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Show do Guns N’ Roses na Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba.
Show do Guns N’ Roses na Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba.| Foto: Francisco Escorsim

Passava eu na última quarta pela Rua João Gava em direção à Pedreira. Ao lado, o muro do Colégio Santa Maria, onde estudei o primeiro e segundo graus (eram assim chamados na época os ensinos fundamental e médio). Lembrei dos meus 11 anos, quando no intervalo entre aulas acompanhei vários amigos numa fuga cinematográfica, correndo pela escola e pulando aquele muro cujo tamanho não lembrava ser tão alto. Como conseguimos? Não sei, mas se tentasse hoje certamente não conseguiria sem auxílio de uma escada de cada lado.

Na Pedreira, cuja entrada continua tão ruim quanto sempre foi, aguardava sem muita expectativa pelo Guns N’ Roses, mergulhado nas lembranças da infância e adolescência, como a dos amigos que me apresentaram os primeiros discos, Appetite For Destruction e G N’ R Lies, lá em 1990, mas depois renegaram a banda por terem ficado famosos, nem sequer escutando os dois Use Your Illusion, lançados um ano depois. E eu lá meio inseguro por gostar dos discos tanto quanto dos outros, tentando “tirar” na guitarra, sem sucesso, qualquer trechinho do solo do Slash em November Rain.

Sabendo que a voz de Axl não é mais a mesma, que corria o risco até de soar constrangedora, com ele tendo de pedir desculpas depois, como fez no Rock In Rio, não me permiti criar expectativas e tentava me convencer de que estava indo mais para ver o Slash. Não me decepcionei, a banda foi competente, muito bem ensaiada e Slash não economizou nos solos. Mas a voz de Axl... Era nítido o esforço, tentava dar o seu melhor e até conseguiu soar como no início em um ou outro momento, mas no geral parecia outro cantor, fazendo a banda soar como uma cover.

São poucos os roqueiros que sabem envelhecer com dignidade e Axl (ainda) não está entre eles. Mas sempre há tempo, Johnny Cash não me deixa mentir

Mas não me senti frustrado; pelo contrário, fiquei grato. Senti compaixão por Axl, até admiração quando, depois de economizar o “drive” da voz (aquele “efeito” rasgado), ele o soltava em momentos indispensáveis. Por exemplo, no fim de Patience foi ovacionado, conseguindo sustentar a última palavra por longos segundos. Curiosamente, era na palavra “tempo”... São poucos os roqueiros que sabem envelhecer com dignidade e Axl (ainda) não está entre eles. Mas sempre há tempo, Johnny Cash não me deixa mentir.

Como houve para compor November Rain, dos maiores hits da banda. Não sei se sabe, leitor igualmente antigo, mas Axl trabalhava na composição dessa música desde 1983. Um guitarrista de uma das bandas anteriores de Axl contou que, sempre que estavam em hotéis e lugares com piano, lá ia Axl tocar a música até onde a tinha composto. Só sabia tocar essa no piano, aliás, segundo o guitarrista Tracii Guns, que, depois de vê-lo tanto tempo trabalhando com a música, perguntou quando ele enfim a terminaria. Axl respondeu: “Não sei o que fazer com isso”.

Como talvez não saiba o que fazer agora, com sua voz nitidamente pedindo aposentadoria. Aliás, na autobiografia de Slash, ele contou que, quando compunham Sweet Child Of Mine, o produtor sugeriu que adicionassem uma quebra mais dramática no final. Ninguém fazia ideia do que fazer, nem como, e ficaram escutando e escutando e escutando a música, sem encontrar resposta, até que Axl começou a pensar alto: “Para onde vamos? Para onde vamos?... Para onde vamos?” O produtor abaixou a música e disse: “por que não tentar cantar justo isso?” E assim foi feito, com a música terminando com essa pergunta: “Para onde vamos agora?”

Na chuva fria curitibana, combinando à perfeição com November Rain, Axl entregou um de seus melhores momentos no show: “Então, não se importe com as trevas / Ainda podemos encontrar uma saída / Porque nada dura para sempre / Até a fria chuva de novembro”, e setembro. Não sei bem que saída seria essa, mas talvez a pista esteja nas próprias músicas. Como em Sweet Child Of Mine, em que o encontro da pessoa amada o faz lembrar de um lugar agradável e seguro onde, quando criança, ele se escondia.

Axl teve uma infância difícil, com abusos, abandono paterno e delinquência, o que torna a referência na música às memórias da época, “onde tudo era fresco quanto o céu azul brilhante”, bem significativa. Em Paradise City, que encerrou o show, cuja letra é de Axl, revela-se o desejo de ser levado para a cidade do paraíso, considerada como seu lar. A cidade do Paraíso desejada na música talvez não seja exatamente um paraíso, mas a visão do lar como Paraíso significa muita coisa, ainda mais para quem não parece ter tido um lar assim.

Enfim, meras tentativas de vislumbrar uma resposta ao “Para onde vamos agora?” Axl, não sei, é provável que siga ganhando fortunas com turnês até a voz acabar de vez e aí, sabe lá como será. Já eu, no retorno do show, passei de novo pelo muro do colégio que parecia me desafiar. Devolvi o olhar de desafio e sorri, lembrando-me que, ao voltar para casa naquele dia da fuga da aula, minha mãe perguntou: “como foi a escola hoje?” Claro que sabia o que eu tinha feito. Contei a verdade e senti o alívio de meus pais, que nem de castigo me deixaram. Desconfio que é assim que a gente chega ao Paraíso. Até lá, need a little patience, yeah, yeah.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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