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Desenho do século XVII.
Taiwan fica na “Ilha Formosa”, assim batizada pelos portugueses. Acima, o Forte Zeelândia, construído pelos holandeses da WIC.| Foto: Joan Bleu/Domínio público

O ano de 2024 vai começar com uma importante eleição para a presidência de Taiwan. No dia 13 de janeiro de 2024, mais de dezenove milhões de taiwaneses irão às urnas escolher seu novo presidente. Ontem, segunda-feira, o bilionário Terry Gou anunciou que será candidato independente ao pleito. No horizonte se desenha uma corrida em que o modelo de existência do governo da ilha estará em jogo.

Recapitulando algo que a maioria dos leitores já deve ter em mente, existem duas repúblicas chinesas. A República Popular da China, continental, com capital em Pequim, e a República da China, insular, com capital em Taipé. A primeira é mais frequentemente chamada de China, enquanto a segunda costuma ser chamada de Taiwan. E ambas as repúblicas adotam a política de “Uma só China”.

Isso significa que ter relações com uma das Chinas significa não reconhecer a outra. No caso dos países que formalizam relações com Pequim, implica Taiwan ser uma “província da China”. Isso permite contornar o problema da falta de representação com escritórios comerciais. Não há uma relação política plena, mas negócios e serviços consulares são realizados. Hoje são apenas treze Estados que reconhecem Taiwan, incluindo a Santa Sé.

O de maior peso econômico é o Paraguai, que mantém profundos laços comerciais com a ilha. A imensa maioria do mundo opta por Pequim, por razões quase óbvias: economia, demografia e potência militar. Em 1971 o governo dos EUA "trocou" de representação, reconhecendo a China socialista, abrindo caminho para a moção albanesa que substituiu Taiwan pela China na representação da ONU, incluindo o Conselho de Segurança.

Independência?

Existe uma consequência pouco debatida dessa política de "Uma só China". Por essa política, Taiwan se vê como uma continuidade da república chinesa proclamada em 1911, enquanto Pequim classifica Taiwan como uma província rebelde. Hoje, entretanto, muitos em Taiwan defendem uma declaração de independência, a fundação formal de um novo Estado, que rompe tanto com o de 1911 quanto com a China continental.

Um defensor dessa política é Lai Ching-te, atual vice-presidente de Taiwan. Ele já foi mais radical na defesa dessa independência, moderando sua posição ao fazer parte do governo de Tsai Ing-wen. A atual presidente concluirá seu segundo mandato e não poderá ser candidata em 2024. O candidato do Partido Democrático Progressista será justamente Lai Ching-te.

Os defensores da eventual declaração de independência afirmam que, depois de mais de setenta anos separados, os taiwaneses teriam se constituído em uma nação distinta dos chineses continentais. Como mencionado, Lai Ching-te moderou parte de suas posições nos últimos anos, ao menos publicamente, mas, mesmo assim, foi alvo de críticas e comentários condenatórios pelo governo de Pequim.

Recentemente, Lai Ching-te representou Taiwan na posse do novo presidente paraguaio, Santiago Peña. Por motivos logísticos, seu avião realizou paradas nos EUA, ação que também despertou condenações chinesas. Nesse caso, mais incisivas, com exercícios militares realizados em torno da ilha na semana passada, por conta da “provocação” que foi a visita de Lai Ching-te aos EUA.

Kuomintang e novo partido

É nesse debate em que se insere a candidatura de Terry Gou, o terceiro homem mais rico de Taiwan e fundador da Foxconn, empresa conhecida mundialmente por seu papel na cadeia de produção de gigantes da tecnologia, como Apple e Nvidia. Em 2020 ele foi derrotado nas primárias do Kuomintang, partido que governou Taiwan por boa parte de sua História e que tem defendido boas relações com Pequim e a política de "Uma só China".

Ele novamente disputou as primárias do Kuomintang e novamente foi derrotado, dessa vez por Hou Yu-ih, prefeito de Nova Taipé, a zona metropolitana ao redor da capital. As pesquisas, entretanto, indicam Lai Ching-te com 36% das intenções de voto, contra apenas 18% de Hou Yu-ih. Hoje, o segundo turno provavelmente seria disputado com Ko Wen-je, do novo Partido Popular de Taiwan, fundado em 2019.

Temos, então, três partidos. Dois maiores, o Partido Democrático Progressista, que defende a independência, e o Kuomintang, que defende a política de "Uma só China". Finalmente, uma nova força política, que defende o status quo atual, mas sem necessariamente boas relações com Pequim. Nesse cenário entra o anúncio de Terry Gou, como candidato independente, somando a imagem de homem de sucesso ao fracasso do Kuomintang.

Em meio às promessas de crescimento econômico, ele afirmou que não permitirá que "Taiwan se torne a próxima Ucrânia” e que trará meio século de paz “ao estreito”, referência às relações entre as duas repúblicas chinesas. Para isso, ele aposta nos seus laços econômicos com a República Popular Chinesa, incluindo muitas fábricas e investimentos no continente.

Indo além do Kuomintang, ele se torna o candidato “anti-independência”, afirmando que o governista Lai Ching-te eleva as tensões com Pequim e coloca Taiwan no rumo da guerra, “a próxima Ucrânia”. Seus críticos, entretanto, afirmam que Terry Gou potencialmente seria um “fantoche” da China socialista, refém de seus interesses econômicos no continente e que não colocaria Taiwan como prioridade.

Taiwan iniciou eleições diretas para presidente em 1996. Desde então, apenas duas vezes um terceiro candidato teve mais que 10% dos votos e nunca quatro candidatos tiveram ao menos 10% dos votos. Esse é o inédito cenário que se desenha agora, com uma fragmentação da oposição o que beneficia Lai Ching-te e os independentistas. Ao menos no primeiro turno, é claro.

Conteúdo editado por:Bruna Frascolla Bloise
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