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Manifestação a favor de Bolsonaro em Belém
Manifestação pró-Bolsonaro em Belém do Pará. Atos aconteceram em 156 cidades de todos os estados do Brasil.| Foto: Flávio Contente/Futura Press/Estadão Conteúdo

Nada mudou de 2013 para cá. As manifestações de rua da esquerda continuam repletas de gente mascarada e vestida de preto, armada de paus e pedras, com bandeiras radicais e símbolos antidemocráticos. Invariavelmente, o evento se encerra com depredação de patrimônio público e privado. O mais recente episódio deu-se em 15 de maio, por ocasião da campanha “Lula Livre” travestida de defesa da educação, quando, depois de confronto entre lulalivristas e policiais (alvos de rojões), um ônibus foi incendiado no Rio de Janeiro.

Ao longo desse período, em contraste, as manifestações de rua da direita – a exemplo dos atos em prol das reformas no último domingo, 26 de maio – têm sido sempre pacíficas, ordeiras e com pautas democráticas. Não há aí confronto com a polícia, vidraças quebradas ou ônibus incendiados. Nelas, a presença de famílias, crianças e idosos é um fato digno de nota, algo raro de se ver nos protestos organizados pela esquerda, usualmente conduzidos por militantes profissionais e protagonizados por black blocs.

Todavia, a imprensa insiste em tratar as primeiras manifestações com benevolência, e as segundas com hostilidade. Em relação às da esquerda, nossos jornalistas fazem questão de isolar os manifestantes mais radicais, descritos sempre como minoritários e contrários ao espírito dos protestos, mesmo que raramente o sejam. Em relação às da direita, ao contrário, os grupos realmente minoritários de radicais, desprezados pela maioria, são escolhidos a dedo para estampar as manchetes, como se representantes do todo. Com raras exceções, esse tem sido um padrão recorrente do jornalismo brasileiro ao longo dos últimos anos.

Tudo mudou de 2013 para cá. Uns aparentemente fartos de terem sido injustamente tachados de antidemocráticos por uma imprensa empenada para a esquerda, outros por pura húbris, muitos dos que estiveram nas ruas pelo impeachment decidiram se juntar a essa imprensa, descarregando sobre terceiros, num exótico rito de autopurificação, os mesmos estigmas de que foram vítimas no passado. Daí que, primeiro, tenham qualificado de antidemocráticas as manifestações que se anunciavam para o dia 26, com base em posicionamentos minoritários e irrelevantes de radicais nas redes sociais; e, segundo, com base nesse diagnóstico preconcebido, tentado boicotar e esvaziar as manifestações, de modo a magnificar a importância de sua própria presença, cabotinamente entendida como indispensável para o sucesso de toda e qualquer mobilização de massa. Apostaram, pois, todas as fichas no fracasso dos atos, que, sem a presença desses autoproclamados faróis da democracia, haveriam fatalmente de naufragar num oceano de trevas e obscurantismo.

Mas, naquele domingo, 26 de maio, fez sol na maior parte do país. E as manifestações foram um sucesso, não apenas pelo número expressivo de pessoas nas ruas (em especial no Rio e em São Paulo) e pela forma absolutamente pacífica e ordeira com que se comportaram, mas sobretudo pelo ineditismo das pautas, favoráveis a reformas usualmente impopulares como a da Previdência, entusiastas do pacote anticrime do ministro Sergio Moro, e comprometidas com a defesa do projeto de país eleitoralmente vitorioso no ano passado, mas que, aos cinco meses de vigência, já se vê ameaçado por conchavos políticos e midiáticos de teor abertamente golpista, com conversas sobre “parlamentarismo branco” e impeachment. Foi o que percebeu com nitidez o eleitorado conservador, que saiu às ruas também para expressar o seu repúdio à campanha política permanente movida pela imprensa (outrora dividida entre petistas e antipetistas, mas hoje unificada sob a bandeira do antibolsonarismo) contra o presidente eleito.

Diante do sucesso inegável das manifestações – inegável, menos para a extrema-imprensa, é claro –, o que fizeram os pretensos donos das ruas? Uns, é verdade, terminaram por reconhecer a contragosto a legitimidade e o caráter cívico dos atos. Outros, todavia, preferiram mergulhar fundo num estado de negação, ora recusando o que seus olhos mostravam (a grande quantidade de pessoas na rua), ora insistindo obstinadamente na tese fraudulenta sobre uma essência autoritária das manifestações. Como esse contorcionismo intelectual hercúleo não pudesse deixar de os abalar emocionalmente, resolveram buscar algum conforto psíquico na crítica, não mais ao fato consumado das manifestações bem-sucedidas, mas agora aos supostos efeitos negativos que viriam a ter sobre a agenda de reformas.

Mas, também nessa seara, os “corneteiros do fracasso” e “liberais gourmet” (como os denomina Guilherme Fiúza, colunista desta Gazeta do Povo) não se saíram melhor. Antes mesmo da ocorrência das manifestações, a pressão virtual das ruas se fez sentir sobre os parlamentares. Como informa matéria do site Congresso em Foco, a pressa com que Rodrigo Maia costurou um acordo para aprovar a medida provisória da reforma administrativa (MP 870) – uma das pautas dos manifestantes, aprovada pelo Senado na noite de ontem, dia 28 – visava ao esvaziamento dos atos do dia 26.

No dia seguinte às manifestações, o analista político Fernando Schüller, insuspeito de qualquer simpatia por Bolsonaro, declarou em entrevista à BBC News Brasil: “As manifestações melhoram as condições de negociação do governo no tabuleiro político do Congresso. Isto é evidente. Não é possível chegar à conclusão inversa, que li de alguns analistas, segundo a qual o sucesso dos movimentos faria mal ao governo. Não faz”. Dito e feito: em resposta aos atos, no dia 28 os líderes da Câmara, do Senado e do STF, junto ao presidente e ao chefe da Casa Civil, anunciaram um pacto pela aprovação da reforma previdenciária arquitetada por Paulo Guedes (outro que, aliás, ficou satisfeitíssimo com as manifestações). Também demonstrando otimismo após o sucesso das manifestações, a bolsa fechou o dia em alta. Nada disso foi capaz de convencer os enamorados da própria interpretação, entretanto. Contemplando o ser amado esvanecer-se em face da realidade, os românticos crisparam-se em dolorida introspecção, voltando-se para o aconchego de seu mundo interior, e para a cálida comunidade dos parceiros no faz-de-conta. Em queda livre no abismo de sua narrativa delirante, com as perninhas balançando contra o vazio, os bracinhos agitando por um colo, entregaram-se de corpo e alma à prática do autoelogio, sinal claro de que acusaram o golpe. Estavam certos de que, com terrível dor de cotovelo, as ruas chorosas cantariam a falta de seu apoio. Descobriram que, se canto houve, só pode ter sido aquele refrão de um grupo de pagode muito popular nos anos 1990, e que dizia assim: “Sabe quem perguntou por você? Sabe quem perguntou por você? Sabe quem perguntou por você? Ninguém”.

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