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Flávio Gordon

Flávio Gordon

Sua arma contra a corrupção da inteligência. Coluna atualizada às quartas-feiras

Governo Trump

“Isso acaba hoje”: o fim das ações afirmativas nos EUA e o desespero dos extremistas identitários

Entrevista da Fox News com Trump na presidência. (Foto: AARON SCHWARTZ / EFE/EPA / POOL)

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Como se sabe, já no primeiro dia empossado, o presidente americano Donald Trump assinou uma série de executive orders (um dispositivo governamental mais ou menos equivalente aos nossos “decretos-leis”) que causaram pânico e ranger de dentes nas hostes esquerdistas mundo afora. Dentre as ordens presidenciais que mais aterrorizaram os militantes de redação brasileiros, por exemplo, destacam-se aquelas visando à aniquilação das políticas woke amplamente adotadas pela administração Biden e reunidas sob a sigla DEI (“diversidade, equidade e inclusão”).

Na ordem executiva intitulada Fim da Discriminação Ilegal e Restauração das Oportunidades Baseadas no Mérito, por exemplo, lê-se que:

“As leis federais de direitos civis, de longa data, protegem os indivíduos americanos contra a discriminação baseada em raça, cor, religião, sexo ou origem nacional. Essas proteções de direitos civis servem como um alicerce que sustenta a igualdade de oportunidades para todos os americanos. Como Presidente, tenho o dever solene de garantir que essas leis sejam aplicadas em benefício de todos os americanos [...] Políticas ilegais de DEI e DEIA (diversidade, equidade, inclusão e acessibilidade) não só violam o texto e o espírito das nossas leis federais de direitos civis de longa data, mas também minam a nossa unidade nacional, pois negam, desacreditam e subvertem os valores americanos tradicionais de trabalho árduo, excelência e realização individual em favor de um sistema de privilégios baseado na identidade, que é ilegal, corrosivo e pernicioso. Americanos trabalhadores que merecem uma chance no Sonho Americano não devem ser estigmatizados, humilhados ou excluídos de oportunidades por causa de sua raça ou sexo [...] O Governo Federal é encarregado de fazer cumprir nossas leis de direitos civis. O propósito desta ordem é assegurar que ele o faça, encerrando preferências e discriminações ilegais”.

Na mesma linha, a ordem executiva intitulada Fim dos Programas Governamentais Radicais e Perdulários de DEI diz que:

“A administração Biden impôs programas de discriminação ilegais e imorais, sob o nome de ‘diversidade, equidade e inclusão’ (DEI), em praticamente todos os aspectos do Governo Federal, em áreas que vão desde a segurança aérea até o militar [...] Isso acaba hoje. Os americanos merecem um governo comprometido em servir a cada pessoa com igual dignidade e respeito, e em gastar os preciosos recursos dos contribuintes apenas para tornar a América grandiosa”.

Desesperados com o desmoronamento das políticas que refletem a sua ideologia, os radicais da Globo News, por exemplo, acusaram as medidas e os discursos de Trump de serem “supremacistas brancos”. A tese unanimemente repetida é a de que a revogação das práticas de DEI refletem apenas o interesse parcial e minoritário de uma parcela de homens brancos, heterossexuais e conservadores, implicando um “retrocesso” para a sociedade americana em geral, notadamente para os ditos grupos “minoritários” (negros, latinos, indígenas, mulheres, homossexuais, transgêneros etc.).

A tese não faz sentido, a começar pelo fato de que a revogação das políticas identitárias e de ações afirmativas foi uma promessa de campanha de Trump, cuja votação expressiva inédita entre negros, latinos e mulheres demonstra que uma parcela considerável do eleitorado pertencente aos tais segmentos “minoritários” aprova ou, no mínimo, não se incomoda com o fim do esquema DEI. Daí que o fim dessas políticas, longe de refletirem a visão de mundo supostamente preconceituosa de um punhado de “supremacistas brancos”, representam, ao contrário, parcelas cada vez maiores da sociedade americana, adeptas da isonomia, da meritocracia, da neutralidade racial e da unidade nacional – como, aliás, era o célebre sonho de Martin Luther King (significativamente citado por Trump em seu discurso de posse).

Mas a esquerda identitária não se convence pelos fatos. Há coisa de um ano e meio, quando a Suprema Corte dos Estados Unidos proibiu as universidades de utilizar critérios raciais em suas admissões, no caso Students for Fair Admissions vs. Harvard (SFFA vs. Harvard), os esquerdistas usaram exatamente o mesmo argumento, acusando a corte de ser pouco representativa, por excessivamente “conservadora” e “branca”.

Sem entrar agora no mérito sobre se atual Suprema Corte americana é ou não “conservadora”, basta-nos notar a estranha acusação de ser ela demasiado “branca”, uma vez que, no caso judicial supracitado, um dos votos mais belos e contundentes contra as ações afirmativas foi dado pelo juiz negro Clarence Thomas. Depois de afirmar que “o racialismo simplesmente não pode ser desfeito por um racialismo diferente ou maior”, e repudiar aqueles que, sob o pretexto de ajudá-los, tratam os negros como “uma casta perpetuamente inferior”, Thomas encerra com estas palavras a sua manifestação:

“Embora eu esteja dolorosamente ciente das devastações sociais e econômicas que caíram sobre minha raça e todos aqueles que sofrem discriminação, mantenho a esperança duradoura de que este país honrará seus princípios tão claramente enunciados na Declaração de Independência e na Constituição dos Estados Unidos: que todos os homens são criados iguais, são cidadãos iguais e devem ser tratados igualmente perante a lei”.

Nos EUA contemporâneos, mais e mais pessoas são multirraciais, ingressam em matrimônios inter-raciais e desafiam os estereótipos reducionistas dos identitários sobre como pessoas de uma determinada “raça” devem pensar e agir

Ademais, um ano após SSFA vs. Harvard, um estudo publicado pelo Instituto Manhattan, um think thank americano que avalia políticas públicas, mostrou que, ao contrário do que afirmavam os identitários, a grande maioria da sociedade americana – incluindo eleitores do Partido Democrata – apoiava a neutralidade racial, concordando no mérito com o juiz Thomas. Ou seja, a maioria dos americanos contemporâneos acredita intuitivamente que, como ensinou o reverendo King, a cor de pele e a etnia não determinam o caráter.

Foram as seguintes as principais conclusões do estudo do Instituto Manhattan, significativamente intitulado “Americans for Meritocracy:

  1. Em média, sete em cada dez americanos disseram que se opunham às admissões baseadas em raça no ensino superior.
  2. Foi importante que a organização SFFA focasse na discriminação contra estudantes asiáticos. Os entrevistados que foram informados de que a ação afirmativa prejudicava estudantes asiáticos (em vez de brancos) eram mais propensos a se oporem às preferências raciais nas admissões universitárias.
  3. A discriminação contra estudantes asiáticos revelada em SFFA vs. Harvard fez com que os democratas, em particular, se tornassem mais céticos em relação à ação afirmativa: menos da metade dos democratas apoiou a ação afirmativa assim que souberam que os estudantes asiáticos seriam desfavorecidos. Em contraste, 68% dos democratas que foram informados de que a ação afirmativa prejudicaria os estudantes brancos disseram que apoiavam a manutenção das preferências raciais.
  4. Em um experimento onde os entrevistados da pesquisa desempenharam o papel de um oficial de admissão de uma faculdade de medicina, a vasta maioria tomou decisões de admissão baseadas em critérios neutros em termos de raça e focados no mérito. Especificamente, quando solicitados a escolher entre dois candidatos concorrentes (um asiático, um negro), a maioria escolheu o candidato com melhores qualificações acadêmicas, mesmo que isso significasse não maximizar a diversidade na faculdade de medicina. Embora os entrevistados valorizem a diversidade racial em níveis marginais, verificamos que eles fazem isso apenas quando os candidatos têm qualificações acadêmicas relativamente comparáveis. No entanto, na prática, as universidades raramente implementaram políticas de admissão baseadas em raça dessa maneira.
  5. Em resumo, apesar do que os críticos progressistas argumentaram em sua tentativa de deslegitimar a decisão, SFFA vs. Harvard não foi um caso em que a Suprema Corte resolveu agradar a um pequeno segmento do eleitorado (“brancos conservadores”). Ao contrário, a preocupação da SFFA com a discriminação contra estudantes asiáticos reflete um amplo consenso entre o espectro político. Esse consenso é impulsionado por um público, incluindo a maioria dos democratas, que prioriza critérios de admissão baseados no mérito, em vez de maximizar a diversidade.

O estudo também mostrou que, no geral, os americanos estão cada vez mais resistentes à ideia de encaixar seus concidadãos nas caixinhas raciais predeterminadas – “imprecisas”, “opacas”, “excessivamente amplas”, “arbitrárias” e “insuficientemente inclusivas”, tal como descritas pela Suprema Corte na decisão final de SFFA vs. Harvard – que o governo Biden e instituições como Harvard vinham tentando impor.

Nos EUA contemporâneos, mais e mais pessoas são multirraciais, ingressam em matrimônios inter-raciais e desafiam os estereótipos reducionistas dos identitários sobre como pessoas de uma determinada “raça” devem pensar e agir.

Esse é o pensamento hegemônico na América, o que ajuda a explicar a vitória avassaladora de Trump. A obsessão com cotas e discriminação “positiva” destinadas a, supostamente, igualar resultados entre grupos raciais (em suma, a ideologia DEI) é que, ao contrário, reflete a agenda particular de uma minoria extremista e avessa aos valores americanos tradicionais. Mas, como bem disse Trump em sua ordem executiva, “isso acaba hoje!”.

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