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Foto: Evaristo Sá/AFP
Foto: Evaristo Sá/AFP| Foto:

Foram raríssimas as oportunidades em que eu abri o espaço da minha coluna de opinião para publicar um texto de outra pessoa. Só o faço quando o texto reflete com precisão o que eu penso do assunto, e o texto da amiga Michele Prado é um desses. Ela o publicou em seu perfil do Facebook no dia 5 de janeiro e eu reproduzo seus principais pontos abaixo, para depois comentar no final.

Eu sei que tem gente que iniciou oposição à esquerda, e mais especificamente ao PT, bem recentemente – coisa de quatro anos para cá, a partir das primeiras grandes manifestações anti-PT  – e talvez por isso não tenha prestado atenção aos inúmeros sinais de que a coisa não acabaria bem logo nos primeiros dias do governo Lula. Mas os sinais existiram. E foram muitos. Eu estou nessa há 20 anos. Vi muita coisa acontecer.

Um dos comportamentos que mais me chamou atenção e me causou repulsa, muito recorrente logo no início do mandato do meliante, foi: a cada erro da equipe e do próprio vagabundo havia uma multidão de “intelectuais” que corriam para explicar, traduzir, tornar mais palatável ou até mesmo modificar completamente o significado da mensagem. Ainda no primeiro ano, isso se tornou prática cada vez mais comum, com muitos deles formando um poder paralelo para blindar o governo – poder este devidamente remunerado com o dinheiro público, como bem sabemos.

Foi ainda nos idos de 2003 que surgiu o que chamamos de esgotosfera: um grupo de jornalistas, escritores, artistas e blogueiros que se denominavam “mídia alternativa” e que depois receberam a alcunha de “blogueiros sujos”. Lógico que tudo tinha método e tática. Os expoentes se tornaram porta-vozes do governo Lula e, para cada medida tomada por Lula, fosse boa ou ruim, faziam textos enaltecendo-o e os disparavam para que fossem compartilhados, criando a narrativa que o governo queria que fosse criada. Um exemplo: logo no início do governo, Marisa plantou flores vermelhas em formato de estrela nos jardins do palácio. A turba correu para justificar. Disseram até que nascia um novo Burle Marx e foi daí para pior.

Por que estou falando isso? Por causa das consequências deste tipo de comportamento que foi tão frequente nos últimos 20 anos. Uma das piores consequências foi blindar e fazer a manutenção de um governo que evidentemente nos levaria ao caos moral, político, econômico e social. Não tenho dúvidas de que sem esse tipo de expediente, utilizado pelo PT de forma massacrante, teríamos tirado esse partido demoníaco do poder ainda durante o escândalo do mensalão. É por isso que relembro aos amigos que a liberdade de pensamento é algo inegociável. E que governos devem sempre passar pelo escrutínio.

Estou preocupada com o que se desenha em relação a isso: todos correndo para criar narrativas que defendam governo e governantes, mesmo que para isso seja necessário retorcer conceitos da língua portuguesa. É preciso tomar muito cuidado para que mais uma vez não se crie um ambiente semelhante ao do passado. Sabemos que não termina bem. Além de não ter final feliz, existe um ponto muito importante: fatalmente, quem faz isso perderá a credibilidade que adquiriu ao longo dos anos. E, como temos exemplos disso todos os dias na imprensa, sabemos que retomá-la é quase impossível.

O governo só está começando e temos a chance de finalmente vermos medidas liberais (especialmente no âmbito econômico) que podem nos tirar desse pesadelo socialista sendo implementadas. Blindar ou camuflar os erros só vai dificultar o processo, impedir melhorias e dar poder demais ao Executivo e aos grupos de poder do entorno. Prudência e canja de galinha não fazem mal a ninguém, assim como a liberdade de pensamento e o direito de fazer críticas ao que estiver errado. 

Compartilho das preocupações de Michele. Sob justificativas como “não podemos dar poder ao discurso oposicionista da esquerda” ou “a mídia inteira já está contra Bolsonaro, deixem que eles cuidem da fiscalização”, muitos influenciadores e formadores de opinião estão se abstendo de fazer o seu papel moral e ético, que é o compromisso com a verdade, doa a quem doer. Em vez disso, têm se apropriado de subterfúgios comumente criticados por eles mesmos quando eram utilizados pelos colegas de esquerda. Quem se lembra da famosa argumentação “mas e o Aécio?” vai encontrar grande semelhança em sua versão direitista, a “mas e o fulano do PT?”. Outro clássico é o “deixem o homem trabalhar”, que não precisou nem ser adaptado para uso no novo governo. Até mesmo na hora de acusar quem quer que não apoie integralmente o governo a coisa é requentada – o antigo “você é um tucano enrustido” virou “você é um esquerdista enrustido”.

Infelizmente, a narrativa que tem tomado mais força na direita governista, e que faz parte dessa estrutura de blindagem, é a do “inimigo da pátria”: ou se é totalmente a favor do governo, sob a justificativa de que o apoio irrestrito é não só desejável, mas imprescindível para a expiação da nação brasileira, ou se é um traidor. Pior ainda: não se admite elogios vindos de alguém que já tenha tecido críticas. Nesse caso, a acusação é de oportunismo. É o famoso “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”.

Precisamos, mais do que nunca, elevar a liberdade de expressão à esfera mais alta de princípios a serem defendidos. Com a atual estrutura de blogueiros e tuiteiros a serviço do novo governo, qualquer crítica mínima é respondida com ataques, acusações e difamações. Não existe espaço para discussão, não existe meio de campo. O binarismo chegou e fincou raiz, e isso não é bom para ninguém. Como disse Michele, a oportunidade que temos é boa demais para ser desperdiçada.

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