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Fredy Vieira/Santander Cultural
Fredy Vieira/Santander Cultural| Foto:

“O ano é 2029. Cecília e Marcelo estão na maternidade para o nascimento de seu primeiro filho. Depois de uma cesárea bem-sucedida, o bebezinho Eduardo é entregue à mãe e ambos são levados para o quarto. Chegando lá, recebem as visitas costumeiras do obstetra, da enfermeira de plantão, da especialista em amamentação e do tabelião lotado naquela maternidade. Os pais, que secretamente decoraram o quarto do bebê em tons de azul – qualquer ação que vise definir o gênero de uma criança sem o seu consentimento fora proibida pela Lei 15.386/27, que também baniu o azul e o rosa da paleta aceitável de cores –, foram obrigados a registrar Eduardo com dois nomes. A exigência é parte da Lei 13.628/25, que define as diretrizes para o registro de recém-nascidos respeitando o Estatuto da Diversidade de Gêneros e Raças (aprovado pelo Congresso no início de 2023), e que obriga todos os hospitais, maternidades e casas de parto a contar com um tabelião próprio, que faça o registro dos bebês na frente dos pais e de duas testemunhas de fora da família. Muito a contragosto, Cecília e Marcelo fazem a opção mais lógica e deixam ‘Eduarda’ como opção de nome.”

Você acha o parágrafo acima absurdo? Acha que algo assim jamais se tornará realidade? Infelizmente, trago más notícias. O fato histórico que faltava para elevar esse parágrafo fictício ao nível de realidade possível e provável aconteceu no Brasil nesta semana: quando Marco Madureira, presidente do Santander Cultural, assinou um termo de compromisso que obriga a instituição a realizar duas novas exposições sobre diferença e diversidade por ter encerrado a polêmica e imoral “Queermuseu”, o nosso país entrou definitivamente na era da ditadura institucionalizada. E a ditadura em que entramos é muito pior que a de meio século atrás. Aquela proibia, esta obriga; e essa diferença é o que separa os regimes autoritários “tradicionais” dos regimes autoritários distópicos que até então existiam apenas nas obras de ficção de George Orwell e Aldous Huxley, entre outros.

Regimes autoritários tradicionais – como ainda é o de Cuba, por exemplo – proíbem as pessoas de fazer coisas que elas fariam quando em um ambiente de liberdade. Mas a proibição tem sempre um efeito contrário, que todo pai ou mãe conhece muito bem: a inclinação natural do ser humano de desafiar o “não”. Afinal, para se proibir algo é preciso citar esse algo, e a mera citação costuma ser suficiente para suscitar o desejo da rebeldia. Em outras palavras, proibir não tira a proibição da mente, muito pelo contrário. Já a obrigação é um animal bem diferente. Se você é obrigado a fazer algo, aquilo vai aos poucos se incorporando ao seu leque de ações e pensamentos diários, sem que se dê conta de que está sendo tacitamente proibido de fazer qualquer coisa que seja contrária à referida obrigação. Pior que isso: enquanto a proibição impede a pessoa de agir como ela desejaria, a obrigação a faz muitas vezes agir contrariamente aos seus princípios e crenças.

Quando o Santander decidiu suspender a exposição Queermuseu por conta de uma forte reação popular contrária, agiu em respeito aos interesses e à opinião da maioria dos brasileiros e, como empresa privada que é, agiu em respeito aos interesses de seus acionistas, que viram o banco perder uma quantidade recorde de correntistas indignados com a tal exposição de “arte”. Quando o Estado interfere de forma tão acintosa e autoritária em questões privadas, como é o caso do Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul, a liberdade já não é mais um valor vigente na sociedade. Quando as empresas são obrigadas a desapontar seus clientes e as pessoas são obrigadas a trair seus valores, tudo para satisfazer o Estado, a democracia está morta. 2029 começa hoje.

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