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Do jeito delas
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Priscila Forone/ Gazeta do Povo
Letícia da Silva Saltori: “Nos treinos, aprendi que, durante a TPM [tensão pré-menstrual], preciso pegar mais leve, diminuir a intensidade, porque meu corpo já está sendo muito exigido nessa fase”

O técnico da seleção brasileira de vôlei, José Roberto Guimarães, afirma que o mais difícil em comandar mulheres é entender como elas sempre dão uma última espiadela no espelho antes dos jogos, mesmo em partidas decisivas. Mas quem dera que compreender a vaidade feminina fosse o suficiente para tirar o melhor de uma atleta.

Confira a entrevista com a médica ginecologista e obstetra Tathiana Parmegiano

Mu­­lhe­­res exigem, sim, um treinamento com peculiaridades diferentes das dos homens. Não se trata de dar privilégios ao sexo feminino, e sim lidar com as variações hormonais das quais os ho­­mens estão livres.

“Ainda faltam profissionais da Educação Física, preparados para orientar as mulheres no esporte conforme suas características hormonais. Elas têm períodos em que se sentem mais pesadas, mais lentas. Em geral, é no período pré-menstrual, em que há o predomínio da progesterona, que causa retenção de líquido e alteração do humor”, diz a ginecologista, obstetra e corredora Mariane Corbetta.

Considerar o ciclo menstrual na programação de treinamentos e na confecção do calendário de provas é algo que deveria ser habitual entre atletas e técnicos, tanto no alto rendimento quanto entre corredoras amadoras.

“A influência do ciclo menstrual é muito individual e deve ser discutida com cada mulher. Cada uma pode preferir uma fase, na qual se sinta melhor para competir. Podem até mesmo ‘gostar’ de menstruar por se sentirem mais fortes ou se aproveitarem das alterações de hu­­mor”, diz a especialista em medicina esportiva e ginecologista das seleções brasileiras de basquete e judô, Tathiana Par­­me­­gia­­no.

Com uso de contraceptivos hormonais pode-se, inclusive, planejar ou, conforme o caso, suspender o ciclo para que a corredora faça as provas na fase em que se sentir melhor. Não é o caso da corredora Letícia da Silva Saltori, que diz não se incomodar em disputar as corridas no pré-menstrual ou durante a menstruação.

“Nos treinos, aprendi que, durante a TPM [tensão pré-menstrual], preciso pegar mais leve, diminuir a intensidade, porque meu corpo já está sendo muito exigido nessa fase”, fala. Letícia conta que sugerir essa adaptação ao seu técnico foi bastante fácil porque é orientada pelo noivo.

Mas nem sempre essa conversa é tão natural. Tathiana afirma que o assunto ainda é subestimado. “As questões ginecológicas ainda não fazem parte da avaliação pré-participação. Mas deveriam”, diz. Ma­­riane sugere que a atleta mantenha um diário em que relate seu estado físico e de humor, relacionando-o com o ciclo menstrual, para perceber melhor seu comportamento e relatá-lo ao seu técnico.

O ortopedista especialista em joelho Edilson Thiele afirma que as mulheres têm até sete vezes mais risco de lesionar o joelho. Elas têm a bacia mais larga, o que força os membros inferiores a formar um X, com os joelhos no centro, ge­­rando rotação para dentro du­­rante a corrida. Isso amplia a possibilidade de uma lesão no ligamento cruzado anterior.

“Para minimizar esse risco é que as mulheres devem associar a corrida com a prática da musculação, que visa ao fortalecimento da musculatura das pernas”, explica.

Tathiana ainda destaca que as corredoras são mais suscetíveis a desenvolver incontinência urinária. “O impacto repetitivo e a própria fadiga da musculatura do assoalho pélvico estão associados à perda involuntária de urina. Nenhuma perda urinária é normal, pois o quadro é, na maioria das vezes, progressivo”.

Ela recomenda atividades de fortalecimento dessa musculatura, com auxílio de fisioterapeutas. Pilates e ioga são atividades que trabalham essa região.

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Pílulas

As ginecologistas Mariane Corbetta e Tathiana Parmegiano indicam às mulheres como ter um melhor rendimento na corrida:

Olho na balança

Cuidado com grandes perdas de peso em pequenos espaços de tem­­po: podem causar amenorréia (sus­­pensão da menstruação por mais de três meses), que podem causar alterações hormonais e, como consequência, alterações ósseas, aumentando risco de lesões.

Protetor solar

O hormônio estrogênio das pílulas anticoncepcionais, associado à pre­­dis­­posição individual de cada corredora, pode au­­men­­tar o risco de manchas na pele. A re­­co­­mendação é não descui­­dar na aplica­­ção de protetor solar para os treinos.

Endorfina

A prática de atividade física aumenta a produção de endorfina, o que diminui as cólicas e os sintomas da tensão pré-menstrual (TPM). Mas quando elas são muito fortes, podem ser minimizadas com tratamento médico.

Sem parar

Use rou­­pas confortáveis e absorventes que não atrapalhem durante o período menstrual. Para correr, use tops que mante­­nham os seios firmes, mas sem apertar. Há mulheres que sobre­­põem duas peças para garantir maior firmeza.

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Entrevista
Tathiana Parmegiano, ginecologista e obstetra, especializada em Medicina Esportiva e ginecologista das seleções brasileiras de basquete e judô e das atletas do Time Rio, pelo Comitê Olímpico Brasileiro

Como o ciclo menstrual afeta o desempenho das mulheres na atividade física? Há algum período do ciclo em que estão mais ou menos propensas ao treinamento?

A influência do ciclo menstrual é muito individual e deve ser discutida com cada mulher. Cada uma pode preferir uma fase do ciclo, na qual se sinta melhor para competir ou que perceba que seu treino “rende” mais, assim como haverá aquelas que não irão referir diferença alguma relacionada à menstruação. Podem até mesmo “gostar” de menstruar por se sentirem mais fortes ou se aproveitarem das alterações de humor. No geral, principalmente devido aos sintomas de TPM, as mulheres preferem o período pós-menstrual para competir. Mas, como disse, isso não é uma regra.

Há uma forma de usar o ciclo a favor da atleta? Os treinos podem ser feitos com base nele?

Com o uso de contraceptivos hormonais podemos “planejar” o ciclo e dar a oportunidade da corredora fazer sua prova na fase do ciclo em que se sente melhor. Ou, às vezes, apenas evitar a menstruação no período. Ou mesmo dar apenas condições de treino adequadas, minimizando sintomas relacionados ao ciclo menstrual. Isso, claro, se a menstruação for um fator negativo. Além disso, uma mulher que perceba as variações de desempenho ao longo de seu ciclo, se tiver um técnico que dê liberdade para a discussão dessa questão, poderá fazer com que o treino seja programado de acordo com o período de seu ciclo, visando agregar principalmente seus treinos mais importante a seus “melhores dias”.

Há como amenizar os efeitos da TPM com a atividade física? E, como fazer que a TPM não atrapalhe o desempenho?

A produção de endorfinas durante a prática de exercício regular é um grande aliado contra a TPM. A TPM pode e deve ser tratada. Talvez não se “acabe” com ela, mas, sem dúvidas, haverá uma melhor qualidade de vida com tratamento adequado. Se para qualquer mulher isso é uma conquista importante, para corredoras ainda mais. Dessa maneira, evita-se que ela atrapalhe o desempenho. Falamos para atletas de rendimento e também amadores. Ainda há muitas mulheres que acham que não é indicado correr nos dias de menstruação. É indicado? Há alguma sugestão para que se sintam mais confortáveis, até mesmo em relação à roupa do treino, escolha do absorvente, alimentação, hidratação?

Não posso dizer que “há indicação”, mas posso dizer que não há contra-indicação. A mulher deve ser capaz de realizar qualquer atividade durante o período menstrual. O “repouso” é uma crença antiga… Mas com cólicas, náuseas, dores no corpo, não há quem queira fazer atividade alguma. Esses sintomas têm que ser evitados, minimizados, para que a mulher possa treinar e fazer suas atividades habituais também nesse período. Roupas mais largas serão naturalmente mais confortáveis. Muitas se incomodam com os absorventes comuns e poderão usar absorventes íntimos durante a corrida, com o cuidado de trocá-los periodicamente. Há uma perda variável de sangue que poderá se manifestar com um cansaço precoce. Sendo assim, é essencial a atenção com a alimentação e principalmente a hidratação, que devem ser rigorosas.

Existe, ainda , uma certa resistência em levar em consideração as alterações hormonais das mulheres durante o mês? Ela é mais por parte das atletas, ou dos técnicos?

Ainda é um assunto pouco discutido e, muitas vezes, subestimado. As próprias mulheres têm de “se conhecer” para poderem falar com seus técnicos. E seus técnicos tm que valorizar a questão para que ambos ganhem. Acho que os dois lados têm suas tarefas para que o quadro mude. As questões ginecológicas não fazem parte da avaliação pré-participação ainda. Mas acho que deveriam. Como um meio de divulgação das particularidades da mulher que pratica atividade física, assim como na busca de melhor performance.

Muitas corredoras têm períodos de amenorreia. É normal? Há riscos? Quais as causas? O que pode ser feito?

Amenorréia caracteriza-se por três meses sem menstruação. Isso, além de não ser normal, deve ser diagnosticado antes, quando os ciclos se tornam irrregulares ou começam a se tornar mais longos. Esses quadros podem estar relacionados a problemas maiores como a Tríade da Mulher Atleta (alterações alimentares – quadros extremos de anorexia ou bulimia – que levam a alterações hormonais, que podem resultar em alterações ósseas). A disponibilidade energética inadequada leva a alterações hormonais (que se manifestam com alterações do ciclo menstrual) e por fim, podem culminar em alterações ósseas (osteopenia ou osteoporose) associadas a fraturas de stress principalmente em corredoras. Os danos ósseos são temíveis por muitas vezes serem irreversíveis. As mulheres devem ter uma alimentação adequada e orientada por um nutricionista e estarem alertas a alterações do ciclo menstrual, as quais podem ser a primeira manifestação de que algo está errado.

Já ouvi comentários entre as corredoras que deixaram de usar certo tipo de pílula anticoncepcional porque ela pode favorecer enfraquecimento ósseo, que pode levar à lesões. É fato? Há como evitar?

Há trabalhos que dizem que pílulas que contem apenas progestagênios, quando usadas por muito tempo, podem prejudicar a massa óssea. Essas pílulas têm uso reservado para situações específicas e não costumam ser prescritas com frequência fora dessas situações. As pílulas mais prescritas são chamadas “combinadas” por possuírem além do progestagênio, o estrogênio – principal hormônio feminino e diretamente relacionado a renovação óssea. O fator mais importante para evitar alterações ósseas é a alimentação. Com isso, haverá energia para metabolismo basal e para regularidade hormonal, ou seja, estrogênio em dose certa no organismo. Se houver déficit energético, o organismo não desempenhará corretamente sua função e a consequência final poderá ser o acometimento ósseo.

Pílula de uso contínuo é uma boa solução ou algum tipo de problema? E, como as atletas ficam mais expostas ao sol, há algum tipo de pílula que possa causar o aumento de manchas na pele?

Nada é perfeito né? O estrogênio das pílulas combinadas, associado a uma predisposição individual, pode aumentar o risco de manchas na pele. Mas isso é individual. A proteção solar adequada é imprescindível independente dessa questão. Contraceptivos podem ser usados de forma contínua mas isso é uma discussão que deve ser individualizada e discutida com um ginecologista.

Há um traje mais indicado para a corrida para proteger os seios?

Roupas confortáveis, tops adequados. A preocupação com a beleza das roupas não deve prejudicar a sua função.

Atividade física tende a diminuir as cólicas? Como lidar com elas, para que não interfiram (ou interfiram minimamente) nos treinamentos e no desempenho?

A produção de endorfina tem seu papel na melhora de cólicas. Ela é vasodilatadora e melhora o sintoma. Mas muitas vezes a mulher deixa de correr ou praticar exercício se não estiver se sentindo bem. Cólicas podem ser tratadas ou minimizadas com contraceptivos hormonais e anti-inflamatórios não hormonais. Mulher nenhuma deve ser acostumar com elas, mesmo porque podem ser sintomas de doenças ginecológicas como miomas e endometriose. O ginecologista deve ser procurado.

Há considerações sobre a mulher na corrida de rua que você considera relevantes e não abordei nas questões acima? Poderia comentar?

Mulheres corredoras têm maior risco de desenvolver incontinência urinária mesmo sem fatores clássicos e risco associados ao quadro (como partos ou cirurgias vaginais). O impacto repetitivo e a própria fadiga da musculatura do assoalho pélvico estão associados a perda involuntária de urina. É importante o conhecimento da musculatura do assoalho pélvico pela mulher e seu fortalecimento. Fisioterapeutas especializadas no assunto podem avaliar as corredoras e ensiná-las a se exercitar. Nenhuma perda urinária deve ser considerada normal pois o quadro é, na maioria das vezes, progressivo.

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