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Acampamento de sem-teto em Berkeley, no estado da Califórnia, EUA
Acampamento de sem-teto em Berkeley, no estado da Califórnia, EUA.| Foto: EFE/EPA/John G. Mabanglo

Todos os anos, sempre no mês de janeiro, a U-Haul divulga seu relatório anual de utilização de frota. Para quem não sabe, a U-Haul é a empresa líder no aluguel de veículos de mudança – desde picapes até caminhões com baú de nove metros – em todo o território norte-americano. A grande maioria dos habitantes deste país não paga uma empresa de mudança quando sai de uma residência para outra. Aqui a gente faz tudo sozinho, no máximo com a ajuda dos amigos. Eu mesmo acabei de passar por isso. Você reserva um caminhão, diz onde quer pegar e onde quer devolver, diz quantas milhas pretende rodar, e depois escolhe se quer itens auxiliares como carrinhos para transportar móveis, mantas de proteção e plástico bolha. Chegado o dia da mudança, basta se dirigir à unidade escolhida, passar o cartão de crédito e sentar na boleia. Todos os veículos são de transmissão automática e de fácil direção.

E o que a U-Haul tem a ver com os grandes temas dos Estados Unidos? Muito. Por deter mais de metade de seu mercado, seus dados refletem o que está acontecendo em termos de mudanças de pessoas dentro do país. E os americanos se mudam bastante; em média, cada um se muda 11,7 vezes durante sua vida. De acordo com dados do último censo, 31 milhões de pessoas se mudaram no ano de 2019, quando a pandemia ainda não fazia parte da lista de motivos das pessoas. E dessas, mais de 3 milhões se mudaram para outro estado. E é aí que a coisa começa a ficar interessante, já que as diferenças entre estados no tocante a custo de vida, leis, educação e liberdade podem ser bem grandes dependendo de quem é comparado a quem.

As pessoas têm um limite de tolerância aos desmandos de governos ruins. E os governadores e legisladores democratas, via de regra, são muito ruins

Quando alguém se muda de estado utilizando um caminhão da U-Haul, o veículo é devolvido no destino. Ou seja, a empresa tem dados precisos de onde as pessoas saíram e para onde foram. E com base nesses dados, ela compila um ranking entre os 50 estados, onde o primeiro colocado é o que mais recebeu migrantes. Para nenhuma surpresa, a Califórnia ocupa mais uma vez a última posição no ranking de 2021, e o Texas ocupa a primeira. A Flórida vem logo atrás, em segundo, seguida de Tennessee, Carolina do Sul e Arizona. Somente em 2021 foram mais de 2 milhões de caminhões alugados para viagem só de ida. A média atual de pessoas por domicílio nos Estados Unidos é de 2,3. Isso significa que somente a U-Haul alugou caminhões para quase 5 milhões de migrantes, um número muito superior à média pré-pandemia. E um fato curioso: houve, em 2021, um momento em que a U-Haul ficou sem nenhum caminhão disponível aos californianos, tamanho foi o êxodo do estado.

A explicação para esses dados é bastante simples. As pessoas têm um limite de tolerância aos desmandos de governos ruins. E os governadores e legisladores democratas, via de regra, são muito ruins. Não há surpresa nenhuma na última posição da Califórnia, nem na falta de caminhões por lá. A lista é longa, mas os fatores principais são custo de vida altíssimo, violência e sujeira nos grandes centros, impostos e mais impostos, estímulo à criminalidade por conta de leis absurdas, interferência do Estado em assuntos familiares e educacionais e, no topo de tudo isso, as políticas autoritárias adotadas durante a pandemia. Cada vez mais as pessoas se perguntam “por que ficar aqui se posso viver melhor em outro lugar?” e acabam encontrando a mesma resposta. O final da história geralmente se dá em uma unidade da U-Haul.

Curiosamente, os dois estados que mais receberam migrantes em 2021 são também os mais republicanos da nação. São os estados em que as restrições relacionadas à pandemia foram mais frouxas, onde a obrigatoriedade de uso de máscara durou muito pouco tempo, onde se permitiu que a economia fosse reaberta o mais rapidamente possível, e onde os governadores e legisladores estaduais trabalharam para manter as liberdades que sempre caracterizaram os Estados Unidos da América como um farol para o mundo. Acho que, no fim das contas, as pessoas gostam mesmo é de liberdade, ainda que sejam chamadas de “negacionistas”, “antivaxers” ou “terraplanistas”. No fim das contas, elas querem apenas ser deixadas em paz, sob uma interferência mínima do Estado, livres para cuidar de suas famílias e educar seus filhos conforme lhes aprouver.

Enquanto isso, as condições de vida não param de piorar nos fortes redutos democratas, onde o Estado quer em tudo mandar. E as diferenças entre estados muito azuis e muito vermelhos vão se aprofundando cada dia mais. É difícil prever o resultado desse processo. Politicamente, a migração afeta a representatividade dos estados no Legislativo federal. É uma transformação de longo prazo, mas que ganhou uma turboalimentação com as migrações relacionadas à pandemia. E o ano de 2022 trará ainda dois resultados de impacto gigantesco sobre a política norte-americana: a decisão da Suprema Corte sobre o caso da lei de restrição de aborto do Mississippi – que pode reverter a jurisprudência de Roe v. Wade – e os resultados das eleições de midterm. A se confirmarem os prognósticos, os liberais enfrentarão uma derrota histórica, e o abismo entre os dois partidos pode se aprofundar ainda mais, já que é pouco provável que os democratas optem pelo caminho mais ao centro (é quase certo que triplicarão a aposta na radicalização e se afastarão ainda mais para a esquerda).

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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