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Jair Bolsonaro é carregado por apoiadores no Aeroporto Afonso Pena, em Curitiba, em março de 2018.
Jair Bolsonaro é carregado por apoiadores no Aeroporto Afonso Pena, em Curitiba, em março de 2018.| Foto: Heuler Andrey/AFP

Muita gente, especialmente os recém-convertidos ao cristianismo, ainda hoje se espanta com a escolha do povo judeu por Barrabás, descrita nos evangelhos. Porém, um breve estudo histórico da época é suficiente para compreender o motivo pelo qual alguém escolheria livrar um criminoso e colocar para morrer o Salvador da humanidade. O fato é que os judeus não queriam uma mensagem de amor, abnegação e santidade. Eles queriam alguém que trouxesse guerra, vitória terrena e vingança.

O Brasil de 2018 não era um país dominado pelo império da vez, mas certamente era (e continua sendo) um país dominado pelo crime, pela desonestidade e, por que não dizer, pela insanidade. Assim como havia uma parcela considerável de judeus que ansiavam por um justiçamento imediato, há uma parcela considerável de brasileiros que esperam o mesmo e que votaram em Jair Bolsonaro entendendo que ele seria o homem a concretizar esses anseios. Obviamente, o atual presidente da República não teria sido eleito somente por esse grupo de pessoas. Ainda que todos os que votaram nele no primeiro turno pensassem assim, estaríamos falando de 49 milhões de pessoas, o equivalente a pouco mais de 23,5% da população brasileira. Essa suposição, no entanto, passa longe de ser verdadeira. Muitos dos que votaram em Bolsonaro no primeiro turno o fizeram com o intuito de afastar o PT o mais rapidamente possível da disputa, praticando aquilo que é conhecido como “voto útil”.

Nem sempre o que é bom na campanha é bom no governo

A vitória subsequente de Bolsonaro, no segundo turno, se fez com grande parte dos eleitores que haviam votado em Alckmin, Amoêdo, Daciolo, Meirelles, Alvaro Dias e, arrisco dizer, uma parcela do eleitorado de Ciro Gomes. Novamente, foi uma derrota imposta ao PT e capitalizada pela ala mais fervorosa dos bolsonaristas como vitória acachapante do atual presidente. É claro que a campanha de Bolsonaro teve diversos méritos, atingindo níveis de quase genialidade no front eletrônico, com uma estratégia realmente vencedora nas mídias sociais.

Ocorre que nem sempre o que é bom na campanha é bom no governo. O monstro criado nos porões de Facebook e Twitter continua à solta mesmo depois da vitória, muito bem alimentado pelo próprio presidente e pelo núcleo duro de seu governo. No entendimento dessas pessoas, os quase 58 milhões de brasileiros que votaram em Bolsonaro estarão com ele para o que der e vier, independentemente de seus atos ou declarações. Esse entendimento é extremamente binário, separando todos em apenas dois grupos: os patriotas, que apoiam o presidente sob qualquer circunstância; e os traidores, que ousam criticar aquele que escapou da morte e venceu as eleições para salvar o Brasil – também conhecidos como esquerdopatas, tucanos, esquerdosos, safados, criminosos, vendidos, liberaloides, frescos, limpinhos, comunistas, isentões e muitos outros nomes que não citarei por serem de baixíssimo calão.

O pensamento binário só vê os patriotas, que apoiam o presidente sob qualquer circunstância; e os traidores, que ousam criticá-lo

Fazendo coro nas redes sociais para amplificar a voz dos “patriotas”, há um exército de robôs que interagem incansavelmente nas postagens de crítica ao presidente. Ontem mesmo pude conduzir uma experiência bastante esclarecedora desse fenômeno. Fiz um breve tuíte pedindo que qualquer um que concordasse com a fala de Bolsonaro sobre o pai do presidente da OAB comentasse com um asterisco. Até o fechamento deste artigo, o número de comentários passava de 7 mil. Ocorre que eu tenho ativado em minha conta de Twitter o filtro de usuários que elimina qualquer comentário vindo de contas com padrão de resposta automática (robôs), contas sem e-mail verificado, contas sem telefone celular verificado, contas muito recentes e contas com foto padrão. Menos de 700 comentários passaram por esse filtro, mostrando que mais de 90% foram feitos por contas suspeitas. Fazendo o download dos comentários e planilhando no Excel, fica ainda mais claro: mais de 6 mil vieram de contas com nome terminando em cinco ou mais dígitos numéricos, tipicamente um padrão de contas-robô.

Os apoiadores incondicionais de Bolsonaro acreditam que são em maior número do que realmente são. A bolha virtual em que estão inseridos os torna muito mais confiantes e a ação dos robôs lhes dá o conforto de estar com a maioria, ainda que seja uma maioria ilusória. Sua incoerência chegou a tal ponto que são capazes de se intitularem conservadores e cristãos ao mesmo tempo em que xingam sem pudor, aplaudem a intimidação alheia, defendem a violência e elogiam a morte. Se vivessem 2 mil anos atrás, muito provavelmente estariam entre os que gritaram “Barrabás!”. Afinal, Jesus Cristo jantou com as prostitutas e cobradores de impostos, perdoou pecados, pregou o amor aos inimigos e entregou-se como cordeiro manso no matadouro da iniquidade. Suas palavras eram doces, e as poucas vezes em que se exaltou foram justamente para se colocar contra os que se achavam justos e melhores que os outros. Mas nada disso importa para eles. Contanto que o mito e seus filhos governem o Brasil pelos próximos 40 anos e sejam um milésimo melhor que o PT, danem-se os princípios.

Em tempo, a palavra cristão significa “pequeno Cristo”.

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