disso também, já que o governo russo rechaçou as pressões dos EUA, dizendo que se trata de proveito político da pandemia.

Proposta de acordo

Chega então o terceiro movimento. Na última terça-feira, o governo dos EUA publicou a sua Democratic Transition Framework for Venezuela [Estrutura para Transição Democrática para a Venezuela]. Ela pode ser lida, na íntegra, no site do Departamento de Estado. Em suma, seria formado um governo de transição em troca do progressivo fim das sanções. Esse governo não envolveria nem Maduro, nem Guaidó.

Após a formação desse governo de transição, ele realizaria eleições e, após a escolha de um novo governo, as sanções seriam totalmente levantadas e organismos internacionais investiriam na recuperação econômica do país. Como diz o ditado, “o diabo está nos detalhes”. O item 10 aponta que “Uma Comissão de Verdade e Reconciliação será estabelecida com a tarefa de investigar atos graves de violência ocorridos desde 1999.”

O item ainda oferece anistia para crimes de motivação política, “exceto crimes contra a humanidade”. O que inclui tortura e, como citado, possivelmente o apoio estatal ao terrorismo. Um item adicional fala que o “alto comando militar” será mantido durante o governo de transição, incluindo o cargo de Ministro da Defesa. Ou seja, o documento oferece, ao mesmo tempo, possibilidade de anistia e dos militares preservarem a imagem.

Junto com essas possibilidades, mantém uma janela para julgamento de Maduro e de seus mais próximos, além de eventuais agentes estatais envolvidos na barbaridade que é a tortura. A “sede de justiça” seria satisfeita enquanto o topo da cadeia hierárquica se preserva. Uma saída bastante apropriada se calculada frente ao histórico latino-americano de encerrar seus governos autoritários em “pizzas”, salvo louváveis exceções.

Para não ser por demais incisivo, o documento também mantém uma janela para uma eventual anistia do próprio Maduro, dizendo que indivíduos que “reivindicaram a presidência” também terão as sanções aliviadas. O documento também tenta equilibrar as forças políticas de Maduro e da oposição, dando à ambas “poder de veto” sobre a formação do governo interino.

Outro detalhe importante é que o documento determina que todas as forças estrangeiras devem sair do país, salvo autorizadas por três quartos do parlamento; uma maioria que nenhum lado conseguiria. O alvo é bastante óbvio: a presença militar russa no país (o item só faltou citar a Doutrina Monroe). Ainda assim, ele é vago, não determinando o que seriam “forças estrangeiras”.

Petróleo

Parte da presença militar russa no país não é convencional (com militares), mas via “consultores” e integrantes de empresas privadas. Finalmente, o quarto movimento, o quase despercebido. A empresa estatal de petróleo russo Rosneft interrompeu suas operações na Venezuela e repassou seus ativos no país para o Estado russo. Mesmo com o mercado de óleo em baixa, o movimento foi surpresa e sem grandes explicações.

Na superfície, a empresa fez isso para proteger seus investidores privados e estrangeiros, como a gigante BP, dona de quase 20% da Rosneft. As sanções dos EUA afetavam as operações da empresa russa e, consequentemente, seus associados poderiam ser também alvos de sanções por Washington. Ainda assim, a velocidade da operação levanta suspeitas.

Putin não tem grande apreço por Maduro. Considera ele, de forma justa, um incompetente. Segundo o jornalista Vladimir Frolov, Putin “detesta” Maduro e pode abrir mão da Venezuela pelo “preço certo”. Ilude-se quem vê alguma grande conspiração ideológica mundial onde só há interesse. O foco da China e da Rússia na Venezuela é a garantia dos investimentos que esses países fizeram.

Ambos possuem investimentos na Venezuela, são fornecedores de armas, além de serem credores de empréstimos contraídos pelo país. China e Rússia não deixarão de apoiar Maduro sem garantias para seus investimentos, mas também não morrerão abraçados com ele na praia. A ação da Rosneft pode indicar o início desse distanciamento e de garantir os interesses econômicos russos.

Uma proposta da Casa Branca que não ameace os militares venezuelanos, eventuais garantias aos russos e aos chineses sobre seus investimentos, incentivos financeiros e econômicos, uma oposição venezuelana que aceite um papel menor na transição e o fantasma de uma pandemia. Caso todas essas peças estiverem bem posicionadas, não sobrarão muitas opções para Maduro.

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