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Foto oficial de Bernardo Arévolo de 2020, na condição de deputado.
Foto oficial de Bernardo Arévolo de 2020, na condição de deputado.| Foto: Governo da Guatemala/Domínio público

Os eleitores da Guatemala e do Equador foram às urnas neste domingo, dia 20, com duas vitórias das esquerdas locais se desenhando no horizonte. No Equador, marcado pela violência, ocorreram as eleições convocadas pela recente dissolução dos poderes, além de um referendo popular, com uma vitória da esquerda no primeiro turno do país andino. Já na Guatemala tivemos a eleição de Bernardo Arévalo para presidente do país, o primeiro governo de esquerda desde a década de 1950.

Na Guatemala, a candidata Sandra Torres, da União Nacional da Esperança, a UNE, ficou com 21% dos votos válidos no primeiro turno e 39% no segundo turno. Sua chapa é uma coalizão de centro fundada em 2002, originalmente como um partido democrata cristão. Contra ela disputou Bernardo Arévalo, que teve 16,5% dos votos do primeiro turno e foi eleito com quase 61% dos votos. Ele representa o Movimento Semilla, “Semente” em castelhano, partido de esquerda que dá grande peso às pautas ambientais.

Guerra Fria

A eleição guatemalteca foi marcada por diversas tentativas de intervenção pelo governo conservador. A História recente guatemalteca é marcada, infelizmente, pela violência política, assim como a maioria da América Latina. Em 1954, um golpe de Estado apoiado pelos EUA iniciou um período de governos militares anticomunistas e, em 1960, a situação no país tornou-se uma guerra civil deflagrada, que durou até a década de 1990, com um acordo de paz assinado em 1996.

O conflito deixou 150 mil mortos no pequeno país e foi simultâneo à políticas de genocídio contra as populações indígenas do norte do país. De 2008 a 2012, a presidência de Álvaro Colom, da UNE, foi a única presidência não alinhada aos conservadores do país desde a data do golpe. A Unidade Revolucionária Nacional da Guatemala, o partido formado por ex-guerrilheiros, por exemplo, hoje tem apenas três cadeiras no Congresso, e conquistou apenas uma nas eleições de 2023 para a próxima legislatura.

Seu melhor resultado foi em 1999, no calor do otimismo após o acordo de paz, com nove cadeiras, das 160 da casa. As décadas de conflito e de ditaduras militares deixaram um legado de repulsa institucional aos partidos de esquerda no país, sentimento esse agravado pelos abusos autoritários e fracassos econômicos da quase vizinha Nicarágua sob governo e posterior ditadura de Daniel Ortega. Mesmo no comportamento eleitoral essa rejeição também pôde ser sentida.

Essa recapitulação histórica é importante para mostrar o tamanho do ineditismo que é a eleição de Bernardo Arévalo. Ele é filho de Juan José Arévalo, ex-presidente da Guatemala entre 1945 e 1951, que iniciou as reformas sociais que culminaram no golpe de 1954, por contrariarem os interesses dos EUA. Nada disso é “teoria da conspiração”, com muita da documentação da época já publicada. Pelo exílio político do pai, Bernardo Arévalo nasceu em Montevidéu, no Uruguai.

Esse histórico da Guatemala serve também para explicar, ao menos parcialmente, o comportamento de parte das autoridades guatemaltecas, que tentaram a todo custo atrapalhar essas eleições. Em 2022, jornalistas e políticos foram presos. A certificação dos resultados do primeiro turno pelas autoridades eleitorais locais foi adiada depois que a Suprema Corte concedeu uma liminar aos partidos conservadores que contestaram os resultados, excluídos do segundo turno pela primeira vez na História do país.

Em doze de julho, o Ministério Público guatemalteco chegou a anunciar a suspensão do partido Semilla, por supostos casos de falsidade de assinaturas para constituir o partido, o que foi revertido pela Suprema Corte e motivou uma declaração em tom de “puxão de orelha” pelo governo dos EUA. A sede do Semilla foi alvo de uma batida policial em plena campanha do segundo turno. Curiosamente, isso favoreceu Bernardo Arévalo, que cresceu nas pesquisas eleitorais.

Congresso conservador

O candidato do Semilla soube unir ao seu programa de esquerda o discurso de ser um candidato “anti-sistema”, tão em voga pelo continente americano, e que ele e seu partido são perseguidos pelos conservadores, do atual presidente Alejandro Giammattei. O presidente, diga-se, coleciona suspeitas e acusações de corrupção. Sandra Torres, para tentar recuperar o prejuízo, adotou um discurso bem mais conservador em sua campanha do segundo turno.

A ex-primeira-dama que sofreu sua terceira derrota nas eleições presidenciais afirmou que é contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo e acusou Bernardo Arévalo de defender a "ideologia LGBT". Também disse que o Semilla é um partido comunista que vai acabar com a liberdade religiosa no país, um aceno ao discurso herdado do período da Guerra Fria devido ao histórico recente do país, como citamos. Ela também afirmou que defende a soberania guatemalteca e a integridade dos representantes do país.

Soa como algo óbvio, mas esse discurso é feito no contexto de um intenso processo de julgamentos e acusações por corrupção no país. Uma espécie de “Lava-Jato” local, em uma analogia, que envolveu a criação da Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala, em cooperação com a ONU e com os EUA. A comissão operou de 2008 a 2019. Muitos políticos e partidos guatemaltecos foram alvo dessas acusações, o que favoreceu o discurso “anti-sistema” de Bernardo Arévalo.

A defesa dos conservadores foi, muitas vezes, afirmar que esse processo era uma afronta à soberania do país. Discurso esse adotado agora por Sandra Torres, que chegou a ser detida, suspeita do que é chamado de “caixa dois” no Brasil. Importante dizer que, mesmo fora da corrida presidencial, os conservadores continuam uma força política no país, com o Vamos conquistando a maior bancada do Congresso, com 39 cadeiras. A UNE ficou com 28 cadeiras e o Semilla com 23.

Outros partidos conservadores e o “centrão” guatemalteco somam 46 cadeiras, pulverizadas entre diversas pequenas legendas. A direita liberal ficou com 18 e outros grupos de esquerda com apenas seis. Ou seja, mesmo vencendo a presidência com grande parcela do eleitorado, Bernardo Arévalo terá uma vida difícil no Congresso e dificilmente conseguirá reformas profundas. Resta saber por quanto tempo o seu discurso “anti-sistema” vai manter o apoio popular no pequeno país.

Conteúdo editado por:Bruna Frascolla Bloise
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