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O presidente Barack Obama condecora Bill e Melinda Gates com a Medalha Presidencial da Liberdade, em novembro de 2016.
O presidente Barack Obama condecora Bill e Melinda Gates com a Medalha Presidencial da Liberdade, em novembro de 2016.| Foto: Shawn Thew/EFE/EPA

Tomas Kuhn cunhou a expressão “mudança de paradigma” para se referir originalmente a uma alteração significativa nas concepções científicas dominantes em uma dada época. Obviamente, o termo não se restringe ao domínio especializado da ciência, aplicando-se também às mudanças de cosmovisão coletiva (ou Weltanschauung, como dizem os alemães) decorrentes da percepção social dessa alteração. É na mistura entre as conquistas científicas (ou tecnocientíficas) propriamente ditas e o simbolismo a elas associado – transmitido via literatura, cinema, música, artes plásticas, publicidade, jornalismo, política etc. – que ocorrem as grandes mudanças de paradigma de alcance sociocultural, capazes de mudar a maneira como, num determinado momento da história, a maioria das pessoas enxerga o mundo ao redor.

O ambientalismo – a preocupação legítima em não poluir o próprio ninho em que se vive e não ultrapassar os limites dos recursos naturais necessários à sobrevivência da espécie humana – pode ser considerado como uma dessas grandes “mudanças de paradigma”. Um evento simbólico que, sem dúvida, contribuiu para essa mudança foram as fotografias da Terra tiradas da Apollo 8 em dezembro de 1968. De repente, o nosso planeta aparecia com contornos bem visíveis, dando a impressão de ser pequeno, limitado e até certo ponto desamparado, boiando fragilmente na imensidão do universo. Daí decorreu toda uma imagética representando a Terra como “a nossa aldeia global” ou “o nosso lar comum”. E, desse simbolismo, uma espécie de renouveau da mentalidade malthusiana, pois as imagens da Apollo 8 deixavam a sensação de haver gente demais para um planetinha tão diminuto.

Embora as previsões radicais de Paul Ehrlich sobre superpopulação e fome tenham se mostrado infundadas, e suas propostas fossem obviamente totalitárias, uma cosmovisão misantrópica e neomalthusiana continuou prevalecendo entre as elites globalistas

Não demorou muito para que a administração dos recursos da aldeia global fosse requerida por uma série de caciques e síndicos, que, apresentando-se indiscriminadamente como “ambientalistas”, e sob o pretexto da ecologia, o que faziam mesmo era seguir a velha regra do “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Naquele mesmo ano de 1968, em que os terráqueos puderam ver o seu “lar comum” de uma perspectiva espacial, era fundado o Clube de Roma pelo industrial italiano Aurelio Peccei e pelo cientista escocês Alexander King (quem, de certa feita, descreveu a si próprio como “um protótipo do tecnocrata internacional”). Reunindo figuras ilustres das finanças, da ciência e da política, o Clube foi pioneiro na fusão entre malthusianismo e ambientalismo, criando a síntese que, até hoje, continua informando os principais ideólogos do “desenvolvimento sustentável”.

Também em 1968 foi publicado o livro A Bomba Populacional, de Paul R. Ehrlich, eminente biólogo e professor da Universidade de Stanford. O livro, que previa uma fome global iminente graças à superpopulação do planeta, foi muito influente no espírito dos protagonistas do Clube de Roma, tendo como um dos corolários o famoso relatório Os Limites do Crescimento?, publicado sob o patrocínio do Clube em 1972, e que serviu como uma espécie de bíblia para a agenda ambiental da ONU. Dizendo-se solidamente amparado na ciência – que só “negacionistas” ousariam questionar –, o autor fazia algumas propostas para impedir a catástrofe: 1. que as mulheres, especialmente as pobres, pudessem ser forçadas a abortar; 2. que a população em geral pudesse ser esterilizada por meio de drogas intencionalmente adicionadas na água e na comida; 3. que os bebês de mães solteiras e adolescentes fossem-lhes retirados à força e entregues a casais mais velhos; 4. que pessoas predispostas a “contribuir com a deterioração social” pudessem ser “forçados por lei a exercer sua responsabilidade reprodutiva” (ou seja, que fossem obrigadas a abortar e a se esterilizar); 5. que um “regime planetário” transnacional assumisse o controle da economia global e ditasse os detalhes mais íntimos da vida do cidadão comum, recorrendo a uma força policial internacional se preciso fosse.

Embora as previsões radicais de Ehrlich tenham se mostrado infundadas, e suas propostas fossem obviamente totalitárias, uma cosmovisão misantrópica e neomalthusiana continuou prevalecendo entre os representantes das elites globalistas. E aí temos, mais uma vez, de falar em Bill Gates – o cacique global personagem da coluna da semana passada – e a sua obsessiva agenda de controle populacional.

Em 1999, Bill e Melinda Gates fundaram o Instituto de População e Saúde Reprodutiva, sediado na Escola Bloomberg de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins. Embora, a certa altura, tenha adotado esse nome eufemístico (sendo “saúde reprodutiva” um conhecido eufemismo para a promoção do aborto), o instituto já chegou a se chamar “Instituto para o Controle Populacional”, uma forma bem mais honesta de descrever a sua atuação.

Com efeito, tanto o Instituto quanto a Fundação Gates têm investido pesado na promoção do aborto, especialmente entre mulheres pobres de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Filho de um ex-diretor da Planned Parenthood – fato pouco conhecido –, Bill Gates tem investido milhões de dólares todos os anos (ver, por exemplo, aqui) para subsidiar campanhas de controle de natalidade em regiões como a África Subsaariana e o Sudeste Asiático, fazendo da agenda contraceptiva uma das prioridades das organizações “filantrópicas” que levam o seu nome.

Tanto o Instituto quanto a Fundação Gates têm investido pesado na promoção do aborto, especialmente entre mulheres pobres de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento

Em seu livro The Moment of Lift: How Empowering Women Changes the World, Melinda Gates chega a sugerir que controle da natalidade equivale a controle da pobreza, e que, se as mulheres ocidentais são mais “empoderadas” que as africanas, por exemplo, isso se deve ao maior acesso a métodos contraceptivos e abortivos. Daí que a senhora Gates tenha empenhado US$ 5 bilhões para tornar as mulheres africanas menos férteis, menos restritas e mais “liberadas”, oferta que a ativista nigeriana pró-vida Obianuju Ekeocha, em memorável carta-resposta, recusou gentilmente, sob o argumento de que, para a imensa maioria das mulheres africanas, os bebês são recebidos como uma dádiva divina.

“Com sua incrível riqueza” – escreveu Ekeocha –, “Melinda quer substituir o legado de uma mulher africana (que são os seus filhos) pelo legado do ‘sexo livre’”. E disse mais: “Vejo esses US$ 5 bilhões nos trazendo miséria. Vejo-os trazendo-nos maridos infiéis. Vejo-os trazendo-nos ruas vazias e carentes do inocente tagarelar das crianças. Vejo-os trazendo-nos doença e, por fim, a morte. Vejo-os nos dando uma aposentadoria privada do amor terno e do cuidado dos nossos filhos”.

Eis aí um belo alerta, infelizmente inaudível aos ouvidos neomalthusianos de uma gente arrogante para quem o objetivo propalado de acabar com a pobreza passa necessariamente pelo controle reprodutivo dos pobres.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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