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Manifestação a favor de Bolsonaro em Belém
Manifestação pró-Bolsonaro em Belém do Pará.| Foto: Flávio Contente/Futura Press/Estadão Conteúdo

Faz sete anos que comecei a escrever sobre política. Como quase todo colunista deste século, iniciei com um blog; depois, passei a escrever esporadicamente para jornais e portais de notícias, até que fui contratado como colunista fixo na Gazeta do Povo e publiquei meus dois livros. Nesses sete anos, não achei que fosse ver uma mudança tão drástica no perfil do que chamarei aqui de “a direita brasileira”. E, como era esperado, o divisor de águas foi a eleição de Jair Bolsonaro.

Lá atrás, no início da década de 2010, ainda se dizia que o PSDB era um partido de direita. O Brasil já amargava o terceiro mandato petista na Presidência da República e todas as pessoas cujas orientações ideológicas pendessem um milímetro sequer à direita consideravam-se aliadas com um único propósito: tirar o PT do Palácio do Planalto. Nessa época, conservadores, liberais, libertários, ancaps, tios e tias do WhatsApp, fossem católicos ou protestantes, palmeirenses ou corintianos, viviam uma trégua momentânea. O nome de Jair Bolsonaro estava longe de ser consenso entre essa turma toda – na verdade, nunca chegou a sê-lo. Até para o Aécio Neves a gente torceu.

A “direita radical brasileira” exibe traços de comportamento muito semelhantes aos da esquerda radical brasileira

Foi na campanha de 2018 que as rachaduras aconteceram. Os bolsonaristas se mostraram extremamente aguerridos na campanha, ajudando a colar o discurso de que seu candidato era o único capaz de vencer o PT no segundo turno. Com uma bela ajuda dos outros candidatos –  que erraram feio em suas estratégias de campanha – e do atentado que por pouco não lhe tirou a vida, Bolsonaro capturou uma quantidade surpreendente de votos logo no primeiro turno, e levou o segundo em cima da grande prancha do “PT Nunca Mais”, numa surfada relativamente fácil. Estava consolidada ali sua base de apoio popular, que se radicalizaria cada dia mais depois da posse, usando como base a premissa de que qualquer pessoa que se coloque contra o novo governo deve ser classificada e tratada como traidora do Brasil. A regra vale com mais rigor ainda se essa pessoa for ex-bolsonarista.

Esse grupo, que chamarei aqui de “direita radical brasileira”, exibe traços de comportamento muito semelhantes aos da esquerda radical brasileira, aquele pessoal que não parou de gritar “Lula livre” até o dia em que o ex-presidente deixou o prédio da Polícia Federal em Curitiba. São apoiadores incondicionais, gente que coloca ideologia acima de princípios em nome de um pragmatismo político momentâneo e fajuto, gente que se apega a pessoas em vez de ideias, gente que prefere o pensamento superficial leal ao pensamento superior crítico. E, assim como aconteceu com seus pares na esquerda, em certo momento começaram a negar o conhecimento e a ciência para abraçarem teorias da conspiração absurdas.

Assim, por exemplo, os influenciadores de direita criticavam os de esquerda porque estes pregavam a ideologia de gênero. Diziam (e ainda dizem, com razão) que o ser humano, biologicamente falando, só consegue assumir dois papéis distintos, e de homem (macho) e o de mulher (fêmea). Pois bem: muitos desses influenciadores, já em sua versão mais governista e bolsonarizada, agora dizem que a Terra não necessariamente é esférica, e sim plana. Dizem também que não se deve dar vacinas aos filhos. As teorias por trás das duas correntes são fartas: para justificar a Terra plana mesmo em um mundo que se comunica por satélites artificiais o tempo todo, dizem que há uma miríade de cabos subterrâneos conectando os acessos em continentes diferentes e que todas as imagens da Terra e de outros planetas são montagens fictícias feitas na Nasa. Da mesma forma, para justificarem o ataque às vacinas, puxam da cartola artigos obscuros sobre a ganância dos laboratórios farmacêuticos ou teorias estapafúrdias que envolvem uma pequena elite de vilões cujo objetivo principal é tornar as crianças do futuro estéreis e sem saúde. Ignoram-se todas as evidências fáticas e científicas em ambos os casos, exatamente da mesma maneira que se fez com a questão dos gêneros sexuais e outras invenções da agenda de esquerda para o nosso mundo tão castigado pela imbecilidade.

O que torna as pessoas tão propensas a abraçar ideias contrárias à ciência, à lógica e ao bom senso? Seria a militância política em excesso? Seria a ignorância intelectual? Seria a necessidade de pertencimento? Provavelmente, uma mistura das três coisas. Afinal, a militância em excesso acaba gerando uma conexão bem longe do saudável entre a pessoa e seu político preferido. Na presença da ignorância, a submissão cria uma forte estrutura protetora na mente do militante e une outras pessoas com o mesmo nível de entrega intelectual. Nesse contexto, basta que alguma pessoa de destaque no movimento dê endosso a uma ideia dessas para que uma boa parcela do grupo também seja convencida e encantada. E assim se criam terraplanistas, antivacinistas, LGBTQuistas etc.

Infelizmente, o Brasil de 2020 sofre da escassez de bom senso e do excesso de radicalismo. Sabe-se lá quais serão as loucuras que nos abaterão nesses anos 20. Pelo andar das coisas, estamos tendendo a uma polarização cada vez maior e um espaço central de troca de ideias e discussões cada vez mais diminuto. Enquanto esse espaço existir, por menor que seja, opinaremos nele.

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