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Robert F. Kennedy Jr., em foto de 2019.
Robert F. Kennedy Jr., em foto de 2019.| Foto: Elvira Urquijo A./EFE

Há diversos bustos e retratos de americanos ilustres no Salão Oval da Casa Branca. O presidente Joe Biden já disse que cada um deles o inspirou de alguma forma na vida política. Um, entretanto, ocupa posição de permanente destaque, ficando ao fundo do presidente durante seus pronunciamentos. Esse busto é o de Robert F. Kennedy. E é justamente o seu homônimo, Robert F. Kennedy Jr., um dos principais inimigos políticos de Biden.

Até pouco tempo atrás, parecia que o atual presidente democrata passaria direto pelas primárias de seu partido sem um adversário de verdade. Alguém pode dizer, “ah, mas e a Marianne Williamson, que anunciou sua candidatura antes de todo mundo?” Ora, a minha resposta a isso é “e quem por acaso conhece Marianne Williamson?” A escritora de livros de autoajuda, que já concorreu nas primárias em 2019, não mostra nenhuma força nas pesquisas.

Em abril, porém, a ovelha negra do clã dos Kennedy decidiu colocar o nome na disputa. E sua candidatura veio acompanhada de posições bastante incomuns para um político democrata. Como exemplo, ele é um crítico ferrenho das vacinas contra a Covid-19, uma posição que é vista nos Estados Unidos – e em todo o mundo – como algo vindo de extremistas de direita. Esses diferenciais em relação ao establishment democrata, somados à fama de seu sobrenome, deram a RFK Jr. 20% das intenções de voto nas primeiras pesquisas que saíram após seu anúncio de candidatura. Esse número não se manteve, mas ainda se encontra na casa dos 15%, contra 5% de Williamson e 64% de Biden.

Até pouco tempo atrás, parecia que o atual presidente democrata passaria direto pelas primárias de seu partido sem um adversário de verdade

Obviamente, como a campanha ainda não começou para valer, esses números não têm tanta relevância assim. Ainda mais se o atual presidente participar de algum debate com seus oponentes, caso em que suas óbvias deficiências cognitivas o deixarão em posição extremamente delicada, podendo catapultar RFK Jr. na preferência popular.

Para que você, brasileiro, possa entender um pouco melhor a situação das primárias democratas deste ano, tentarei traçar uma perspectiva histórica comparando a posição de Biden com a de três de seus predecessores democratas mais recentes.

Carter e (um outro) Kennedy

Não é a primeira vez que um Kennedy desafia um presidente democrata em exercício. Isso aconteceu nas primárias de 1980. Na época, o presidente dos Estados Unidos era o impopular Jimmy Carter, que teve de enfrentar Ted Kennedy para garantir sua vaga nas eleições gerais. Carter sempre foi moderado demais para a ala liberal do partido, e sem graça demais para o restante dele.

Kennedy, por sua vez, estava em conflito sobre se candidatar ou não. Por um lado, ele era o último irmão sobrevivente de dois mártires ​​democratas e, portanto, sujeito a uma pressão imensa para pegar o bastão da família. Por outro lado, ele temia por sua segurança, seu casamento estava desmoronando, e ninguém havia esquecido do incidente de Chappaquiddick – o episódio em que Ted Kennedy, por negligência ao volante, despencou com seu carro de uma ponte, causando a morte de Mary Jo Kopechne, passageira no veículo.

Em junho de 1979, a inimizade entre Carter e Kennedy estava chegando ao ponto de ebulição. Apenas um dia depois de uma pesquisa da CBS/New York Times mostrar Carter 29 pontos atrás de Kennedy, o então presidente disse aos democratas do Congresso que daria uma surra no adversário.

No fim das contas, Kennedy acabou desistindo da disputa durante a convenção democrata, apesar de ter obtido quase 40% do voto popular. Carter foi o escolhido, e também quem levou uma surra. De Ronald Reagan, nas gerais.

Clinton e Jackson

Após as desastrosas midterms de 1994, os democratas estavam preocupados com a possibilidade de Bill Clinton seguir os passos de Carter se enfrentasse um adversário de peso nas primárias. No entanto, Clinton tinha uma grande vantagem a seu favor: não havia ninguém no partido com a popularidade semelhante à de Kennedy em 1979. Mas havia alguém que poderia lhe causar problemas.

Depois que Jesse Jackson fez suas próprias campanhas para a indicação democrata em 1984 e 1988, ele esperava ser tratado como alguém de peso pelos líderes do partido, algo que nunca aconteceu. Mesmo assim, Jackson começou a espalhar que concorreria à vaga democrata nas primárias de 1995, ou que até mesmo sairia candidato independente nas gerais de 96, uma possibilidade com efeitos devastadores para os democratas.

Ainda que Biden apresente números horríveis de aprovação, e que suas habilidades cognitivas sejam constantemente colocadas em dúvida, tirar um presidente da disputa pela reeleição é algo extremamente incomum na política americana

Mas no meio do caminho havia uma vaga para o Congresso. Quando a cadeira do segundo distrito de Illinois ficou vaga no meio do mandato, o filho de Jackson, Jesse Jackson Jr., aproveitou a oportunidade. Aparentemente, Clinton e Jackson pai chegaram a um acordo após a vitória de júnior. Jackson desistiu da disputa e Clinton concorreu e venceu as gerais, garantindo seu segundo mandato.

A título de curiosidade, a carreira política de Jesse Jackson Jr. terminou com sua renúncia em 2012, após acusações de irregularidades de campanha. Ele acabou condenado e passou quase dois anos preso.

Obama e Hillary

Quando Barack Obama se aproximou do fim de seu primeiro mandato, já haviam se passado 20 anos desde que um presidente em exercício tivesse enfrentado um desafio sério nas primárias. No entanto, isso não impediu que especulações das mais diversas viessem à tona.

Depois que os republicanos viraram a cadeira de Ted Kennedy em uma eleição especial em 2010, rumores se espalharam de que Hillary Clinton poderia ser uma opção melhor que Obama em 2012. Em setembro de 2010, quando começaram a pipocar pesquisas das primárias de ambos os partidos, Clinton pontuava na faixa dos 37% contra 52% de Obama.

Embora Hillary jamais tenha chegado aos números de Ted Kennedy contra Carter, seu desempenho foi muito melhor que qualquer número de RFK Jr. até o momento.

Conclusão

Como você pode ver, Bill Clinton e Barack Obama enfrentaram ameaças primárias que nunca se materializaram, enquanto Jimmy Carter teve de lidar com um desafio que ajudou a acabar com sua reeleição.

Biden parece estar preso em um meio termo entre todos eles. Kennedy Jr. e Williamson parecem propensos a permanecer na corrida até as primárias, mas ao mesmo tempo parecem incapazes de ameaçar seriamente a indicação de Biden.

Acredito que o partido não permitirá que RFK Jr. se torne o candidato democrata. Se Biden estiver muito mal, minha aposta é que alguém seja convocado para a disputa, e eu creio que essa pessoa seja o governador da Califórnia, Gavin Newsom

Ainda que o atual presidente apresente números horríveis de aprovação, e que suas habilidades cognitivas sejam constantemente colocadas em dúvida, tirar um presidente da disputa pela reeleição é algo extremamente incomum na política americana. Some-se a isso a insignificância de Williamson e as posições de RFK Jr. – que em nada agradam os caciques do partido – e o atual e senil presidente deve realmente carimbar seu passaporte para as gerais.

Mas e se Joe Biden simplesmente não conseguir se articular nos debates, ou se se recusar a participar e vir seu apoio cair vertiginosamente? Eu pessoalmente acredito que o partido não permitirá que RFK Jr. chegue lá. Minha aposta é que alguém seja convocado para a disputa, e eu creio que essa pessoa seja o governador da Califórnia, Gavin Newsom. Newsom tem a aparência de moderado, mas é mais liberal que a média do partido. E ele governa o maior estado da nação.

Como sempre digo, acompanhemos o desfecho dessas primárias. Conforme as coisas forem acontecendo, farei atualizações dessas análises.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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