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Foto: Elisabete de Lima Andrade/PUC-SP
Foto: Elisabete de Lima Andrade/PUC-SP| Foto:

O governo do Rio de Janeiro emitiu, no último dia 30, um decreto (46.072/17) que regulamenta a garantia de um vagão exclusivo para mulheres nos trens e metrôs do estado. Essa medida, já adotada em outros estados e capitais, é um exemplo bastante didático do distúrbio bipolar que permeia todo o pensamento de esquerda. Voltaremos ao assunto no decorrer desta reflexão.

Eu sempre considerei o sucesso da esquerda como uma das coisas mais logicamente inexplicáveis da história humana. O arcabouço de conceitos que compõe essa ideologia é contraditório em seu próprio cerne. Ao afirmar isso, não estou negando a natureza dialética de muitas construções das ciências humanas; estou afirmando que o pensamento de esquerda, principalmente o que tem predominado neste início de século, consegue ser ao mesmo tempo não lógico e não dialético. Em outras palavras, está no limiar da insanidade.

Analisar esse pensamento, conceito a conceito, mostrando suas contradições existenciais, levaria um livro inteiro. Mas, a fim de exemplificar o que estou a dizer, creio que seja interessante fazer um breve comentário sobre alguns pontos, começando pela paixão louca que todo esquerdista tem pelo Estado.

Assim como qualquer outra entidade criada e formada essencialmente por seres humanos, o Estado não passa de um aglomerado de pessoas agindo sob determinadas regras, as quais podem ser aplicadas em diferentes graus de rigidez dependendo do nível de controle e cobrança da população que vive debaixo de sua esfera de poder. Para o esquerdista, quanto mais Estado, melhor, seja agindo diretamente ou regulando a vida das pessoas e as operações das empresas privadas. Mas a própria defesa de um Estado paternalista e cuidador dos cidadãos em cada mínimo detalhe é autocontraditória, a não ser que aceitemos o pressuposto de que alguns seres humanos são intrinsecamente melhores do que outros. Só que a premissa da esquerda é justamente sermos todos igualmente incapazes de sobreviver somente de nossa individualidade. Como pode ser possível, então, formar uma entidade a partir de pessoas igualmente incapazes e colocá-la para gerir a vida dessas mesmas pessoas e de seus semelhantes? Seria como juntar um monte de crianças e esperar que elas consigam organizar sozinhas uma liderança funcional e benéfica para o grupo. É óbvio que um experimento assim terminaria em muitos bumbuns assados, braços mordidos e brinquedos quebrados, além da fome generalizada, o que não deixa de ser um simulacro de algumas sociedades que vivem atualmente sob governos socialistas.

Essa autocontradição se faz presente em praticamente todas as pautas da esquerda. É por isso que vemos coisas como gayzistas defendendo o islamismo que os assassina; desarmamentistas andando com seguranças fortemente armados; celebridades ecologicamente cretinas preocupadas com a flatulência bovina enquanto queimam toneladas de combustível em seus jatos particulares; e, voltando ao nosso primeiro parágrafo, gente que aprova a existência de vagões exclusivos para mulheres ao mesmo tempo que defende a extinção dos banheiros masculino e feminino por entender que o sexo biológico deve ser desconsiderado em virtude da questão dos gêneros.

Dizem os defensores da aberração cognitiva denominada “ideologia de gênero” que o sexo biológico de uma pessoa não passa de uma construção cultural e social. Simone Beauvoir, escritora admirada por 11 em cada 10 feministas, chega a dizer que a gravidez limita a autonomia feminina porque cria laços biológicos entre a mulher e as crianças, criando assim um papel de gênero (mãe). Novamente, a análise das raízes do feminismo e do seu desenvolvimento através das últimas seis ou sete décadas também exigiria um livro, mas não é difícil de perceber que o discurso do gênero compõe grande parte da base “intelectual” do feminismo. Para afirmar a igualdade absoluta (e, no caso das feministas radicais, a supremacia da mulher), é necessário desprover o ser humano de sua diferença mais básica: ser homem ou mulher.

No Brasil e na grande maioria das nações democráticas do século 21, é possível afirmar, sem muita chance de erro, que as mulheres alcançaram um nível de igualdade jurídica sem precedentes em relação aos homens. Mas, sendo a ideologia de gênero completamente descolada da realidade humana – ela, sim, não passa de uma construção social ou, melhor dizendo, uma construção boçal originária de inúmeras teses de mestrado e doutorado sem pé nem cabeça –, é claro que ela não poderia ser aplicada à sociedade sem efeitos colaterais, quase como um corpo que rejeita algo estranho que lhe tenha sido implantado. E eis que surgem os trans, aquelas pessoas que não se identificam com seu sexo biológico. Surfando na onda do respeito aos direitos das minorias, usando a prancha do politicamente correto, marmanjos cheios de testosterona só precisam se declarar “mulheres aprisionadas em corpos de homem” para poderem fazer tudo o que uma mulher faz, exceto ter filhos (algo que a esquerda já não aprecia muito, dada sua disposição em matar bebês em gestação e em diminuir a população deste nosso planeta mais que espaçoso). Foi assim que a lutadora Fallon Fox conquistou suas duas vitórias no circuito profissional de MMA feminino. O detalhe é que Fallon é biologicamente um homem, ou seja, forte como um homem e resistente como um homem. Sua última luta, em 5 de março deste ano, durou apenas 39 segundos. A outra lutadora não teve nenhuma chance. Um outro episódio bastante pitoresco aconteceu em meados de 2015. Na ocasião, um rapaz barbado resolveu participar de um encontro feminista alegando ser uma mulher lésbica presa no corpo de um homem. O sujeito em questão tomou banho ao lado de dezenas de mulheres, beijou algumas delas, e saiu ileso e justificado pelo próprio discurso da ideologia de gênero: qualquer reclamação contra ele poderia ser classificada como intolerância ao seu gênero.

Vivemos uma época realmente estranha. A busca por vida inteligente, objetivo que até pouco tempo atrás era exclusivo dos astrônomos, tornou-se algo comum entre as pessoas sãs e normais. A agenda do ativismo politicamente correto imbecilizou boa parte do planeta, universidades renomadas têm se tornado centros de formação de jovens mimados e sem noção da realidade, e os governos progressistas têm trabalhado incansavelmente para promover pautas diametralmente opostas aos valores que um dia nos possibilitaram sair da barbárie e formar uma civilização. Chegará o momento em que o mundo passará por uma nova grande crise, nas proporções de uma Segunda Guerra Mundial, e toda frescura terá de ser deixada de lado. Essa, talvez, seja nossa única esperança.

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